14.4 C
Francisco Beltrão
quarta-feira, 25 de junho de 2025

Edição 8.232

25/06/2025

Ensino Integral cresce na educação infantil

O país investe no atendimento de alunos durante o dia inteiro, mas ainda caminhamos a passos lentos.

 

Estudantes do ensino fundamental em aula de informática. A Amsop defende o ensino integral para os alunos de primeiro ano ao quinto ano.

Crianças são cheias de sonhos. A pequena mente em formação dos nossos primeiros anos é criativa, aberta e vive criando futuros espetaculares, de conquistas e felicidades, dignos de fazer os olhos brilharem.

E pelos corredores da Escola Municipal Madre Boaventura, no Bairro São Miguel, em Francisco Beltrão, durante a hora do recreio, é possível pegar no sorriso das crianças um vislumbre das inúmeras possibilidades desses futuros incríveis e sonhos realizados. 
Sonhos como o do Sérgio Perin, de sete anos, que quer ser policial para fazer o bem na comunidade onde mora, ou como o do Maurício Soares da Silva, que pretende crescer e virar agrônomo, “meu pai disse que dá dinheiro e eu ia me dar bem nessa profissão, porque eu gosto muito de plantas e de terra!”.
Sonhos também como o do Vinícius da Silva Anhaia, que quer mesmo é ser lutador de boxe, “aí quando eu ver as pessoas brigando na rua eu vou poder defender quem precisa”. Ou ainda, como o do Vinícius de Moraes Britto, que apesar do nome de poeta, sonha em ser jogador profissional de futebol e jogar na seleção brasileira.
No entanto, não existe nada mais nocivo para os sonhos do que uma realidade adversa – principalmente para crianças na chamada “situação de risco”. Crianças que, por vezes, não conhecem os pais, que não possuem uma situação financeira tranquila, ou mesmo uma criação adequada, e que sofrem no lado pobre da sociedade. “É aquela questão da vulnerabilidade. Os alunos estão em risco quando estão na rua, porque o aluno está mais suscetível a vender produtos, a vender picolé, a servir de “laranja” para algumas pessoas, a questão de abusos e exploração sexual também é grande”, comenta Valdenice Setti, responsável pelo ensino integral na Secretaria Municipal de Educação de Francisco Beltrão.
Em ambientes como esse, diminui a possibilidade de crianças alcançarem seus sonhos, ou mesmo conseguirem uma vida digna. São casos em que a escola começa a se tornar um refúgio, “um mundo diferente, um mundo novo que a gente dá para as crianças”, como diz o professor Eduardo Rafael Schraenel, da Escola Madre Boaventura.

- Publicidade -

Para segurar a criança na escola

Para tentar alimentar o sonho, melhorar a formação e criar um mundo melhor a partir da escola, começou-se a discutir a implantação do ensino integral no País. Uma maneira de segurar as crianças na escola o dia todo.
Essa discussão existe há anos e ganhou um destaque maior recentemente. Primeiro, em âmbito regional, o assunto veio à tona com a Carta do Sudoeste, um documento composto pela Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná (Amsop) e que faz pedidos de melhorias para a região em diversos setores que foi entregue aos candidatos a governo do Paraná em 2014. No caso da Educação, o documento pede “recursos governamentais para implantação de Escola em Tempo Integral”.
O secretário executivo da Amsop, José Kresteniuk, conta que o pedido já começou a ser atendido. “Com a lei que definiu que 75% dos royalties do petróleo do pré-­sal sejam destinados à educação, essa parte da carta vai ser contemplada.”
O passo seguinte para reforçar o ensino integral veio com os planos nacional, estaduais e municipais da educação, organizados na primeira metade desse ano, que estabelecem metas e estratégias para investir na educação pelos próximos 10 anos. 
Os planos exigem que em 10 anos os municípios possam: “Oferecer Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da Educação Básica”.
Kresteniuk também foi avaliador técnico dos Planos Municipais da Educação (PMEs) da região do Núcleo Regional da Educação de Beltrão, ajudou na implantação dos planos em todo o Sudoeste e comenta: “Mesmo que essa meta seja para os próximos 10 anos, é urgente que os municípios comecem a investir gradativamente nesse sentido, para ser possível cumprir a meta lá no final”.

 Francisco Beltrão investe na educação integral
Muitos municípios já começaram a trabalhar na área mesmo antes dos PMEs. Em Beltrão, por exemplo, 8 das 21 escolas do município possuem algum tipo de projeto de educação integral.
O município começou com educação em tempo integral nas escolas Francisco Manoel da Silva, Higino Pires Neto, Madre Boaventura, Nossa Senhora do Sagrado Coração e Recanto Feliz, em um sistema que atende uma porcentagem dos alunos em atividades no contraturno.
A proposta ganhou reforço em 2014, quando as escolas começaram a implantar o programa federal Mais Educação, que encaminha recursos especiais para oficinas complementares.
Desse modo, as escolas que já possuíam ensino integral – com exceção da Francisco Manoel da Silva – implantaram o projeto. Além disso, as escolas Basílio Tiecher, Bom Pastor e Professora Maria Basso Delani adotaram o programa e iniciaram oficinas complementares em contraturno.
Com essas oito, Beltrão já dá ensino integral para 1.078 dos 6.561 alunos da rede municipal, o que significa cerca de 38% das escolas e 16% dos estudantes na educação integral. Valdenice Setti reforça ainda que outras escolas já estão procurando o programa.

O projeto na Escola Madre Boaventura
Sérgio, Maurício e os dois Vinícius, que contaram o que queriam ser quando crescessem, fazem parte dos 165 alunos de educação em tempo integral da Escola Madre Boaventura. Os quatro participam de oficinas de karatê, bordado, informática, reforço escolar, dança e outras atividades complementares. 
E só de andar pelos corredores do colégio ou visitar algumas salas fica evidente: Os quatro, junto com os outros 161, adoram a proposta. É uma alegria sem tamanho, alunos correndo de uma oficina para outra e demonstrando um prazer fascinante pelo ensino. Quando perguntados o que eles mais gostam de fazer, Sérgio, Maurício e os dois Vinícius foram unânimes ao afirmar que gostam demais de estudar.
E esse prazer todo não é só dos alunos. Paula Adriana Bonatti, monitora das oficinas de artesanato, deixa claro que os professores dividem isso. “Eu não gosto, eu adoro trabalhar com isso! Adoro ver esse trabalho das crianças, ver a arte saindo das mãozinhas deles. Então não é gostar, é amar o que eu faço”.
Ela ainda diz que todo esse reforço no estudo é como “uma semente que a gente planta para colher no futuro. Essas crianças podem vir a ser os professores dos meus filhos”.
Segundo Valdenice, da Secretaria de Educação, esses alunos – tanto na Madre Boaventura como nas outras escolas – são selecionados para fazer parte das oficinas de educação integral porque são crianças em situação de risco. “Hoje o critério de seleção em Francisco Beltrão acaba sendo os alunos dos programas sociais e os vulneráveis socialmente”, relata.
Desse modo, o professor Eduardo, que dá educação ambiental nas classes regulares e informática no integral, conta que percebe “uma carência muito grande nessas crianças”, mas acrescenta que elas não são crianças problemáticas. Que se tratadas com carinho, elas correspondem, se comportam e levam para a escola a vivência de casa.
Consoladora Moreira da Silva, a coordenadora da educação integral na escola, completa: “A criança chega com aquela agressividade, mas depois que entra na escola, parece que muda, porque o que a gente pode fazer por eles a gente faz”.
No fim, com um reforço na educação e a retirada da criança da rua, os projetos de educação integral abrem muitas portas para seus alunos. E tornam os sonhos um pouco mais possíveis.

Alunos da Escola Madre Boaventura em oficina de karate, uma das favoritas das crianças.

Ensino integral de verdade

Apesar de atender uma porcentagem de crianças em tempo integral ser uma iniciativa louvável, ela ainda não é suficiente, porque não atende todo mundo. “A educação é um direito de todos, mas nós não conseguimos hoje atender todos os alunos em tempo integral como a gente gostaria”, comenta Valdenice Setti, da Secretaria de Educação.
Nesse sentido, ela afirma que o ideal seria uma escola que atendesse todos os alunos matriculados, sem distinção. E o professor de Pedagogia da Unioeste, Clésio A. Antonio, concorda. E acrescenta: “A gente precisa de uma escola que consiga trabalhar com outras formações, ampliar o conhecimento, formar um ser humano pleno, mas isso se insere no debate de tempo, de alargar o tempo da escola para que outras atividades formativas sejam trabalhadas”.
Para ele, é essencial que a criança passe o dia na escola, para aprofundar o conhecimento e evitar “uma formação nas escolas que seja para poucas habilidades, só para o ofício no trabalho. Não, a escola precisa formar integralmente”.
No entanto, essa proposta esbarra em uma dificuldade estrutural. Nossas escolas não foram programadas para um turno único, do dia todo, e “no Brasil tem sempre elementos limitadores, principalmente de recursos.”
E o professor vai ainda mais longe. Para ele, o sistema educacional brasileiro insiste em um erro grande: Dividir o ensino do currículo e as oficinas complementares como se fossem coisas diferentes, em uma espécie de dicotomia que separa ensino em um turno, atividades em outro e dá menos importância para essas últimas.
Para o professor, as atividades tem que ser tratadas com a mesma importância para garantir “a formação plena do ser humano”.
“Seria repensar a escola! Reconfigurar elementos curriculares e elementos de arquitetura para ter estrutura para atender um turno único, aí tem uma infinidade de possibilidades. Uma dinâmica que poderia ser muito mais ampla”, completa.
Valdenice acrescenta que Beltrão já está estudando a possibilidade de instalar uma escola nesses moldes, para potencializar o estudo integral no município e abrir as portas para um crescimento na formação dos alunos,”em uma escola que vai atender todos os alunos matriculados”.

 

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques