Muita coisa mudou na rotina das estradas.

Por Aline Leonardo e Leandro Czerniaski
Os cuidados para evitar o contágio pelo novo coronavírus mudaram a rotina de quem está na estrada. Principalmente no início da pandemia, muitos caminhoneiros passaram por situações adversas com o fechamento de postos e restaurantes e a dificuldade de circulação em alguns municípios e estados. Hoje, no entanto, esses problemas estão sendo amenizados, mas outro surgiu: a discriminação.
O motorista Gilberto Peres, de Maravilha (SC), adotou a máscara, o álcool em gel e tem até um termômetro na cabine para acompanhar a temperatura corporal, além de evitar ao máximo o contato com outras pessoas durante a viagem. Mesmo assim, percebeu diferença no tratamento que recebe. “Apesar de todo esse cuidado, algumas pessoas no trecho, quando para num restaurante ou posto, por exemplo, tratam de uma forma mais ríspida”, comenta.
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O caminhoneiro Jorge Dias Pereira tem em casa a melhor orientação para se cuidar tanto na estrada quanto com a família, em Campo Grande (MS). É que a mulher, técnica de enfermagem, cobra de forma rigorosa a prevenção. “O único contato maior que temos com outras pessoas é nas cabines de pedágio, ao passar o cartão, senão a gente faz tudo mais distante possível dos outros nas paradas. Não dá pra deixar de se cuidar”, relata.

Preço da alimentação subiu
Veridiane Dall’Agnol, de Francisco Beltrão, tinha mudado de empresa recentemente quando iniciou a pandemia. Ela conta que muita coisa está diferente na estrada: “Quando tudo começou, a gente não achou que iam ser tão drásticas as medidas de segurança. A gente desceu no domingo e tava tudo normal, almoçamos, tudo certo e, na segunda, quando voltamos, já tava tudo fechado, já não tinha onde tomar banho, onde comer, os lugares que liberavam banho eram bem precários. Teve dias que a gente passou fome”.

Passados alguns dias, os estabelecimentos reabriram, mas a qualidade da comida, por exemplo, já não é a mesma. “Começaram a liberar as marmitas, mas num preço absurdo e comida muito ruim. Marmita que pagava 10, 12 reais, na pandemia estavam vendendo a 20, 25 reais. A comida subiu muito e a qualidade caiu. A gente que trabalha no sistema de engate e desengate, cada dia está com uma carreta, não tem como ter caixa de comida, então a alimentação é 100% na estrada e isso nos afetou muito.”
E, assim como os colegas, Veridiane também reforçou os cuidados para não trazer para casa o vírus. “Os nossos cuidados na estrada são álcool em gel, máscara e lavar as mãos. A gente evita ter contato com as pessoas na hora de abastecer o caminhão, de entrar nos portos. O caminhão por dentro a gente sempre mantém higienizado também. Em casa, já retiro todas as roupas, coloco pra lavar e vou pro banho direto. O meu marido também trabalha em contato direto com pessoas, então, acaba que nós dois ficamos meio isolados, não visitamos nossos pais, e essa parte foi a mais difícil, a saudade deles, mas sabemos que é por segurança e a gente precisa trabalhar.”
No Instagram, Veridiane mantém um perfil (@veridianedallagnol) onde mostra sua rotina na estrada.
“As pessoas te tratam como se fosse bandido”
Um caminhoneiro de Francisco Beltrão testou positivo para a Covid-19 ao retornar para o município, na metade do mês, e ontem foi liberado do isolamento. A notícia é boa, mas, antes disso, ele ficou dias internado no Hospital Regional. O homem, que preferiu não se identificar, diz que não sabe como pegou o vírus. “Não tive contato com ninguém, vai saber o que aconteceu, se é no ar isso aí… Eu passei mal, desmaiei, fui pra UPA. Aí fui encaminhado ao Regional, fiquei 12 dias em isolamento, primeiros três, quatro dias eu passei muito mal, com oxigênio ruim.”
Nesse período, o caminhoneiro conta que sua família sofreu discriminação. “O que mais me chocou foi saber que eu tava internado e aqui fora minha família foi bem discriminada. A primeira coisa [depois do isolamento] vai ser abraçar minha família, saber que estão bem, caminhar um pouco, pegar um sol e dar rotina na vida, temos que trabalhar. Não desejo pra ninguém o que eu passei, as pessoas te tratar como se fosse bandido.” Em Francisco Beltrão, até ontem, havia 18 casos de coronavírus confirmados, entre os quais, 11 recuperados, cinco em recuperação e dois óbitos; outros 26 estavam em investigação e 212 já foram descartados. De acordo com informações apresentadas nos boletins da Saúde, pelo menos dois caminhoneiros estão entre os infectados.