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Francisco Beltrão
sábado, 14 de junho de 2025

Edição 8.226

14/06/2025

O trabalho fundamental do agente comunitário em saúde

Responsáveis por coletar informações preciosas ao SUS, os agentes encaram as ruas todos os dias sob qualquer condição de tempo e ainda conseguem criar bons laços com as pessoas que visitam.

 

 A agente comunitária Rose Bloss coleta informações com dona Thereza e Izolde. A relação já rende um chazinho e água a cada visita. É um trabalho “sofrido e divertido”. 

“A dona Anna tem uns 80 anos, está tratando um problema de pulmão, tem hipertensão e diabetes, mas é bem tranquila, participava do grupo de idosos, é muito forte e lúcida. Ela mora com o filho, dois netos e a nora, que tem uns probleminhas de bexiga.” 

Não é com muito esforço que Dayane Priebe puxa a “ficha” da família Dalmoura pela memória. É o resultado de uma rotina, já que visita o local quase que religiosamente todo mês. “Ela vem faz tempo aqui em casa. Faz uns três anos que ela vem todo mês; às vezes falha, mas depois vem de novo”, comenta a senhora de 85 anos, moradora do Bairro Jardim Seminário, em Francisco Beltrão.
Faça chuva ou sol, no verão ou inverno, nas ruas com asfalto e calçada ou nas estradas de cascalho e chão batido, Dayane percorre, diariamente, inúmeras casas. Não deixa correspondências ou mensura o consumo d’água ou energia; tampouco está lá para vender algo ou bisbilhotar a vida alheia. “Algumas pessoas falam que só queremos fofocar, mas a gente nem liga”, despreza. Ela é agente comunitária de saúde, função concebida há 25 anos pelo Ministério da Saúde para criar um elo entre comunidade e sistema de saúde.
“O único problema é o sol, né, mas eu gosto, é divertido e você conhece gente nova, diferentes personalidades. É bom quando você chega na casa e a pessoa já tá esperando, te recebem bem. Claro que tem uns que são grosseiros, dizem que o nosso trabalho não serve para nada, mas é minoria”, conta ela, que está há sete anos na profissão. 
Implantado em 1991 como parte da construção do Sistema Único de Saúde (SUS) – após a concepção constitucional deste em 1988 -, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs) é uma importante estratégia de saúde pública, pois tem como objetivo primordial a coleta de dados in loco sobre aspectos sociais, econômicos e culturais, além de cadastrar todas as famílias, independentemente da classe social, identificar e registrar todas as gestantes e crianças de 0 a 6 anos de idade, entre várias outras funções. Contudo, não é atribuição do agente, por exemplo, medicar ou prestar assistência de enfermagem aos moradores.
“Na concepção inicial, o agente comunitário era para ser um líder da sua área, conhecedor dos problemas da população e, junto a ela, promotor de melhorias quanto à qualidade de vida do local. Tinha que ser a referência pra população durante as 24 horas, se a pessoa precisasse de uma orientação. Hoje dá pra dizer que o agente comunitário é a referência no horário de trabalho, fora isso, ainda no interior tem esse vínculo mais forte”, frisa Manoel Brezolin, enfermeiro e coordenador do Programa de Agentes Comunitários de Saúde de Francisco Beltrão.

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Manoel Brezolin, coordenador do Pacs em Beltrão.

 

Alta rotatividade
Uma das maiores razões para esta perda de referência é a alta rotatividade no trabalho. Todo mês, em média, dois agentes comunitários precisam ser substituídos, segundo Manoel. E, nesse aspecto, dois fatores são preponderantes. O primeiro deles diz respeito ao salário, cujo teto nacional – praticado em Beltrão – é de R$ 1.014,00 para uma jornada de 40 horas semanais.
“O agente comunitário de saúde é contratado por concurso, tem a estabilidade do emprego público, mas é regido pela CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas]. Se analisarmos quem passa em concurso público, veremos que são pessoas que estão estudando, então elas vão terminando seus cursos e, como o Pacs não tem plano de cargos e salários, elas vão assumindo outros postos para os quais estudaram”, analisa o coordenador.
Além das peculiaridades do concurso, que é feito por área (a fim de alocar o agente próximo a sua vizinhança), há o fator do trabalho em si. “Tem que andar bastante, no sol e chuva, frio e calor, e é um trabalho direto com a população. Há agentes com um perfil excelente, que adoram isso, mas tem quem não se adapte para isso, de ser bem recebido ou não recebido pelas pessoas na sua casa”, acrescenta Manoel.
O rodízio na função atrapalha também a capacitação desses profissionais, fator importante para manter a qualidade da informação colhida em domicílio. Quem assume o concurso deve passar por um treinamento de cerca de oito meses de duração, aliand aulas práticas e teóricas. 
Quando há continuidade no trabalho, entretanto, o esforço do agente comunitário de saúde costuma ser valorizado por quem é atendido diretamente. “Eu queria que, quando ela viesse aqui, ficasse mais tempo, mas ela não fica porque eu sei que o serviço dela é grande. Se pudesse ficar mais, pra mim seria ótimo, eu fico quase sempre sozinha”, diz dona Anna sobre Dayane.

Programa de Agentes Comunitários de Saúde

Total de agentes em FB: 165
Área urbana: 126 agentes
Área rural: 39 agentes
162 agentes do sexo feminino
3 agentes do sexo masculino (todos no interior)
Cobertura atual: 75% – Meta: 100%
Total de famílias cadastradas: 19.834
Total de pessoas cadastradas: 63.466
Número de visitas domiciliares: 42.470
Total de agentes – Paraná: 12.782
Total de agentes – Brasil: 270.174

“Não usamos o SUS”

Excluindo-se a minoria grosseira e as condições de trabalho por vezes insalubres, ainda se consegue estabelecer relações de confiança nas premissas em que o programa foi criado. É o caso de dona Anna Catharina Dalmoura com Dayane Priebe (leia na reportagem) e também de dona Thereza Brugnera, 92, e sua nora Izolde, 50, com Rose Bloss, agente comunitária no Bairro Vila Nova há três anos.
“Somos só nós duas em casa durante o dia, então o que a gente precisa elas ajudam”, comenta Izolde. “A Rose me conhece há muito tempo. Ela aparece aqui uma vez por mês, se não é mais. A gente conversa, toma um chazinho… Ela já me ajudou bastante, sempre que eu preciso de alguma coisa”, completa dona Thereza, que é hipertensa.
Para Rose, o trabalho do ACS é “sofrido e divertido ao mesmo tempo”. “Eu gosto muito do que eu faço. A gente enfrenta muitos obstáculos, tem uns que não querem receber a gente porque têm plano de saúde, que não depende do SUS, acham que nunca vão precisar do SUS, e não é bem assim, eles precisam todos os dias e nem percebem. Cada casa é um caso, com problemas diferentes, mas é bem bom”, analisa.
Devido a uma mudança no sistema de informações do Ministério da Saúde, os agentes comunitários de saúde estão recadastrando as famílias, mas a negação a prestar a informação e o horário de trabalho dos agentes vêm dificultando esse trabalho.
“Algumas pessoas têm uma desconfiança que não se justifica, outras acham que o ACS serve apenas para acompanhar doentes ou pobres. Com os dados obtidos desse trabalho é possível ter informações fiéis do último mês, e isso é importante para o planejamento das políticas de saúde e até mesmo econômica, pois são informações de acesso público. Precisamos que a população receba bem o agente comunitário e que fique tranquila, pois, uma vez inserido no sistema, os dados não levam nome ou identificação de ninguém”, esclarece Manoel Brezolin, coordenador do Programa de Agentes Comunitários de Saúde de Francisco Beltrão.

Rose Bloss e Dayane Priebe, agentes comunitárias de saúde: “Trabalho sofrido e divertido ao mesmo tempo”.

 

 

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