O oncologista Daniel Rech, do Ceonc, fala sobre estudos feitos em parceria com o curso de Medicina da Unioeste.

Em 2015, uma parceria do Ceonc com o curso de Medicina da Unioeste de Francisco Beltrão deu o pontapé a um estudo sobre câncer de mama na região Sudoeste. O oncologista Daniel Rech, do Ceonc, e a professora doutora Carolina Panis, responsável pelo Laboratório de Biologia de Tumores da Unioeste, lideraram a pesquisa.
No início, 200 mulheres de várias faixas etárias atendidas no Hospital do Câncer foram selecionadas, voluntariamente, para fazerem procedimentos de investigação para câncer de mama. Destas, dez pacientes foram excluídas por não apresentarem dados clínico-patológicos suficientes. Entre as outras 190 amostras, 127 foram confirmadas como câncer de mama e iniciaram tratamento.
Dr. Daniel, que também é professor na Unioeste, fala mais sobre esse estudo ligado ao câncer de mama e sobre como a abordagem e a avaliação corretas na chegada do paciente à rede pública de saúde ajudam no diagnóstico precoce de outros tipos da doença.
JdeB – Como começou esse estudo?
Dr. Daniel Rech – A professora Carolina Panis, do curso de Medicina, nos procurou no Ceonc para iniciar algum tipo de pesquisa ligado aos alunos. Ela perguntou o que eu gostaria de fazer e uma das coisas é saber como estavam nossos pacientes, se estávamos tratando bem, se eles estavam vivendo mais ou melhor. Porque nós ouvíamos muito, até de amigos médicos, que tratamentos fora, em Curitiba, São Paulo, seriam melhores do que aqui, os remédios seriam melhores do que os nossos, coisas que nos deixavam desconfortáveis. A base do trabalho foi essa, saber como os pacientes estavam.
Quais foram os resultados?
Esse estudo continua, a gente selecionou um pedacinho dele, que foi o meu mestrado, pra fazer um recorte e saber como as pacientes estavam. A gente conseguiu descobrir umas coisas interessantes. O tratamento estava sendo bom, sim, não temos resultados ruins em comparação a outros lugares do Brasil e do mundo, e a partir dele desenhamos um pouco do perfil dessas pacientes. Como o trabalho foi em câncer de mama, nós percebemos que na nossa região elas estão com o peso um pouquinho mais alto que o normal — mas a obesidade é um fenômeno mundial. Na nossa região, o sobrepeso está andando junto com tumores mais agressivos, isso nos chamou atenção. A gente não consegue afirmar que uma coisa leva à outra.
E quanto à idade?
Nós temos uma variação de idade que vai de 20 a 80 anos. Nós temos um terço de pacientes desse grupo com idade mais baixa do que o indicado pra rastreamento. O trabalho é pequeno ainda, eu não posso embasar isso, mas nós estamos recomendando a procurarem a rede de saúde, que aqui na região é muito boa, fazer autoexame um pouco mais cedo. Se perceber alguma alteração na mama, não importa a idade, procurar a rede. E, da mesma forma, se o homem perceber alguma alteração na mama, o caminho é o mesmo.
Os estudantes de Medicina auxiliaram nesse trabalho?
Nesse trabalho oficial, eles atuam em vários pontos. Desde abordar o paciente até colher material, com supervisão, é claro, como sangue, material de biópsia e levar pro laboratório. Em várias etapas tem alunos envolvidos, de mestrado e doutorado inclusive. A gente quer fazer isso com todos os tipos de tumores. Já escrevemos um projeto parecido pra câncer de pulmão e de cólon. Essa primeira fase, de pôr em prática, não acontece de um dia pro outro. Iniciar esse trabalho leva de um a três anos, às vezes, pra colher esse fruto lá na frente.
Outra abordagem foi a relação do estresse com casos mais agressivos de câncer. O que se pode constatar sobre isso na região?
Basicamente, não é o estresse de impacto curto, como no trânsito, mas aquela tensão diária que vai se prolongando por anos. Tem formas de avaliar isso e você joga os dados do questionário de estresse pra avaliar o perfil do paciente. Nesse trabalho, deu pra verificar que as pacientes que sofriam de estresse confirmado tinham perfis de câncer de mama mais agressivos do que o normal. O que significa isso? Num primeiro momento, talvez nada, mas é um alerta. Não quer dizer que estresse causa câncer, mas ele anda junto. As pessoas estressadas também têm mais peso e também perfis de câncer mais agressivos. O que vem primeiro, o estresse ou a gordurinha?
Aí a importância da rede de saúde. Ao perceber o aumento de peso, já pode alertar que tem algo errado.
É preciso modificar o estilo de vida pra algo mais equilibrado, alimentação, atividade física, mas já sabemos disso, não é novidade. Tem um trabalho publicado sobre um grupo de pacientes aqui de Beltrão. Acho que temos umas seis ou sete pacientes com mutações do câncer de mama na região. Essas pacientes foram chamadas pra aconselhamento. As pacientes que tiveram essa alteração, o tratamento é um pouco diferente, aí chama-se as filhas delas e também ganham o teste. Se não tiver nada, ótimo, mas se tiver, permanece. Já identificamos umas três ou quatro descendentes com o mesmo problema, pacientes jovens que também têm essa mutação.
Essas pacientes jovens não tinham câncer, era uma propensão?
Uma propensão bem elevada. A mutação que a gente pesquisou com essas famílias é chamada de BRCA, uma das mais comuns no câncer de mama e muito relacionada ao câncer de mama hereditário. O que é interessante é que a maioria dos cânceres de mama, e de todos os outros, não é hereditária, é esporádica, ou seja, ao acaso. Sabendo que elas têm e que as filhas herdaram, tem que aconselhar e verificar. Elas não têm câncer ainda, por isso a abordagem tem que ser diferente.
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E vai na mesma linha de acompanhar a família em outros tipos de câncer?
Um grupo de alunos nossos está desenvolvendo um trabalho de câncer de cólon. Temos vários pacientes com um histórico familiar muito forte de câncer de cólon. A gente precisa que esses pacientes venham até nós. Tem algo que não tá bom, como vamos desenvolver alguma coisa pra chamar esse pessoal? Pra rastrear o câncer de cólon familiar, vamos chamar todos eles.
O câncer de cólon não tem sintomas?
Não, e com pulmão é a mesma coisa. A rede de saúde tá muito boa pra colo de útero, nos postos da região, no atendimento através do Instituto da Mulher. Tá sendo difícil chegar uma mulher com o câncer espalhado, graças a esse rastreamento. Se tiver uma estrutura boa de rastreamento de câncer e uma porta de saída, que somos nós [o Ceonc], funciona. Se começássemos mais cedo, poderíamos oferecer esses exames de uma maneira diferenciada. Não tem uma relação de preconceito por ser homem ou mulher, pulmão e cólon tá crescendo nas mulheres em incidência também, tá quase meio a meio aqui na região. A ideia desses trabalhos é aplicar nesses pacientes de melanoma, cólon, ovário, útero o que a gente faz com a mama. Se a gente conseguir fazer isso, vai impactar muita coisa, melhora tudo. O gasto da rede de saúde não é tanto assim e o paciente que vem numa fase bem precoce, a cirurgia talvez seja suficiente pra ele, não vai nem pra químio e rádio, que é muito mais agressivo e mais caro também.