Por Júlia Helena Rathier – Não raramente em meu consultório, recebo pessoas que falam de angústias antigas e enraizadas.

Elas falam de suas dores queixando-se também do tempo que levaram para aceitar que precisavam de ajuda e que essa ajuda poderia vir da própria fala. Da análise/da terapia.
É muito comum que no momento em que percebem que aquilo pode ser mudado, digam: “Achei que isso era um traço de personalidade meu, que eu era assim e que não tinha saída…aprendi isso com meus pais e não percebia que me fazia tão mal não mexer nisso”.
E eu, aviso: possivelmente irá doer pra mexer, também. Mas falar é o que se deve fazer diante de algo que requer mudança.
As histórias da vida humana são recheadas de referências. A gente mal-e-mal nasce e já tem “a quem puxar”, um estilo de vida ao qual somos submetidos no entorno de pessoas que exercem a função do nosso cuidado. E aí vem a socialização, vem a escola, os contatos com “o diferente” que vão nos apresentando outros contornos possíveis. E a gente, é claro, reproduz alguns (muitos) dos contornos com os quais tem contato.
Mas, felizmente, a gente não é planta. Nós temos, mas não somos raízes.
Quando aproximam-se de seus sintomas de forma mais profunda (entendem um pouco das questões que causam o desconforto que as fez buscar por ajuda) as pessoas assustam-se com o conhecimento que já detinham sobre aquilo. Tudo estava dentro : a terra precisava ser arada.
Alguém na condição de analista, recebe a autorização p/ fazer parte do processo de recolhimento desses saberes que estão lá, nas profundezas.
Esperando que a pessoa em sofrimento descolonize-os. Retire as folhas mortas. Negocie com o clima para deixar viver o desejo.
Afinal, nem sempre são as flores os nossos saberes.
Quem procura por análise, de alguma forma já aceitou que as coisas não têm de ser como são. Que a gente pode sim, não querer algo com que viveu a vida toda: seja isso um pensamento, um relacionamento, um sonho.
Da mesma forma funciona para preconceitos.
Nós não somos os nossos pais;
Nós não somos os nossos amigos;
Nós não somos os nossos cônjuges.
Nós somos uma coleção de coisas que escolhemos nos tornar.