Através da agroecologia, Capa mostra aos agricultores os caminhos para a produção de alimentos saudáveis e nutritivos de forma responsável e sustentável.

Eloísa e Aline no dia a dia dos cuidados com as hortas de produtos orgânicos.
Uma alimentação saudável e equilibrada, longe de agrotóxicos e produtos industrializados, para toda família comer sem medo. Era esse o desejo da agricultora Rosineli Meireles da Silva quando deixou a cidade para voltar a desfrutar dos benefícios que só o campo pode proporcionar. A experiência de quase dez anos vivendo e trabalhando na cidade, em Francisco Beltrão, foram suficientes para que Rosi e o marido Valcir Fragata dos Santos pudessem avaliar as vantagens e os desafios e, por fim, decidirem pela viva rural no interior de Verê.
Os comentários de pais e vizinhos sobre as dificuldades da vida no campo – realidades passadas, de uma agricultura sem tecnologia, mal remunerada e com poucos recursos – e que afugentaram muita gente do interior também foram analisados por Rosi e Valcir. “Cresci ouvindo que agricultor sofre muito, que o melhor era tentar a vida na cidade. Pra nós era muito mais vantagem voltar para o campo, não para trabalhar como meus pais trabalharam, mas buscar caminhos alternativos. Eu quero dar estudo para minhas filhas para que elas procurem um emprego, escolham uma profissão, mas que possam escolher se querem isso ou se querem trabalhar no campo, como eu estou fazendo”, relata Rosi.
Quando menciona “caminhos alternativos”, Rosi se refere à fuga da agricultura convencional baseada em cargas generosas de fertilizantes químicos e agrotóxicos. A ideia de produzir alimentos saudáveis para a família logo se traduziu no conceito da produção orgânica. Diante deste conceito, a família encontrou o apoio que necessitava a poucos quilômetros de casa, com a equipe do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa), em Verê. “Além de produzir pra gente, percebemos que poderíamos produzir para vender e compartilhar com outras pessoas que também querem alimentos assim. Sei que o alimento que eu estou vendendo é o mesmo que coloco na mesa da minha família, e isso é muito satisfatório”, conta a agricultora.

uma ampla diversidade, a propriedade do casal é referência na região.
Uma iniciativa da igreja, provocada pelos agricultores
Com quase 40 anos de atuação no Sul do Brasil, o Capa ganhou força, representatividade e respeito quando o assunto é agroecologia. A iniciativa nasceu na década de 70, organizada pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB), mas provocada pelos próprios agricultores que naquela época representavam o maior público da igreja. Nasce então o Centro de Aconselhamento ao Pequeno Produtor, que depois passou a se chamar Centro de Apoio ao Pequeno Produtor e, em 2015, alterou o nome para Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia, para contemplar toda sua essência de trabalho.
No Sudoeste paranaense, um núcleo foi instalado em Verê em 1997, com o propósito de atuar em prol da agricultura familiar e camponesa de base ecológica. Jhony Alex Luchmann, tecnólogo em Horticultura e mestre em Agronomia, coordena a instituição há cerca de um ano e detalha o cenário que motivou a criação do Capa. “Com a revolução verde e o êxodo (rural), o País se transformou de agrícola para urbano. E o Capa surgiu neste período de transição, de agricultores indo para cidade por não ter investimentos e tecnologias compatíveis, os bancos tomavam as terras, eram propriedades com pequenas áreas de terra. Então esses agricultores provocaram a igreja para que, além de um amparo espiritual e ouvir a palavra de Deus, pudesse orientá-los para conseguir renda, se viabilizar e se manter no campo com dignidade.”
Quando iniciou as atividades, o Capa não usava as expressões “orgânico” ou “agroecologia”, mas pautava sempre a produção sem o uso de produtos químicos. Defendia métodos de agricultura alternativa – como se dizia na época -, orientando os agricultores para a produção da própria semente e do aproveitamento do que a propriedade oferecia sem custos, ou sem precisar comprar de fora. Décadas seguintes, quando surge o termo agroecologia com maior expressão na América Latina, o Capa também passa a usar isso como bandeira para uma agricultura diferenciada, sendo importante ator na promoção da agroecologia no Sul do Brasil.

Por que Verê?
Atualmente, são cinco núcleos da instituição espalhados pelo Sul do Brasil – Erechim, Pelotas e Santa Cruz do Sul no Rio Grande do Sul e Marechal Cândido Rondon e Verê no Paraná. O Sudoeste possui várias paróquias da IECLB e a vinda do Capa para a região aconteceu por articulação dos pastores com lideranças políticas da região. “Foi na época do prefeito Loivo (Ritter), que demonstrou interesse na instalação do Núcleo. O atual prefeito, Adão dos Santos, na época era uma das lideranças no setor da Agricultura, e também trabalhou pela vinda da instituição. Verê é um município bem localizado geograficamente na região, em uma região predominantemente de agricultura familiar, com 58% da população vivendo no meio rural”, destaca Jhony.
Atualmente, são mais de 200 famílias atendidas pela equipe e a maior atuação é no próprio município de Verê, mas também são acompanhadas famílias de São Jorge D’Oeste, Itapejara D’Oeste, Coronel Vivida e Cruzeiro do Iguaçu. O Capa já atuou também em municípios como Ampere, São João e Pato Branco. “Nossa limitação são os recursos. Hoje recebemos 70% dos recursos vindos da Alemanha, do Projeto Pão para o Mundo (PPM), e o restante, dependemos de parceria com prefeituras, empresas ou instituições para viabilizar o trabalho, já que para o agricultor não tem custo algum”, explica o coordenador.
O núcleo veerense reúne cinco profissionais atualmente – a engenheira florestal Raquel Rossi, o técnico florestal Décio Cagnini, a contadora Elaine Zanetti Gesser, o tecnólogo em horticultura Fábio Garbossa e o coordenador e também tecnólogo em horticultura Jhony Luchmann. “Apesar de ser uma instituição ligada à Igreja Luterana, não temos distinção alguma neste sentido. O que importa são os valores morais, priorizando as pessoas menos favorecidas sendo que qualquer pessoa pode solicitar o apoio do Capa”, diz o coordenador.
Motivado pela profissão
O novo experimento realizado em parceria com o campus de Pato Branco da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) é motivo de orgulho para o técnico florestal Décio Cagnini. A propriedade rural de nove hectares na Vila Colonial, distante três quilômetros do Centro de Verê, participa agora de um projeto que estuda o plantio de morangos suspensos que irá produzir o fruto o ano todo. Tudo de forma orgânica, claro.
Décio entrou para o Capa há 15 anos e, nos últimos 14, adotou a agroecologia em sua propriedade. Antes disso, trabalhava como profissional na área de insumos químicos. “Sou pequeno produtor, e como o meu trabalho no Capa era voltado para a agroecologia, isso me motivou a cada vez aprender mais e trabalhar mais esta área. Aos poucos, você vai esquecendo o convencional, e tudo está relacionado com solo, meio ambiente. Com o tempo, é cada vez mais fácil trabalhar com orgânico. A motivação é ver que cada atividade, cada manejo correto que faz com o solo e o ambiente, a planta te dá o retorno”, comenta Décio.
A propriedade foi planejada para produzir frutas o ano todo e também reduzir a mão de obra. Apenas um funcionário dá conta de todo o trabalho, já que a família toda possui atividades externas à propriedade – Décio e a esposa Izolete trabalham fora o dia todo, enquanto os filhos se dedicam aos estudos – Eduardo Francisco, de 14 anos, está no Colégio Agrícola do Sudoeste, em Francisco Beltrão, e Letícia Milena, de 17, cursa Sistemas de Informação na Unisep, em Dois Vizinhos.
A diversidade de produtos da família Cagnini conta com alface, salsa, cebolinha, tomate, pepino, vagem, uva, pêra, maracujá, maçã, caqui, pêssego, ameixa e um amplo mix de citrus, que inclui limão Taiti e vergamota Montenegrina. São nove estufas plásticas e um alqueire de frutas orgânicas. Além de servir muito bem para o consumo de toda a família, toda a produção é comercializada para a Cooperativa Coopervereda, especializada em produtos orgânicos.
Satisfação e orgulho em saber a qualidade dos alimentos que põe à mesa da família são os sentimentos que motivam Décio a se dedicar cada vez mais ao sistema agroecológico que, segundo ele, tem ganhado cada vez mais adeptos. “Nos últimos anos, a mídia ajudou muito a divulgar a produção agroecológica. O Capa já estava à frente disso e hoje temos insumos, tecnologia, variedades adequadas, resistentes a pragas e doenças, hoje está bem tranquilo. Tem atraído muita gente, é um sistema novo, possível, prático, com custo de produção mais baixo e possibilidade de altas produções.”

preside a Coopervereda, cooperativa que reúne produtores orgânicos e
agroecológicos da região.
O papel do cooperativismo nesta parceria
Assim como as filhas Bruna, de 15 anos, Eloísa, de 13, e Aline, 10, que apesar da pouca idade já se interessam em acompanhar o trabalho dos pais nas hortas de produtos orgânicos, a agricultora Rosi caiu mesmo de cabeça no mundo da agroecologia. Além de voltar para o campo e se dedicar ao sistema, ela também assumiu – em janeiro deste ano – a presidência da Cooperativa dos Produtores Orgânicos e Agroecológicos do Sudoeste do Paraná (Coopervereda), com sede em Verê.
A Coopervereda assumiu o papel da antiga associação de produtores – Associação de Produtores Agroecológicos de Verê (Apave). Com o crescimento e o fortalecimento do setor – e por questões legais -, a associação precisou ser transformada em uma cooperativa. Atualmente, são aproximadamente 40 agricultores que fornecem seus produtos para a cooperativa que, além de distribuir os produtos para o mercado, ainda conta com uma cozinha industrial para produção de geléias e conservas orgânicas. “Migramos para uma cooperativa regional, que pode também abranger produtores de outros municípios. A presença da cooperativa contribuiu muito, foi fundamental para auxiliar os produtores na comercialização dos produtos, na destinação da produção. Fazemos a classificação, a embalagem e distribuímos para o mercado”, revela a presidente Rosi.
Neste processo, mais uma vez o Capa aparece na cena. Além de toda a orientação sobre o sistema produtivo, a equipe técnica da instituição auxilia os produtores no planejamento da produção e perspectiva de vendas para que o agricultor tenha produção para venda ao longo do ano, garantindo o abastecimento da cooperativa.
Jhony explica que o trabalho inicial é fazer um resgate com as famílias sobre comer bem. A partir desse momento, é avaliado se há espaço para ampliar a produção para comercialização. “Todo agricultor que se associa, que recebe nossa assessoria, a gente pede que passe por um cursinho básico de agroecologia e produção orgânica, e ele entende que ganhar dinheiro é apenas a consequência do trabalho dele. Não é simplesmente produzir orgânico porque é uma tendência de mercado. O que a agroecologia busca é uma economia mais solidária, com respeito e comida boa na mesa”, comenta Jhony Luchmann.