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Francisco Beltrão
segunda-feira, 16 de junho de 2025

Edição 8.226

14/06/2025

Sérgio Dalla Vecchia: as coisas erradas que acabam dando certo

Sérgio Dalla Vecchia: as coisas erradas que acabam dando certo

Ivo Pegoraro
Sérgio Dalla  Vecchia: “Graças a Deus eu nunca perdi, tudo que eu investi sempre deu lucro”.

 

No segundo domingo da Expobel, Sérgio José Dalla Vecchia recebeu uma festa para comemorar seus 84 anos, completados dia 14 de março. Dos 84, ele já viveu em Francisco Beltrão 65 anos. Chegou aqui ainda no tempo da Vila Marrecas; era solteiro. Anos depois voltaria ao Rio Grande do Sul para casar e trazer a noiva, Leonora Marcon, que se tornaria mãe de seus sete filhos: Assunta e Rosa Maria (falecidas), Naudir (Nico), Ivone, Élcio, Anir e Claudir. Eles já lhe deram sete netos e dois bisnetos. Leonora é falecida. A segunda esposa é Ana Lenzi Dalmolin. Nascido em Encantado (RS), Sérgio é o segundo dos dez filhos de Josefina Tiecher e João Batista Dalla Vecchia (1903 a 1963). Quatro são falecidos: Gentil, Alcides, Leonilde e Mansueto. Gilda reside em São José de Cedro (SC), Adelmino e Claudionor em Francisco Beltrão, Gema em Curitiba e Terezinha, a mais nova, em Guaíra (PR).Logo que Sérgio nasceu, a família mudou para o Quinto Distrito de Passo Fundo. Quando ele completou 19 anos, seu pai decidiu vender a propriedade, com uma fábrica de cachaça, para comprar uma propriedade maior em Quatro Irmãos, porque tinha muitos filhos, precisava de mais terra. Aí que aconteceram coisas contrárias à sua vontade, todo o patrimônio foi perdido. Sérgio decidiu, então, buscar um lugar novo e acabou encontrando uma vila muito distante, no meio do mato, que se tornaria a hoje bela cidade de Francisco Beltrão, onde ele criou e estabeleceu seus filhos e vive confortavelmente, alternando semanas numa casa na Cango ou em Águas do Verê. Em Beltrão, sua família marcou época com o Hotel Dalla Vecchia.

JdeB – Qual foi a sua preocupação quando chegou à Vila Marrecas? Sérgio – Achar serviço pra trabalhar. Eu cheguei num sábado de tarde, parei no Vandresen, fui ver a ponte de madeira, que era coberta de tabuinha. Fui lá e vi que tinha dois caras brigando, era uma montoeira de sangue que tinha em cima da ponte. Aí eu pensei “aqui eu tô perdido, por que vim pra cá? A primeira coisa que vejo aqui é uma briga” (risos). Pensei “o jeito é se cuidar”. E aí no domingo de manhã eu não tinha para onde ir, vi que tinha uma montoeira de gente no bolãozinho do barbeiro. Chegando lá, estava o Floriano Arruda, que ele estava jogando bolão com outro homem de parceiro. E eu não sabia da história deles nem nada, mas cheguei lá e comecei a torcer pro Arruda, e ele já estava ganhando e ganhou mesmo, encheu o bolso de moedas. Na saída eu fui e bati no ombro dele, e disse assim: “Amigo, eu quero falar com você”. Aí ele se virou pra trás, me viu e falou “você é aquele menino que estava torcendo pra mim?” Ele enfiou a mão no bolso, encheu a mão de moeda e colocou na minha mão. Aí eu falei assim “amigo, não é isso que eu estou pedindo de você, eu quero é serviço”. E ele perguntou pra mim o que eu sabia fazer. Falei que sabia fazer o que precisava de mão de obra de madeira, queria tirar madeira com ele, e ele me falou “às 7 horas, me espere aqui na escada, que eu venho pegar você”. Então, nós derrubamos um pinheiro aqui perto, atrás do Clube Real (hoje edifício Realcenter), tirando tábua com ele até meio-dia. E aí ele sentou com um cigarro e tal, e eu tinha tirado uma prancha bem larga assim e disse pra ele: “Dá pra mim essa prancha?” Ele pediu o que é que eu queria fazer, e eu falei que ia fazer uma cama, e ele “o quê? fazer uma cama nessa prancha?” Pra eu encurtar a história, ele me falou que ia colocar a prancha lá no rancho, aí eu falei “mas como botar lá no meu rancho? Lá não dá, lá tem famílias, eu vou dormir junto com você!” Então, eu tirei a tábua dali, arrumei e fui no rancho dele, colocamos pendurada, de pé, na parede. De noite eu tirava aquela prancha, colocava perto do fogo e deitava em cima, e no outro dia de manhã, quando ele levantava, o chimarrão já estava pronto, pra daí a gente ir pro serviço. Eu pegava a minha pranchinha e guardava de novo lá de pé. Era ali perto do Salvatti. Trabalhei 25 dias com ele, a 15 reais por dia.

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JdeB – Juntou dinheiro? Sérgio – É, e aí apareceu o Nilso Palha e me falou que pagava 25 reais por dia e me dava cama, comida e roupa lavada. Ele me falou que queria montar um barracão pra uma olaria e me perguntou se eu sabia fazer. Falei que sabia fazer de tudo. Então tirei toda a madeira, fiz o barracão pra ele, porque ele me deu um peão pra ajudar. E daí ele me perguntou “onde é que eu vou comprar tijolos pra fazer o forno, agora?” Aí eu falei que tinha barro, que a gente podia fazer os tijolos, e ele “mas você faz tijolos?” Falei que fazia tijolos também (risos). E aí eu fiz um buraco no chão, cavei a terra e joguei pra um lado, e fiz a mistura de terras, amassava com o pé mesmo, fiz o barro, fiz a caixinha do tamanho do tijolo, engraxava com areia e cinzas, batia o barro dentro com força, passava a régua em cima e daí virava o tijolo. E quando ele estava firme e meio enxuto, eu fiz o forno pra ele (risos) e aí eu arrumei a viagem e fui embora pra buscar a mudança, três meses eu fiquei.

JdeB – Agora vamos voltar ao Rio Grande do Sul. No Quinto Distrito de Passo Fundo, vocês tinham uma propriedade e fabricavam cachaça? Sérgio – Sim, nós tínhamos cana, tinha tudo. Tinha um canavial, um monte de terra, a gente enchia de cana e tinha, inclusive, uma moenda de pedras que mandamos fazer, e tocava com mula, boi. Cachaça ‘véia’, era quatro dessas por dia. E vendia bem.

JdeB – E por que o seu pai decidiu mudar para Quatro Irmãos? Sérgio – Porque ele tinha pouca terra e os filhos eram muitos. Em Quatro Irmãos era sete colônias de terra. Tá certo que tinha bastante campo, mato, porque não era tudo terra de lavoura. Mas mais tarde virou em granja de trigo, a melhor granja de trigo da região foi aquela.

JdeB – E o que é que deu errado nesse negócio? Sérgio – Errado? Errado foi o seguinte: o cara que comprou do meu pai a terra era veiaco, fez uma confusão.

JdeB – Como é que foi o negócio, o seu pai vendeu por quanto? Sérgio – Vendeu por 60 contos, naquela época. Recebeu 30 desse negócio e era pra ele (o comprador) dar mais 30 dali 60 dias, e daí nós viemos pra Quatro Irmãos e o homem assumiu a terra lá. Quando vencia o prazo de entregar a escritura, em 60 dias, ele (João Batista) e a mãe desceram pra dar a escritura pro homem e resultado: ele fez uma veiacada com meu pai, disse que era pro pai ficar na casa enquanto ele ia buscar o dinheiro na casa do irmão dele, mas era tudo invenção dele, porque esperou vencer o contrato e foi pro cartório protestar, alegando que o meu pai não queria dar a escritura pra ele. E daí acabou indo a leilão, hasta pública, dando aquela confusão toda. E o meu pai acabou perdendo, ficou na mão. E quem arrematou foi aquele que vendeu pro meu pai lá em Quatro Irmãos. Ele não era proprietário rural, mas a terra era dele, era terra de uma herança que ele tinha.

JdeB – Resumindo, tanto o seu pai como aquele que comprou a terra do seu pai ficaram sem nada? Sérgio – O meu pai ficou sem nada, e o que comprou do meu pai ficou sem nada também, porque se enforcou. 

JdeB – O seu pai não se enforcou, mas chorou bastante? Sérgio – É, meu pai chorou bastante e eu fiquei com pena de ver meu pai naquela situação, tanto que eu arrumei uns 100 mil réis ajuntando pinho no campo e fazendo carvão, eu e o meu irmão Alcides. E aí vendemos esse carvão em uma serraria pra poder arrumar os 100 mil réis, porque o carvão naquele tempo era barato, a gente tirou bastante carvão. E aí pulei em um caminhão de mudança e vim até aqui no Marrecas, sem comer nem uma banana na estrada, pra poupar os 100 mil réis. E aí eu parei na pensão do Vandresen, esse dinheiro dava pra três dias só. Não foi fácil.

JdeB – Naqueles três meses o senhor arrumou dinheiro suficiente pra trazer a mudança do seu pai. E como é que foi a viagem pra buscar a mudança, num caminhão que despencou na serra do Uruguai? Sérgio – Esse dono do caminhão, um tal de Sadi Bigatão, descemos com 60 sacas de feijão. Ele ia no volante, porque tinha mais um motorista que ia junto, mas ele, como era dono do caminhão e sabia dirigir, continuava indo. Pra descer a serra do Uruguai, que é toda que nem uma cobra, e não tinha asfalto, não tinha nada, acabou escapando o caminhão em ponto morto, e daí, caixa seca, não entrou marcha nenhuma. E aí o motorista que estava no meio gritou pra mim: “Se solte, que tamo morto!” Eu abri a porta e me joguei, e ele se jogou também. Eu caí numa sarjeta na beira da estrada, era cheio de barro e coisa, e eu deslizei passando na frente do caminhão (risos), quando eu corri os olhos assim, no lado eu vi o caminhão passando por mim, e eu estava dentro da sarjeta. Mas e o outro, cadê o outro? Olhei em roda, porque eu não me machuquei, só me enchi de barro, e o outro não estava mais ali, gritei e chamei procurando ele, e aí estava uns 100 metros abaixo no meio da estrada, aí eu falei “o que aconteceu com você, rapaz?” E ele “mas comigo nada e com você?” Falei que comigo também não. Então estavam livres os dois, porque não aconteceu nada pra nenhum, e o caminhão se foi. Estava um poeirão na estrada. O rapaz tentou colocar o caminhão pra tombar do barranco, mas não conseguiu, resultado: chegou lá no Uruguai, pegou a praia do rio e foi parando sozinho, até que parou. Ele conseguiu segurar o caminhão na estrada (risos) e parou sozinho. Aí ele foi dar a ré pra fazer a volta, mas esqueceu que não tinha freio, foi dar ré e o caminhão foi indo de volta pra dentro da água (risos), molhou o caminhão inteiro, ficou de fora só a cabine (risos). Então, chamou alguém que tinha aquela máquina, um caminhão grande, e daí conseguiram puxar o caminhão (risos), mas ainda que ele conseguiu salvar a carga, levou pra Erechim, colocaram em um secador e conseguiram secar toda a carga. 

JdeB – Nossa, que aventura! E ninguém se machucou? Sérgio – Mas olha, eu vou te falar, ninguém se machucou, ninguém (risos). Foi muita sorte. Mas acho que Deus é que estava com nós, porque, olha, se jogar naquela velocidade do caminhão…

JdeB – E não estragou o caminhão? Sérgio – Só a ponta de eixo ou não sei o que lá, mas eles arrumaram. Então, carregamos a mudança e viemos embora. E quando nós estávamos aqui do outro lado do Rio Uruguai, pra descer a serra de novo, sabe que o caminhão estragou naquele trecho, parou porque conseguiram colocar ele no barranco, bem numa curva que ia pegar em um desfiladeiro, o caminhão parou, mas foi muita sorte. Saímos dali e perto de Xaxim ele entregou a mudança pra outro caminhoneiro, aí mudamos tudo e viemos embora. Levou oito dias na estrada (risos).

JdeB – E aí quando chegaram à Vila Marrecas, como é que foi com seu pai e toda a família? Sérgio – Eu já tinha preparado uma casa aí, um barracão. Era ali pra cima do Celeiro, aluguei um barracão e colocamos a mudança toda lá dentro.

JdeB – E já tinha algum trabalho pro seu pai? Sérgio – Ah, ninguém tinha serviço nenhum. E, daí, como os Lise tinham um matadouro de porcos, o meu pai começou trabalhar ali no matadouro e nós alugamos uma terra aqui em cima no aeroporto, de um tal de João Pimentel, daí os outros irmãos iam pra roça trabalhar, plantar alguma coisa e tal. E o meu pai trabalhava no matadouro de porcos, eles degolavam aqueles porcos e davam pro velho, falavam que isso ali não servia de nada pra eles, mas aí calcule, porque nós não tinha nada, então a gente vivia bem (risos). A gente ganhava banha, tinha carne, os Lise foram muito legal com nós, o Mauro, o Guilherme Oro, que faleceu esses dias, ele também trabalhava lá. 

JdeB – E aí a família gostou da nova terra? Sérgio – Ah, daí todo mundo se acomodou. A minha mãe começou a trabalhar pro dr. Rubens lavando roupa, trabalhava no hospital, lavava as trouxas de roupa lá no Rio Marrecas (risos). Tudo nas costas, e assim foi indo a vida. E a gente também estava sempre plantando pra cá e pra lá, mas era tudo terra alugada, eu só tinha um sítio lá na Serra da Vitória.

JdeB – E seu pai continuou no açougue? Sérgio – Ele continuou uns tempos, mas depois ele já tinha alugado uma sala pra mercado. Um mercadinho, um restaurante e ele foi indo e trabalhando, trabalhou com comércio até certo tempo, porque depois que ele tinha essa lanchonete, que ele veio pro hotel do comércio, ele alugou do Cláudio Bassoto, e trabalhou uma porção de tempo ali. E um dia eu disse pra ele “pai, vamos construir um hotel” e ele “mas como construir um hotel?” Aí eu falei “pois é, eu também estou achando importante esse negócio, acontece que eu estava lá, arrancando feijão às 3 horas da madrugada, com um claro de lua cheia, e uma voz veio no meu ouvido e me disse que era pra mim construir um hotel ali no Marrecas”, e com aquela conversa eu fiquei meio bobo, porque eu não sabia o que fazer. Aí eu comecei a pensar “mas como é que eu vou construir um hotel, se eu não conheço hotel, nem nada disso, nunca tive um hotel na minha vida, como é que vai ser?” Aí aquela voz parece que me dizia “é só servir bem os fregueses”. E daí eu coloquei na cabeça que eu tinha que ter um hotel. E construí o hotel, e nos juntamos todos e fomos trabalhando – 33 anos trabalhando no hotel.

JdeB – Foi uma fase bonita na vida de vocês. Sérgio – Ah, foi ótima. Foi uma fase muito bonita e com muita saúde, muita proteção, porque tudo ali correu uma maravilha, tudo correu muito bem.

JdeB – Aquilo que o senhor ouviu deu certo, de que era só atender bem as pessoas? Sérgio – Sim, porque aquilo que nós perdemos, ganhamos em dobro mais tarde, isso aconteceu mais que uma vez. 

JdeB – Aquele golpe que vocês levaram lá no Rio Grande do Sul, vocês conseguiram superar? Sérgio – Sim, conseguimos recuperar tudo, superamos tudo. 

JdeB – O senhor chega aos 84 anos cheio de saúde e tem uma vida boa, está tranquilo? Sérgio – Ah, eu estou muito feliz, sempre fui contente e alegre. Eu nunca fiquei triste, a minha vida nunca foi tão abalada, só naquela época quando eu via meu pai chorando e tal, aquela época que me deixava triste. Me deixou triste porque eu tive que arrumar um jeito de vir embora. Mas de lá pra cá, tudo correu muito bem, foi uma maravilha, porque eu só ganhei dinheiro, nunca perdi nada, sabe? Graças a Deus eu nunca perdi, tudo que eu investi sempre deu lucro.

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