JdeB – Uma vez o senhor ganhou na loteria?
Jorge – Ganhei, tava aqui aonde tá a Dispeçal, eu trabalhava na Sudoauto, daí eu saí da Sudoauto, porque eu vendia bastante e ganhava bastante, os outros sócios ah, esse cara aí ganha mais que a gente. Uma coisa lógica, o que eu vendo eu tenho que ganhar, não é assim? Resolveram de me tirar de lá, aí o Júlio Opolski disse Jorge, vem junto comigo, fica aqui, traz os carros de Londrina, de Maringá, nós vendemos, fazemos sociedade. Aí fiquei trabalhando com ele, a Honda vendia muito pouco, lá de vez em quando. Aí chegou um cara, queria me vender um bilhete, é vivo até hoje o cara que me vendeu. Eu falei não, não, não quero essas coisas aqui. Tinha uma empregada que trabalhava comigo esse número aqui dá 33, dá cobra, a minha mãe gostava muito, fica com ele. Tá, peguei, paguei ele. Quando chegou sábado, ele foi lá me avisar que eu ganhei. Olhei lá, na verdade, não tem lotérica que nem é hoje, liguei pra Londrina pra saber que número que deu ali, 39133. Eu falei tá comigo esse bilhete. Deu 600 mil.
Com aquilo o que o senhor comprou?
Ô, pelo amor de Deus, era dinheiro que não acabava mais. Dava pra comprar acho que duas carretas de Fusca naquele tempo, tinha bastante dinheiro. Comprei uns lotes, comprei umas mercadorias pra loja onde eu tava. Depois o Júlio Opolski queria a peça onde tava lá em cima, cheguei aqui do Gambin, tinha a churrascaria bem na esquina, comprei esse lote aqui e fiz essa peça lá em baixo e fiquei aqui com a Honda, comprei do Júlio, porque eu emprestei um pouquinho pro Júlio Opolski, e não tem pra pagar, daí ele te dou a Honda, umas peças, umas coisaradas, umas duas motos, e tem que aceitar. O que vou fazer? Mas dei uma lograda, fiz que nem as outras. Aí construí aqui e fiquei, aí o Úrio construiu esse negócio aqui e eu comprei dele a parte de baixo, porque a Honda não aceitava concessionária com peça alugada, aí foi indo até que comprei essa peça aqui.
Quer dizer que o senhor aprendeu a trabalhar no comércio apanhando?
Sim. Bom, a gente tem essa sabedoria desde a terra que a gente trabalhava, a última guerra mundial, vamos dizer assim, da Inglaterra vem cigarro, vem pra Jerusalém, e tem um cara que comprava tudo esses cigarros e dava pra quem queria vender, eu pegava uma bolsa, botava o cigarro dentro e vendia cigarro nas costas. Que tipo de cigarro você quer? Que qualidade você quer? O cigarro era inglês.
A sua infância em Israel como é que foi, era também tempo de guerra e bombardeio?
O que eu sei na vida lá sempre foi essa guerra, não para, e nem vai parar enquanto não der uma guerra final.
Como era a vida de vocês?
Normal, que nem aqui, mas volta e meia dava aquele estouro, era uma guerra aqui outra ali, matança aqui, matança lá, eu falei quer saber de uma coisa, eu vou embora, não quero saber mais desse troço aqui, chega!
Dos seus parentes alguém participou da guerra?
Sim, até eu fui na guerra.
O senhor foi convocado pelo Exército?
Não precisa convocar, qualquer coisa eles passam na rua, te pegam, te armam e vai, se viveu, viveu, se morreu, morreu, era assim.
Era um ano de Exército?
Não, era o tempo que eles querem. Eu fiquei um ano e meio mais ou menos.
Participou de algum combate?
Sim, tipo, tem aquelas coisas de areia, saquinho de areia, e de noite você fica vigiando, você vê algum barulho, alguma coisa, você tem que atirar, não tem esperar, apareceu alguma coisa você tem que atirar. Se você não atira, se você tá deitado, como dizia, ou cochila um pouquinho, os outros que chega lá te mata, tem que ficar atento sempre.
Então, comparando com Israel, o Brasil é mais tranquilo?
Sim, que nem o Brasil não tem, não existe país que nem o Brasil.
O senhor acha que foi acertada, aquela vez a sua decisão de vir para o Brasil?
Sim, isso aqui é a melhor coisa que eu podia ter feito.
E hoje como o senhor vê Beltrão?
Pra mim, Beltrão é a melhor cidade que já vi, e já morei em diversos lugares no Brasil. Os filhos, a esposa, todos estão satisfeitos, com 83 anos, tem gente que nem trabalha com 83 anos, e eu estou aqui cuidando tudo.
O senhor falou que veio para o Brasil em 53, com 20 anos, mas então não foi em 50, o senhor nasceu em 30?
É, eu nasci em 30, mas é que no tempo da guerra eles pegam uma família de uns nove, eles escolhem os mais pequenininhos e dá mais comida. Não é você tem dinheiro compra o que quiser, não tem, é tudo contado, você tem tantos filhos, você vai ganhar tanto, tem pequeno ganha tanto, tem grande ganha tanto, o grande ganha menos e o pequeno ganha mais. Por isso que não tava nem registrado e me disseram que eu tenho tantos anos.
No seu documento o senhor nasceu…?
7 de novembro de 33, na verdade eu nasci em 31.
Quanto mais novo, mais ganhava?
Sim, ganhar não, comprar, se você tem criança pequena, vai comprar tanto de farinha, tanto disso, você tem dinheiro, mas não pode comprar porque você tem só gente grande, eles podem trabalhar, agora pequenininho não.
E a sua esposa lhe ajudava na loja?
Sim, quando tinha no centro ela sempre ajudava, aqui não, aqui já tocava tudo coisa pra piazada.
O senhor se adaptou, então, a essa ideia de a mulher trabalhar no Brasil?
Não, ela ficava comigo na loja, mas não trabalhava assim, fazia alguma coisa, só ficava comigo, nada mais, lá na nossa terra a mulher trabalhar é uma vergonha, a mulher tem que cuidar da casa, dos filhos, é feio pra um homem lá botar a mulher trabalhar.
E como o senhor vê isso, que aqui no Brasil todas as mulheres trabalham?
Sim, aqui é diferente, mas na realidade devia ser a mulher não trabalha, devia ser, por que tem o homem, homem é pra trabalhar e a mulher pra cuidar a casa, cuidar os filhos.
Mas aqui o senhor tem funcionárias mulheres.
Sim, o que tem, pra mim tá bom. A lei aqui a mulher pode trabalhar, lá não, não é que alguém vai botar a mulher dele pra trabalhar, ele se sente mal, se sente com vergonha. Hoje eu não sei, mas quando eu fui pra minha terra, em 59, também a mulher não trabalha, nem se fosse aleijado, aleijado os outros ajudam, mas botar a mulher trabalhar não.
Que religião que era a sua família?
Religião muçulmano.
E o senhor continua muçulmano?
Sim, sim, graças a Deus, muçulmano.
Tem muitos muçulmanos aqui?
Não, aqui tem aqueles que trabalham na Sadia, vêm de fora, mas pouca gente.
E o senhor casou com a sua esposa por qual religião?
Eu casei com minha religião e com a religião dela também, em São Luiz Gonzaga.
Tinha igreja muçulmana lá?
Não, daí eu fui a São Paulo pra casar. Casei em São Luiz Gonzaga, daí levei ela pra São Paulo, depois quando fui eu e ela em Jerusalém, minha família tava em Amã, na Jordânia, daí casamos de novo, tem até fotografia e coisa, tudo certinho.
O senhor casou pelo civil no Brasil, pela religião católica e pela religião muçulmana?
É, só pra dar tudo certo, eu quero agradar ela.
Tem muita diferença da religião católica para muçulmana?
Tem.
O dia preservado é o domingo?
É sexta-feira, sábado de Deus, domingo cristão.
O que o senhor faz sexta-feira, pode trabalhar normal?
Trabalha normal, não tem nada, mas o dia santo dos mulçumanos é sexta-feira.
Quando o senhor quer participar de alguma celebração, tem que ir a São Paulo?
Não, posso fazer em casa. Mas em Foz do Iguaçu tem, Curitiba tem, Guarapuava tem.
E o senhor vai às vezes pra lá?
De vez em quando eu vou, eu vou diversas vezes em Foz do Iguaçu.
Em Beltrão o senhor teve alguma dificuldade, teve algum período difícil?
Não, não, desde quando cheguei até agora, graças a Deus tá tudo bem.
E a sua empresa hoje, como é que está?
Boa.
E o senhor continua se dedicando totalmente à empresa, o primeira a chegar e o último a sair?
Sim, bem isso, primeiro que abre a loja sou eu e o último que sai daqui sou eu. Com essa idade é difícil o cara fazer o que eu estou fazendo, por enquanto.
Como é que o senhor consegue preservar essa saúde, essa disposição?
É coisa de Deus, é Deus que dá essa sabedoria, encaminha as coisas pra gente.
Como é a sua alimentação?
Normal, tudo o que vem eu como.
Sua saúde sempre foi boa?
Sempre, graças a Deus, nuca precisei ficar no hospital e coisa e outra.
E a sua equipe?
Tudo gente boa, tudo gente trabalhadora, honesta, difícil eu mandar alguém embora, eles já me conhecem, eu conheço eles, já sabem o tipo que eu sou, então eles encaminham as coisas bem certinho.
Qual é o segredo maior da venda, seu Jorge?
É sorte mesmo, na realidade é sorte, pode contar.
Tem gente que não gosta de vendas, por quê?
Jeito, ideia deles é diferente.
Na sua vida o que mais tem de marcante que o senhor lembra nessa hora?
Não contei nem 10% porque na realidade a gente não lembra mais das coisas, o que a gente passou, o que sofreu, o que viveu bem, tem tanta coisa assim, os dias vão passando, os anos vão passando…
Os filhos tiveram a oportunidade que o senhor não teve, eles puderam estudar.
Sim, pedi pra eles estudar, agora eu não tem jeito, como é que eu vou estudar depois com tudo essas coisas, não tem, eu me dedico ao trabalho, pra mim é o trabalho e nada mais. Bagunça, bebedeira, zona, comigo não, tem que ser sério, não tem outra coisa, não.
O senhor bebe álcool?
Não, só fumo cigarro.
O senhor nunca bebeu?
Bebi, mas depois que larguei, nunca mais.
Cigarro desde quando o senhor fuma?
Desde 1945 eu fumo.
O senhor fuma palheiro também?
Sim, palheiro é muito bom, se vem do Rio Grande faz menos mal do que esse.
E o senhor sente falta, não consegue ficar sem o cigarro?
Não, a única coisa que eu tenho, vamos dizer, o único vício é o cigarro.
A Ruth morreu nova, o que deu nela?
Foi fazer consulta no hospital e saiu do hospital morta.
Ela era sadia?
Sim, o dr. Mário mexe pra lá, mexe pra cá, não sei o que, daí eu tava trabalhando, a mãe faleceu, disse meu filho, foi assim, nem sei o que tinha.
O senhor se dava bem com ela?
Pelo amor de Deus, 53 anos vivi com ela, nunca discutimos, é uma coisa que não tem explicação.