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Jornalista há 42 anos, Liliana Enriqueta Lavoratti conquistou seu espaço na imprensa brasileira com muito trabalho, estudo e perseverança. Passou pelas redações de alguns dos principais jornais do País e está entre os 50 Jornalistas mais Admirados de Economia e Negócios nas edições de 2016, 2017, 2018 e 2019 do prêmio organizado pelo Jornalistas & Cia e Maxpress. Em conversa com a reportagem da Revista Gente do Sul ela contou um pouco de sua trajetória na imprensa, as reportagens que mais lhe marcaram e falou sobre suas expectativas quanto ao futuro do jornalismo.
Liliana é natural de Alto Paraná, mas também tem história na região Sudoeste, pois mudou-se com a família para Francisco Beltrão em 1978. Ela começou a atuar no jornalismo em Cascavel, em 1979, quando se candidatou a uma vaga de repórter no jornal O Paraná. Fazia apenas um ano que havia saído de Palotina, também no Oeste paranaense, para morar em Cascavel, em busca de novos horizontes pessoais e profissionais. Abandonou o curso médio de Técnico Agrícola e fazia teatro. “Como sempre li muito e gostava de escrever, naturalmente busquei um trabalho que tivesse a ver com isso. Depois de um teste rápido de texto, fui escolhida dentre cerca de seis jovens que também disputavam a vaga. À época, não tinha faculdade de Jornalismo na cidade e região, então fui contratada como estagiária de redação. Era assim que se formavam os jornalistas, na prática”, recorda.
Depois de um ano e meio em O Paraná, passou para o jornal Fronteira do Iguaçu, onde permaneceu apenas dois meses, pois foi contratada pela TV Tarobá, também como repórter e por pouco tempo como apresentadora. Permaneceu por um ano, até ser chamada pela Folha de Londrina para cobrir o Sudoeste na sucursal que o jornal abria em Francisco Beltrão, em maio de 1982. “Éramos eu e um fotógrafo.” Foi nesta época que produziu uma de suas reportagens mais marcantes, “A Fuga dos Sem-Terra”.
Coragem para não se intimidar
Segundo Liliana, nos anos de 1980 a Folha de Londrina era considerada um dos melhores jornais do interior do Brasil. “Se não me engano, foi pioneiro como um veículo de fora a se instalar no Sudoeste*, ou pelo menos um dos poucos. Existiam só os jornais locais.” Ela era jornalista subordinada à sucursal de Cascavel e atuava praticamente sem uma retaguarda maior da sede da empresa, desbravando quase sozinha o espaço para um jornal com características diferentes dos meios locais. De acordo com Liliana, o resultado foram duas ameaças por parte de políticos que não gostaram de suas matérias, dentre elas a cobertura de uma invasão de terras em Quedas do Iguaçu, quando foi acusada por policiais militares de falsidade ideológica, “mas fiquei muito segura pelo fato de ser jornalista provisionada (direito previsto em lei para profissionais sem diploma, porém com comprovado exercício da profissão)”. Também teve repercussão a cobertura da ‘fraude do feijão’, nos armazéns da antiga Cibrazem, além de matérias mostrando os conflitos agrários na região, que levaram lideranças ruralistas a lhe dirigirem ameaças, algumas veladas e outras bastante diretas. “Mas segui em frente, em 1984 me mudei para Curitiba, onde entrei no Jornalismo da UFPR e depois fui transferida para a PUC de Porto Alegre (RS).”
Reportagem de fôlego
A reportagem que mais marcou a carreira de Liliana foi a série “A Fuga dos Sem-Terra”, contada em dez contracapas, publicadas na Folha de Londrina em outubro de 1983, sobre a retirada, pelo Incra, de centenas de famílias de sem terras que começavam a se organizar no Movimento dos Sem Terras na região, para assentá-los à beira da Transamazônica, no sul do Amazonas.
A jornalista acompanhou a viagem em vários ônibus e narrou desde a origem dos problemas fundiários do Sudoeste do Paraná, resquícios da história violenta de colonização da região, passando pela saga daquelas famílias em busca de um pedaço de terra sem recursos e atraídos por falsas promessas para um local totalmente desconhecido e diferente, em todos os sentidos, daquele onde viviam.
“Presenciei a morte de algumas pessoas durante o caminho, fiquei no meio da selva durante duas semanas e vi no rosto daqueles migrantes a decepção de quem não podia voltar atrás. Corri o risco de contrair malária, mas, aos vinte anos, a coragem e o impulso jornalístico falaram mais alto. Felizmente, os cuidados e os dentes de alho que carregava nos bolsos me ajudaram”, sorri.
A série lhe deu o 1º lugar na categoria Nossa Gente do Primeiro Prêmio Paraná de Jornalismo (1984), e segundo lugar dentre as três categorias (Nossa Pesquisa e Nossa Produção foram as outras duas). “Mauro Santayanna e Villas Boas Correa, ícones do jornalismo brasileiro e que fizeram parte da comissão julgadora do Prêmio, afirmaram que eu havia ressuscitado o jeito de fazer jornalismo da Revista Realidade – uma referência, circulou de 1966 a 1976, inovando com matérias em primeira pessoa.”
Liliana Lavorati construiu uma carreira no jornalismo passando pelos melhores jornais do País – Gazeta Mercantil, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, revista Conjuntura Econômica da FGV-Rio de Janeiro e, nos últimos nove anos, no Diário, Comércio & Indústria de São Paulo –, com atuação, inclusive em Brasília e São Paulo, além de Curitiba. Por quatro anos consecutivos (2016 a 2019), esteve entre os 50 jornalistas de Economia e Negócios mais Admirados do País, segundo o Prêmio conferido pelo Jornalistas & Cia.

Muito além do que esperava
Sua carreira bem consolidada no jornalismo foi muito além do que ela esperava. “Nunca planejei chegar no lugar alcançado, mas uma coisa é certa: enfrentei muitos desafios, foram muitos anos de batalha e superação, em todos os sentidos. Mas sempre acreditei na força do trabalho e, para isso, nunca medi esforços em estudar a fundo os temas das minhas matérias, como, por exemplo, macroeconomia, quando entrei na sucursal de Brasília da Gazeta Mercantil para cobrir o Ministério da Fazenda, em 1991. Maior parte do tempo fiz questão de ser repórter, mas também exerci funções de editora, editora-chefe e colunista.”
Há um ano ela é produtora de conteúdos para grandes empresas, como freelancer, e o foco principal é uma biografia – “a primeira de uma série que pretendo fazer, já como escritora, um passo adiante na minha carreira”. De acordo com ela, o jornalismo lhe possibilitou conhecer pessoas e lugares que não teria nenhuma chance, a não ser pela profissão. Como a viagem de um mês que fez à China, em agosto de 2014, convidada pelo maior jornal do mundo, o Diário do Povo.
O futuro do jornalismo impresso e digital
O jornalismo digital é uma realidade em decorrência das inovações tecnológicas, mas Liliana acredita que não muda em nada a essência do jornalismo: apuração criteriosa e isenta e texto claro acerca de fatos que interessem à opinião pública. “Ainda é cedo para saber, mas o jornalismo impresso deve sobreviver com a produção de bom conteúdo, útil e relevante. O papel do jornalismo, independentemente da forma como é distribuído e consumido, continua sendo social, de levar informação mais próxima possível da verdade dos acontecimentos para a maioria dos leitores. A tecnologia é apenas o meio de fazer chegar esse bem público que é a informação para os leitores, telespectadores. Em tempos de fake news, esse produto (a informação) ficou ainda mais valioso.”
Ela ressalta que é fundamental continuar preservando os princípios básicos que devem mover a boa informação: apuração isenta e texto claro sobre fatos que interessam à maioria da população. “Difundir a verdade e não se aliar a ‘milícias’ de mentiras e distorções da realidade. Saber discernir entre o que permanece sendo notícia – que envolve o interesse público – e o que é perfumaria. É não cansar de bater na mesma tecla que sempre orientou o bom exercício da nossa profissão.”
Mulheres no jornalismo
Quando Liliana ingressou no jornalismo, na década de 1980, a participação das mulheres no jornalismo ainda era restrita, mas aos poucos as mulheres foram ganhando as redações. “E não apenas por mérito, de impor nosso profissionalismo, mas, infelizmente, por um motivo torto. Pesquisas mostraram que o início da ‘decadência’ dos veículos impressos, atropelados pela internet, coincidiu com a queda dos salários. Boa parte da mão-de-obra masculina foi substituída pelo trabalho da mulher. Não nos cargos de comando, esses demoraram mais para chegar às mãos das mulheres. Hoje, o desequilíbrio diminuiu bastante. A discriminação de gênero na nossa profissão, acredito, é a mesma que ocorre no mundo do trabalho como um todo. Mais recentemente, o mundo despertou para a importância da diversidade nas empresas e, aos poucos, a desigualdade vai perdendo força.”
*Antes da Folha de Londrina, o jornal O Estado do Paraná, de Curitiba, teve sucursal em Francisco Beltrão, de 1976 a 1984.
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