Crônica
Pular a cerca é seguir o preceito bíblico de amar ao próximo, disse uma vez um filósofo – ou algum tchuco no Bar do Beto depois de meia dúzia de rabo de galo. O milenar paradoxo do adultério vai afetar todo mundo em algum momento e circunstância da vida. No meu caso, foi dessas coisas de momento, desejo bobo que virou lamúria.
É muito simples jogar uma relação de anos na boca do lixo sem qualquer remorso, assim como quem descarta o pacote de salgadinho sem comer os farelos. A gente cansa da rotina, acha que merece coisa melhor e no primeiro vacilo já tá dando bola pra qualquer atributo alheio. É assim com as esposas e os barbeiros, como foi a traição a que me refiro.
Depois de 13 anos de uma fidelidade maior que com qualquer mulher – porque neste tempo sequer olhei pra outros barbeiros -, nesta semana me aventurei num affair numa barbearia nova que abriu na Curitiba. Coisa fina, bem decorada, estilosa, com primeiro chopp na faixa e uma linha inteira de produtos que os homens rústicos usam, mas não assumem. A gente morre pelos olhos.
Pesa a consciência sentar na cadeira do outro, pensar em alguma coisa que não seja o tempo pra puxar assunto e criar familiaridade, sem contar o serviço de ter que explicar como quer o corte. E se o cara errar a tesourada e me cortar a orelha fora? Tudo isso envolve confiança, mas também o medo que a gente tem de mudar algumas coisas, seja o caminho de casa até o trabalho, a quantidade de tempero na comida ou abrir mão de uma vida confortável pra viver num casebre rude a beira mar.
Ao contrário do que prega a filosofia motivacional de firma, nem todo mundo tem que estar disposto a mudar o tempo todo pra sobreviver na selva corporativa. É bom ficar na dita zona de conforto dos palestrantes, mais preocupado com as oscilações do tempo que do dólar, sem se incomodar com o fim do mês ou do mundo. Às vezes, mudar é trair valores e uma ordem que se estabelece quase como natural. E isso vale desde casamentos a cortes de cabelo.