jabuticabeira de JK

(Arquivo Baleeiro).
A jabuticabeira só existe no Brasil e, aqui, apenas no Sul e no Sudeste. Depois que deixei Belém do Pará, aos 5 anos, quase sempre tive uma jabuticabeira por perto de casa. Assim foi nas duas casas de Lagoa Santa, à beira da Lagoa, e na casa perto do mata-burro, no Pastinho. Passava tempo, na safra, trepado na jabuticabeira no quintal do casarão da beira da Lagoa Santa. Era a maior de todas elas. Talvez esteja viva. Temos duas aqui na casa de Beltrão, há 40 anos. Há épocas que não frutificam, mas há anos em que produzem bem e podemos presentear alguns litros para os amigos.
Em Sabará, Minas Gerais, há o festival da jabuticaba. Creio que seja o único do Brasil. Doce, vinho, licor, suco, chimia e frutos da jabuticabeira são comercializados. No meu tempo de criança, não havia esse festival. Acho que essa festa foi criada sob a influência de algum juscelinista, já que JK era um apaixonado por jabuticaba, como contam seus amigos de infância e da vida inteira.
Dizem seus amigos – como Affonso Heliodoro – que JK mandava comprar litros e litros de jabuticaba, e os amigos sabiam que levar jabuticaba para ele era agradá-lo na certa. Dava preferência, na hora de receber pessoas, às que lhe traziam jabuticabas. Comia-as na frente de qualquer pessoa do povo ou de personalidades e em qualquer lugar. Não sei se faria como o Chatô (Assis Chateaubriand), que levou jabuticaba, pupunha e jaca para a rainha da Inglaterra…
Creio que JK haja firmado esse hábito de chupar jabuticaba na sua infância no Arraial do Tijuco (Diamantina), órfão de pai, filho de professora primária pobre. Ele mesmo conta que, muitas vezes, sua mãe Júlia fazia o prato de comida menor para ela para que sobrasse para JK e sua irmã. A jabuticabeira do fundo da casa (vide foto) servia como alimentação complementar. Dizem que JK chorou quando viu a jabuticabeira que tantas vezes lhe matou a fome, quando voltou Diamantina eleito presidente do Brasil. O hábito ficara-lhe gravado indelevelmente na memória olfativa, no paladar.
Nas duas vezes que fui a Diamantina, cheguei a ver essa jabuticabeira que, depois de morta, foi envernizada e preservada por Serafim Jardim, amigo de JK e diretor da Casa de JK. Serafim disse-me, há uma semana, que fez de tudo para tentar salvar a jabuticabeira, que já tinha mais 130 anos, mas não foi possível, ainda que o tentassem técnicos da Emater. Acredita-se que, quando JK nasceu, em 1902, a árvore já tivesse uns 20 anos.
Meu saudoso amigo e mestre Dr. Raymundo Bandeira Vaughan, que fora colega de JK como deputado federal nos idos de 1935, mandava entregar no seu apartamento de Copacabana, nos anos 60, litros de jabuticaba e pacotinhos de chapéu de napoleão para chá. Cheguei a ler bilhetes de JK agradecendo ao Bandeira essa gentileza.
Paradoxalmente, nunca li um livro sobre a jabuticabeira. Acho que não existe, embora os botânicos afirmem que essa planta só exista no Brasil. Seria o caso da Prefeitura de Sabará abrir um concurso para uma monografia: jabuticaba, fruta brasileira por excelência.
Uma das jabuticabeiras aqui de casa tem metade de seus galhos sobre a casa. Quando venta, ouço o farfalhar das folhas e galhos no telhado de zinco e, quando está carregada, caem os frutos e rolam num encantamento que me levam à infância de Lagoa Santa.
Bandeira contou-me que conhecia a jabuticaba-branca, também da família das mirtáceas, mas que não pode ser confundida com a jabuticabeira comum nem com a jabuticaba-cipó. Lembro-me de que Bandeira me mandou ler os verbetes sobre a jabuticabeira no “Diccionário das plantas úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas”, de Manoel Pio Correa, em 5 volumes. Trata-se de obra monumental, cuja edição levou mais de 40 anos para ser publicada na sua totalidade. Nos anos 80, o IBDF, se não me equivoco, mandou fazer uma edição fac-similar que muito manuseei na Biblioteca da Facibel e ainda está lá.
Lamento que nenhum grande escritor brasileiro (corrijam-me se estiver errado) escreveu mais longamente sobre a jabuticabeira ou a jabuticaba. Não sei de crônica dos mineiros Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Otto Lara Resende ou Guimarães Rosa sobre a jabuticaba. Ela merece uma página imortal como o cajueiro mereceu de Humberto de Campos (visitei esse cajueiro em Parnaíba, Piauí, com o saudoso grande escritor Fontes Ibiapina).
Só por haver matado inúmeras vezes a fome do menino pobre JK, a jabuticabeira já merece ser lembrada como patrimônio alimentar do Brasil.