Waldemar de Pinho
Já citei aqui, amiudadas vezes, meu saudoso amigo e mestre Waldemar de Pinho Sozinho, que, durante uns três anos, duas vezes por semana, dava-me aulas de francês, em casa. A essa altura, o irmão Waldemar tinha uns 70 anos, já que nasceu exatamente no começo do século. Aos 20 anos, deixou Belém do Pará num Ita da Costeira e veio fazer o exército no Rio de Janeiro. Seu pai fora caixa do Bank of London, em Belém, a vida inteira. Era da família Lobato, mas mudou o sobrenome para Sozinho para evitar perseguição. Waldemar arranjou emprego numa representação de um laboratório de franceses e lá ficou até 1942, quando, por motivo financeiro causado pela 2ª Guerra Mundial, o laboratório faliu.
Já com 42 anos, Waldemar buscou abrigo no Seminário de Mariana, onde cursou Filosofia e Teologia. Fez esses cursos como lhe foi possível, um aluno já maduro no meio da maioria com menos de trinta anos.
No final do curso de Teologia, Waldemar foi sabatinado pelo célebre Dom Cintra, visitador dos seminaristas, que, ao saber que Waldemar havia sido maçom, jurou que, se dependesse dele, jamais seria padre. Esse estigma o perseguiu pela vida afora. Quando já idoso, irmão Oblato, minha mamãe pediu-lhe para dar-me aulas de francês, que pagava com duas carteiras de cigarro. Era fumante inveterado, o que o levou aos 76 anos. Testemunhei o colapso que o vitimou, como já contei em meu livro “Os Dez Brasis”.
Minha filha Lígia, em 2009, fez o desenho do irmão Waldemar acamado e eu sentado numa poltrona em sua modesta cela no convento.
O nome do irmão Waldemar vem-me à memória no momento em que leio a edição francesa de “Quase-Mémoire” – Quase Romance – de Carlos H. Cony, em que trata de seu pai. Sem as aulas do professor Waldemar, não saberia o suficiente para ler em francês nem teria lido as centenas de livros que li nessa língua desde 1972, quando comecei ler com certa facilidade.
O professor Waldemar me dava muita tarefa, verbos para decorar, exercícios para fazer. Valia-me da biblioteca do tio Januca, do doutor Bandeira (nosso vizinho); depois, passei a comprar livros em sebos. Não me preocupava com a conservação, sim com a leitura. O irmão Waldemar tinha gosto em dar aulas… e como lhe rendia duas carteiras de cigarros da Continental, nunca faltava. Sempre passava do tempo. Trazia sempre a Gramática do Halboit, usada pelo Colégio de Pedro II, no Rio de Janeiro. Trabalhava sempre com texto, tirando dali o que iríamos estudar. A cada aula sentia o avanço do vocabulário, palavras semelhantes ele pulava. Dizia sempre: “Vamos estudar o que é diferente, as expressões, o participativo que não tem em português, a conjugação verbal com suas muitas exceções”.
Durante alguns anos, sintonizei a BBC, ondas curtas, no meu radião valvulado, a que tanto devo. A BBC em francês ou a rádio Canadá. Hoje, vejo a TV 5 (TvCinque). Já cheguei a assinar o L’Express e o jornal católico “La Croix”, presente do amigo dom Gérard Verdier, bispo emérito de Guajará-Mirim.
Nada disso teria acontecido sem as aulas do professor Waldemar, cuja memória cultuo. Quando faleceu meu saudoso amigo Sérgio Correa da Costa, embaixador e acadêmico, ganhei dezenas de dicionários em francês e, pelo menos, 400 livros em francês. Posso dizer que sou um cultor da língua francesa.