13.9 C
Francisco Beltrão
sexta-feira, 20 de junho de 2025

Edição 8.229

20/06/2025

Elvira dal Moro Carniel: Pioneira de Verê, criou 13 filhos, é viúva desde 1989 e já passou dos 94 anos

O marido, Ângelo Carniel, é nome de rua em Verê. Uma que passa ao lado da igreja. Ele morreu novo, apenas 66 anos. Mas fez muito pela família e a comunidade. Além de seu trabalho na roça, ajudava os vizinhos a construir suas casas. Ajudou também a construir a igreja. Em casa, foi até parteiro.

 

Elvira Carniel com o filho Francisco, no dia desta entrevista.
Foto: Ivo Pegoraro/JdeB

 

Gaúcha de Cacique Doble, nascida em 13 de julho de 1923, filha de Sílvio e Fiorinda Gelain Dal Moro, Elvira casou com Ângelo Carniel (no registro de nascimento ele era Angelino Fortunato Carniel) e teve 13 filhos.
Os cinco primeiros nasceram no Rio Grande do Sul: Fiorinda, Margarida (a Ita), Oly, Ari e Darci. No Verê, onde chegaram no início dos anos 50, nasceram Salete, Antônio, Maria, Francisco, Claudino, Vítor, Vicente e Maria.
De tantos filhos, pode-se imaginar o que tem de netos e bisnetos. Até ela perdeu a conta.
Aos 94 anos, dona Elvira pouco se movimenta e quase não sai de casa. Mas a cabeça continua completamente lúcida. Em pouco mais de meia hora, conta toda a sua vida. O filho Francisco, que sempre a acompanha, diz que se surpreendeu. “É que ele sabe fazer as perguntas”, ela diz.
Basta perguntar, ouvir e imaginar que vida intensa Elvira teve. Dificuldade de um lado, por viver em lugar novo, sem recursos, mas por outro lado sempre cheia de energia para gastar com a família, e com sabedoria para educar os filhos. Ouvir sua história e ir imaginando quadro por quadro, cena por cena, é ouvir um poema (a parte que ela fala sobre a igreja sai na revista dos 50 anos da Paróquia São Joaquim de Verê). 
 
JdeB – Quando vocês vieram pro Paraná já se estabeleceram aqui?
Elvira –
Já. Nós morava na cidade, mas como a família aumentava demais, a gente não podia se sustentar. Daí (o marido) veio com uns companheiros dele, viu a terra aqui com o patrão, fizeram negócio e tudo, mas depois tinha outro que queria comprar, aí tivemos que deixar tudo lá, tínhamos trilhadeira, a casa boa perto da igreja, mas não dava pra viver lá, então viemos pra cá. O homem falou “vocês vêm até fim desse mês ou perdem a terra”. Daí viemos pra cá com o pouquinho que nós tinha e se ponhamos aqui no meio do mato.

- Publicidade -

E desde naquele tempo subindo esses morros?
Deus me livre. Era puro mato. Onde é lavoura, ali dava uma tristeza, que eu era acostumada na cidade e viemos no meio do mato, mas ele tinha boa vontade, ele trabalhava, e eu também, ele arrumou um peão pra ajudar a cortar o mato. Eu também cortei, com o serrote, aquele de puxar.

Derrubou pinheiro, árvore grande?
Pinheiro nem tinha, árvore grossa e grande sim. Escolhi as madeiras mais fortes pra fazer os cepos da casa. E devagarzinho fomos vendendo tudo o que tinha lá pra começar essa, que nós estava num galpãozinho.

Quando vocês chegaram, não tinha casa?
Nada, nada, era só mato.

Como vocês se estabeleceram aí?
Um pouco ele trabalhava de carpinteiro e todo mundo vinha, não tinha casa, então era ele que ia fazer as casas. E eu com a minha piazada fazia o que podia. Pra cortar o mato tinha ele e um peão, mas eu também tinha que ir junto, daí fomos começando a vida.

Vocês descarregaram a mudança onde?
Ali nos Pereira, que o Calgaroto deu um galpãozinho pra nós fazer comida e a sala da casa dele pra colocar os colchões, dormir tudo na sala, assim foi indo.
A senhora gostou do Verê ou queria voltar pro Rio Grande?
Eu gostei.

E o tempo do Padre Paulo?
Ele que era meio dorminhoco, porque ele assistiu a guerra, sei lá como foi, o Ângelo era sacristão, quando via que ele ficava quieto, dava um puxãozinho na saia (risos).

Para ele não dormir (risos).
Mas ele não se perdia, onde deixava, ele pegava, ele fazia aquele cochilão. Era muito querido. Mas às vezes ele tava falando assim, caía dormindo.

E das irmãs a senhora lembra?
Sim, elas vinham aqui, quantas vezes dei almoço pra elas, contavam causos, olhavam o jeito que nós tava, assim ia embora o dia inteiro.

Tinha a irmã Emilia, a irmã Tecla, a irmã Eunice?
Francisco –
Tinha uma que era bem espoleta, acho que era Alice.

E o seu Ângelo virou nome de rua lá do lado da igreja?
Mas também, pelo que ele trabalhou! Primeiro trabalhou ali do lado da igreja, ele foi ajudar fazer a igreja, e depois que tava terminada, uns dois ou três anos ele ficou presidente, daí ele terminou de arrumar as coisas que precisava. Ele trabalhou no sindicato até que organizou bem, daí deixou pra outro. Pegou o compromisso do hospital, vinha pra casa só de noite, o resto eu tinha que me virar com a piazada. Esse homem sempre trabalhou bastante.

E depois da morte dele, sobrou mais pra senhora, teve que tocar sozinha?
Se sobrou! Tudo solteiro! A minha sorte é que abençoou a minha família, porque eles não brigavam, não me respondiam. Quantas vezes eles tavam jogando bolica, ou corda, ou com o carrinho de mão de madeira de quatro rodas, uma tábua em cima, alguma vez eles se davam uns minhocos também (risos). Daí eu queria ver aquele que tinha razão. Aquele que tinha razão apanhava uma varada e aquele que fez a malvadeza apanhava duas (risos). Eu não surrei com pau, com nada, mas eu tinha minhas varinhas, porque se deixo um fazer assim, todos os outros faziam também, eu tinha que corrigir.

Eles obedeciam?
Ah, se obedeciam. E se tinha alguma coisa que mandava fazer e não faziam, eu mandava eles rezar o terço ajoelhados atrás da porta. Um que era o mais ativo, ficou um pouco, ele disse “mãe eu já terminei de rezar”. Eu dizia “não, meu filho, eu não escutei nenhuma Ave Maria, comece de novo” (risos). Era mais com reza do que com varadas que eu criei. 

A senhora ia na missa no domingo e em casa rezavam?
Toda noite um terço, podia estar cansado. Uma vez veio as irmãs, ficaram aqui até de tardezinha, jantamos “e sem rezar o terço vocês não vão sair, que a última saudação que se da é o terço”. E todo mundo pegou a cadeira pra se ajoelhar, porque nós era acostumado de joelho. Daí uma irmã disse “não, não, vocês estão bem errados”, ela disse “se você está sentada, você não dorme, mas se está cansada, se apoia na cadeira e dorme”. Daí começamos rezar sentados. O terço é sagrado, até dia de hoje não esqueço.

Dá saudade, dona Elvira?
Dá, parece que está na hora. Dá saudade. Agora tenho esse ali (Francisco) e o Vicente, o resto são tudo casado. Eles vêm seguido, às vezes enche a casa que não tem lugar.

A casa é grande. E o Vicente tem filhos?
Francisco –
Tem um, ele trabalha no lacticínio. Ele tem 20 anos.

Só vocês cinco aqui. Chegou um tempo que tinha 13 filhos e mais o casal.
Meu Deus! Tinha que ir pra roça e depois vim pra casa. As meninas tudo pequena. Tinha que lavar a roupa de meio-dia. Quente mesmo! Os pé na água. Não era como hoje em dia que tem máquina de lavar, tem detergente, tem tudo. Sabe com o que a gente esfregava roupa? Sapecava um sabugo e esfregava pra não deixar a terra. 

Sabugo de milho?
Francisco –
Queimava o sabugo de milho pra ele ficar durinho. Fica mais firme.

E a roupa sujava mais, era um trabalho mais braçal?
Não dava pra trocar todo dia, às vezes tinha que ficar três ou quatro dias com a mesma roupa. Como eu ia aguentar? As meninas me ajudavam, mas eram pequenas ainda.

A senhora rezava pra São Joaquim e pra quem mais?
Mais Santo Antônio.

Sempre foi devota de Santo Antônio?
Sempre! Desde o dia em que nasci. Quando nasci… pontada dupla e quando que não sabiam mais o que fazer, me consagraram ao Santo Antônio. Quando viemos pra cá, o pai sabia que tinha pouco dinheiro: “Elvira, não esquece de rezar e pagar o Santo Antônio. Porque, olha, eu fiz uma promessa que se você melhorasse, quando ficasse boa, tinha a obrigação de pagar as coisas do Santo Antônio”. É assim até hoje. Depois fiquei meio ruim, meio cansada e sempre essa dor no estômago. 

A senhora tem dor de estômago?
É. Então tem que ir a Pato Branco, não lembro o nome do médico, cada mês, dois meses, mas agora tô bem boa. Quando cansei de ir, era só pra gastar dinheiro, “não vou”. Dali um tempo fiquei ruim de novo, tive que tirar uma chapa e tudo pra ver o que que tinha. Diz que tinha um pozinho na vesícula, isso não te incomoda, mas dói. Agora está umas pedras assim, o doutor nunca se lembra de me mandar eu fazer um ultrassom, tô sofrendo.

E os remédios não resolvem?
Tem uns calmantes, até que ele faz… aqui não me dói mais, dói no estômago. Agora com o ultrassom que eles fizeram viu que daqui se mexe e vai incomodar o estômago, e é da vesícula. Operar não dá, minha idade é muito avançada, o pior é a anestesia, então tem que esperar, aguentar até que Deus quiser.

Uma santa mulher. A senhora sente dor constante?
É brabo. Até que as dores de uns dias pra cá está parado, esses dias é que nem ganhar família, é aquela dor.

E de parto a senhora conhece bem, os partos que a senhora teve foram todos naturais?
Tudo. Três vezes ele [Ângelo] que teve que ser o parteiro. A Salete, o Antônio e o Francisco também o pai deles foi o parteiro.

Ah, é.
Nós tava naquela casinha lá, no ranchinho que nós tinha, a estrada cada vez que tu passava, tinha que pegar a foice pra cortar as taquaras, que não dava pra passar. Quando eu comecei a ficar ruim, eu disse “e agora, Ângelo, como é que nós vamos fazer?” Não tinha guarda-chuva, não tinha lâmpada. Eu disse “vamos se ponhar na mão de Deus, seja lá o que for, só cuide para não deixar ela (o nenê) se afogar, segure ela, não deixe que vá aquela água na boca”, assim com pouca força que nunca tinha feito, mas foi tudo bem.

 

A morte de Ângelo Carniel, aos 66 anos

Como seu Ângelo morreu tão novo? 

Elvira – Água no pulmão.

Ele foi hospitalizado?
Francisco –
Ele saiu de casa pra uma consulta de rotina normal. O Darci morava em Beltrão, ele pousou na casa do Darci, que no outro dia de manhã ia consultar, aí o Darci disse: “Deixa que ele levo o pai consultar”. O pai disse “não, eu vou caminhando”. Eram poucas quadras da casa do Darci. Dali a pouquinho, o médico ligou pro Darci, diz que quando ele entrou no consultório, sentiu um tremor de frio e o médico viu que ele não estava bem, já deitou na cama, e em questão de duas horas ele…

O que aconteceu?
Francisco –
A única coisa que diz é que tinha água no pulmão.

Foi infarto?
Francisco –
Mas olha, nem no atestado de óbito não tem exatamente o que foi que aconteceu. Diz que o médico chamou o Darci, deram medicamento pra tudo que foi e não teve reversão. 
Ele era uma pessoa sadia?
Francisco – A única coisa que ele tinha sido internado durante a vida foi a operação da apendicite.
Elvira – Tinha dois médicos e duas enfermeiras, quando estavam pra sair assim, com ele sentado na mesa, ele tava abotoando a camisa e naquilo ele soltou os braços. O Darci disse “pai, o que que tem, pai?” E pegou, senão ele caía, já tava morto, morreu de vereda.

Estranho, né?
Francisco –
Pois é, mas se tivesse morrido em casa é ‘por que não levaram?’. Mas ele tava na mão do médico, ele foi pra consultar que ele tinha uma gripe e começou a ficar ruim, tava com problema de respiração, pediu pro doutor Chico (Francisco Ciocari, de Verê), ele disse “olha, é melhor você ir em Francisco Beltrão ver com especialista o que é”. Mas assim ele tava normal, ele andava, conversava, não dava pra dizer que tivesse problema, que estivesse mal, foi uma surpresa. A gente tava em casa trabalhando e de repente vem a notícia que tava morto. Eu disse “meu Deus, mas como assim?”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques