Jogos sem atração, com poucos gols e muita marcação. Esta tem sido a tônica do maior campeonato nacional.

“É duro comentar estaduais depois de ver um jogo da Champions League”. A opinião é do goleiro Zetti, tetracampeão mundial com a seleção brasileira e com passagens por Palmeiras e São Paulo. A decepção pôde ser notada até mesmo pela maior financiadora do futebol brasileiro: a Rede Globo. Notícia de 2014 revela que a emissora convocou à época seus dirigentes para tentar buscar soluções para atrair seu público. Somente em 2013, a Globo distribuiu cerca de R$ 1 bilhão para os clubes brasileiros, verba essa dos broadcastings (direitos de transmissão) dos jogos.
Mas o nível técnico do futebol pentacampeão mundial está em baixa se comparado com o europeu? Em meio aos escândalos da Fifa que aumentam a temperatura nas rodas de conversa, o JdeB ouviu profissionais de imprensa e demais aficionados por futebol.
O jornalista e narrador da Rádio Onda Sul FM, Luiz Carlos Bággio tem acompanhado vários jogos de futebol. Bággio discorda que aqui esse esporte está em decadência. “Não concordo que o nível do futebol europeu seja muito melhor do que o nosso. Tirando a Liga dos Campeões em sua fase decisiva, onde está a nata do futebol mundial, nos campeonatos nacionais a situação é um tanto parecida com a do Brasil. A principal diferença é a velocidade e o futebol coletivo, mais aprimorado. Erram menos passes, por exemplo. Mas, por aqui, a qualidade individual compensa essa diferença”, salienta. “Um time que faz um grande jogo na quarta-feira por vezes joga mal no domingo. Creio que ainda estamos vivendo uma espécie de ressaca devido ao fracasso na Copa do Mundo. O 7×1 contra a Alemanha ainda está no ar, parece que paira como uma sombra sobre o futebol brasileiro”, completa.
Há quem diga que o futebol está perdendo o encanto, visto que os motivos não faltam. Para Bággio, é preciso refletir. Ele não entende porque um técnico tem que receber salários superiores a R$ 500 mil por mês, ou atletas ganharem R$ 1 milhão mensais, enquanto os clubes estão falindo. “É preciso investir mais na base, na formação de atletas e aplicar uma mentalidade mais profissional. A Alemanha é um exemplo. Entendo que o jogador deve ser um atleta em tempo integral e não uma estrela de TV, como alguns pensam que são.”
Desmanche das equipese falta de planejamento
O advogado Eliel Almeida assiste aos campeonatos espanhol e alemão, entre outros, e ainda vai a campo quase todos os sábados para bater uma bolinha. Para Eliel, um dos “culpados” para o atual momento vivido pelo futebol brasileiro se deve ao desmanche que os clubes promovem a cada fim de campeonato. “O exemplo clássico é o Cruzeiro, bicampeão brasileiro, mas se desfez dos principais jogadores e ainda mandou o técnico embora nesta temporada, em razão dos maus resultados, os quais são naturais devido à reestruturação do elenco. Esta inconstância compromete o nível técnico.”
Eliel afirma que ainda falta planejamento nos clubes brasileiros, além do que, se comparado ao futebol do Velho Continente, os atletas lá brigam palmo a palmo por posições. “Poderíamos nos destacar no coletivo, na parte tática e física. Mas isso esbarra no planejamento dos clubes, que sempre mudam seus elencos, pois quando um jogador se destaca, logo é negociado. Esses atletas fazem a diferença nos estádios, interferindo positivamente na qualidade do espetáculo.”
Ainda há esperança
Eliel acredita que esses fatores negativos não influenciam na essência do esporte. “O futebol profissional não está perdendo o encanto. Ocorre que hoje em dia nós todos temos acesso a outros meios de acompanhar o futebol, não só o nacional, mas também as principais ligas do mundo, observando os melhores jogadores, o que torna natural a menor procura pelo futebol de menor qualidade jogado no Brasil. Mas os clubes ainda despertam paixões, todos gostam de estar por dentro do que está acontecendo, de cornetar os amigos que torcem pra outros clubes, de tentar acompanhar os jogos no estádio sempre que possível. Aliás, hoje os estádios, infelizmente, nem possuem mais a geral. Bendito ou maldito padrão Fifa.”
“Nosso futebol caiu muito nos últimos anos”, diz narrador Itamar José
Para o narrador da Rádio Anawin, Itamar José, um dos motivos para o futebol brasileiro estar do jeito que está é causado pela perda prematura de jovens jogadores com 13, 14, 15 anos de idade para o exterior. “O Brasil tem que criar uma lei impedindo que nossos futuros craques saiam tão cedo”, sugere. Outro ponto destacado pelo radialista é a baixa qualidade dos campeonatos regionais. “Os jogos são horríveis, tanto da primeira divisão quanto na segunda e terceira. Na Europa percebemos a organização, dá gosto de assistir aos jogos. No Brasileirão e na Libertadores, por exemplo, não há motivação para assistir”, analisa. “Pra mim já fomos o país do futebol, e hoje a Espanha está na frente de todos.”
Itamar diz que o futebol brasileiro precisa deixar de ser mecânico, onde o futebol arte, a criatividade em campo foi deixada no passado. “É preciso parar de jogar por uma bola ou duas no gol. Nosso futebol precisa voltar a ser ofensivo. Olha a seleção brasileira, ninguém mais tem medo”, esbraveja.
Críticas até aos narradores
Para o professor e cônsul da Chapecoense Jerry Pilati, o nível técnico dos jogos deixa muito a desejar. Segundo ele, em muitos casos chega a ser uma piada. O descontentamento chega até aos responsáveis por transmitir a emoção dos jogos. “A transmissão pela TV está carente de bons narradores, as frequentes mudanças de treinadores, jogadores, o sobe e desce de uma temporada para outra mostra que o crescente desinteresse dos torcedores pelo futebol em pouco tempo poderá abalar ainda mais o esporte no País. Na Europa, o futebol é coisa séria, equipes bem montadas, com calendário definido, podendo os torcedores ajustar sua agenda o ano todo, isso garante um ótimo público”, analisa Jerry.
E a “máfia de terno” é lembrada pelo professor. Para Jerry, o futebol profissional está perdendo seu encanto graças às falcatruas dos dirigentes do futebol. “Os cartolas estão fazendo muita besteira, ajustando resultados. Não bastasse isso os jogadores se acham os ‘Zicos” antes de provarem que são realmente bons. A TV então, mudando tudo nos torneios sem prévio planejamento. Isso faz o futebol perder sua emoção.” Ele cita como bom exemplo a Chapecoense que planeja o futebol de forma séria e firme. “Me parece que o clube vai na contramão disso tudo, bem organizado, dentro de sua programação, crescendo a cada ano”, acredita Jerry.
A surpresa do campeonato
O Atlético-PR, líder do Brasileirão até o fechamento desta edição com 15 pontos, surpreendeu o empresário Júnior Damazzini. Ele acompanha os jogos e diz que o nível técnico no geral é muito ruim. “No Brasil nem todos os jogadores jogam com inspiração, um ou outro jogador que se destaca. Olha esse início de Brasileirão, quem imaginaria o Atlético Paranaense liderando a competição, um time que quase foi rebaixado no campeonato estadual”, analisa Júnior.
Sobre as diferenças entre o futebol europeu e o brasileiro, Júnior é enfático. “Acompanho os melhores campeonatos do mundo. Quando acompanho um jogo da Champions e depois eu comparo a um jogo do Brasileirão, chego a desconfiar que praticamos esportes diferentes. Aqui no Brasil pratica-se um futebol de chutão, salvo raras exceções. Não que todos os times europeus joguem como o Barcelona, mas o esquema de jogo é muito diferente, os jogadores se preocupam com o posicionamento, e isso se mostra na hegemonia de alguns times em seus países. E tem mais. O futebol daqui perde o encanto quando começamos a perceber que o dinheiro interfere em tudo, aí só se vê bagunça desde os times pequenos aos gigantes do futebol.”