Quarentena
Em uma tarde comum da quarentena, comecei a revisitar músicas antigas. Alanis Morissette havia relançado seu primeiro álbum comemorando 25 anos. Foi ali que comecei. Na sequência, as canções do seu acústico de 1999 começaram a tocar e, sem preparo algum, deparo-me com “No Pressure Over Cappuccino”. Paralisei.
Uma música doce e macia, porém, altamente melancólica. Uma letra tão densa quanto a espera do resultado de um exame importante. Fala sobre enfrentar o mundo quando ele não te compreende por inteiro. Ao pesquisar, descobri que a letra era dedicada a seu irmão gêmeo que é homossexual.
Acontece que uma frase dessa composição grudou na minha cabeça: “Nós somos acordos temporários”. Sim, nós somos. E o tempo todo. Meu pai acabou de iniciar um procedimento invasivo e, ao se despedir, informou-me o que prefere caso as coisas não deem certo (Deu certo). Acordo temporário.
A letra me fez pensar sobre acordos que já tive. Pensei sobre amizades e amores que vieram e se dissolveram com o tempo. Sobre familiares que se distanciaram e aqueles que infelizmente vieram a falecer. Lembrei de pacientes que terminaram seu tratamento comigo e seguiram suas vidas, bem como ex-colegas de trabalho que não converso mais.
É irônico absorver que, independentemente de existir um esforço enorme para que o acordo não tenha prazo de validade, a finitude da vida irá, em algum momento, encerrá-lo. Essa percepção não pode ser pessimista. Ela exige urgência de amor. Ela precisa agir como um motor que nos leva a espremer e amar até ficar somente o bagaço. Caso contrário, sobrará em nossa frente somente um eterno capuccino sem espuma.