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Francisco Beltrão
quarta-feira, 18 de junho de 2025

Edição 8.229

20/06/2025

O sertão do Caracol e Cineas Santos

Cineas Santos

 

Baleeiro e moradores do Caracol, no interior de São Raimundo Nonato, Piauí  (janeiro de 1984).

 

Em janeiro de 77, pela primeira vez, viajei de São Paulo a Teresina (Piauí) pela Viação Itapemirim. Foram 54 horas de penosa viagem com direito a banho de cuia, farinha, rapadura, farofa de f rango numa lata e refresco de caju (nas paradas). Em Teresina, abriguei-me na casa do professor e jornalista bissexto Cineas Santos, editor do jornal nanico “Chapada do Corisco”, que durou nove  meses. Nele escrevi um artigo sobre a presença nordestina no Norte do Paraná.
Cineas Santos já era professor de cursinho. Depois, fez nome no Estado, proferiu centenas de palestras, montou livraria-editora, assinou coluna em jornais e, hoje, aos 68  anos, é membro do Conselho Estadual de Cultura. Formado em Direito, optou por lecionar português e nunca advogou. Sertanejo de Caracol, interior de São Raimundo Nonato, poeta de Cordel, romancista, promotor cultural, Cineas fez nome na vida cultural do Piauí. Ainda há pouco, lançou seu mais recente livro “Teresina para Amadores”, em que fala de sua amada Chapada do Corisco, nome antigo de Teresina.
Quando estive uma semana em sua casa, nos idos de 77, Cineas começava sua carreira. Vivia assoberbado com tantas aulas e se dedicava ao Chapada do Corisco, nanico que mereceu tese de mestrado como um dos melhores jornais alternativos já editados no Nordeste. Cineas, então, apoiou substancialmente minha viagem a Parnaíba, Luís Correia e ao Coqueiro (bela praia e colônia de pescadores). Apresentou-me a Fontes Ibiapina, escritor, então Juiz de Direito de Parnaíba, e ao saudoso jornalista Montgomery Holanda, que comprou uma reportagem minha sobre a Praia do Coqueiro e sua Colônia de Pesca.
 Fui de trem, Maria Fumaça, de Teresina a Parnaíba. Saí bem cedo e cheguei por volta das 15 horas. Logo depois essa linha seria desativada em homenagem à burrice nacional e ao rodoviarismo eufórico que contaminou todo o Brasil. Milhares de quilômetros de via férrea foram desativados, hoje correm atrás do prejuízo.
Num de seus livros, “Cacos de Mim”, uma obra-prima da  memorialística piauiense, Cineas Santos conta sua vida de criança nos cafundós do sertão do Caracol, onde a família criava cinco vacas, meia dúzia de jegues, trinta cabeças de  miunças (caprinos e ovinos), galinhas, porcos e viviam uma vida de remediados. Não lhes faltava o dicomê. Sua mãe, dona Purcina, mulher de fibra, sentiu que no Caracol, a uns 60 km de São Raimundo Nonato, seus filhos não teriam como estudar. Mudou-se para a cidade. Aos dezessete anos, Cineas deixa os pais, Purcina e Liberato, e vai de caminhão para Teresina. Cursou o Lyceu Piauiense e ingressou na Faculdade de Direito da UFPI.
Em “Cacos de Mim”, Cineas mostra o sertão do Campo Formoso, no Caracol da sua infância. 
Conheci o Caracol em 84, quando fui até lá numa Kombi da Prefeitura de São Raimundo Nonato carregada com mantimentos para flagelados da terrível seca de 83/84. Por algum motivo não fui visitar os pais do Cineas. Guardo em meu arquivo uma foto na beira de um açude, no Caracol, com várias pessoas da comunidade. A fome que grassava na região muito me impactou.
Em 77, Cineas apresentou-me ao cartunista e pintor Albert Piauí, que se dispôs a andar comigo por Teresina. Quase quarenta anos depois, em Buenos Aires, no casamento de minha filha Lígia, fui apresentado a Thiago, um piauiense, e para meu  espanto, filho de Albert Piauí. Thiago é casado com a bela Ju, estilista, de mãe brasileira e pai norte-americano. Contei a Thiago que conhecia seu pai. Falamos muito sobre Cineas Santos e  Albert Piauí. Como o mundo é pequeno! 
Desde 77, nunca mais me desliguei culturalmente do Piauí. Já há alguns anos sou amigo-cultural do ex-senador e ex-governador do Piauí, Hugo Napoleão. Sempre trocamos cartas. Antes de terminar, recomendo “Cacos de Mim” aos meus leitores. Trata-se de leitura cheia de nordestinidade, belo texto de quem nasceu  e cresceu no sertão do Piauí, a 500 km da capital. Sabe contar estórias caatingueiras por tê-las vivido e é coadjuvado pelo seu talento literário. 
 Como Zé Lins do Rego, muito vivenciou os bangüês e bagaceiras de sua terra, Cineas bebeu muita água com gosto de terra dos barreiros de São Raimundo Nonato. Sua literatura é pura vivência sertaneja, muito  lombo de jegue  pelas veredas do Caracol, muita carne de sol  e caçadas  de passarinho.
Aviso aos meus três leitores: Não  tenho compromisso dogmático com nenhum tema. Posso escrever sobre o passado, o presente e a suposta vida eterna em que não acredito de o dó. Aos radicais sectários peço que leiam outras colunas.

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Cineas Santos, escritor, cordelista e professor piauiense.

 

 

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