Inauguro a coluna falando sobre uma obra que tem tudo a ver com Francisco Beltrão e região: “Minhas Crianças”, de Idolinda Pegoraro. Ela é uma das figuras mais irreverentes do Sudoeste do Paraná, por ter sido por muitos anos professora em Verê. É também mãe e avó de dois dos principais jornalistas das redondezas, respectivamente Ivo e Adolfo Pegoraro. Aquele, diretor deste Jornal de Beltrão, e este, sócio-proprietário da Ação TV, referência na área esportiva.
Mas, deixando de lado os entretantos e partindo para os finalmentes…O “Minhas Crianças” ganhou o meu carinho de leitor por dois motivos. O primeiro são as coincidências e semelhanças com o estilo e a trajetória de uma das minhas escritoras prediletas, Zélia Gattai, mulher de Jorge Amado. A paulistana lançou o primeiro livro quando já tinha 63 anos e era casada há mais de 30 com o mais popular dos escritores brasileiros no século XX.
Zélia lançou em 1979 “Anarquistas graças a Deus”, que se tornaria um clássico da literatura brasileira. Dos dez livros “adultos” publicados por Gattai, nove são de memórias. Ela ganhou reconhecimento por explorar esse gênero que, embora fora do Brasil seja muito difundido, aqui no país, até hoje, são poucos os autores a enveredar pelo ramo. “Minhas Crianças” é um livro de memórias.
Dona Idolinda, assim como Zélia, é descendente de italianos, de famílias que desembarcaram na América do Sul na última década do século XIX. Idolinda publicou sua primeira e única obra em 2019, aos 87 anos. Nela, conta da infância nos anos 1930 e 1940 no Rio Grande do Sul, mais precisamente na região de Lagoa Vermelha. São relatos deliciosos, histórias vividas no campo num tempo distante, sem internet, sem televisão e até mesmo sem o rádio, considerado um artigo de luxo pra época – bem diferente do cenário que eu vi vivenciei nos anos 2000 e do qual as crianças de hoje vivem.
O segundo aspecto que me fez gostar do “Minhas crianças” foi a capacidade, até aqui única entre os títulos que li, de me fazer voltar aos dias em que era um aluninho de creche, de pré-escola. Não tive o prazer de ter Idolinda Pegoraro como minha “prof”, mas as memórias dela foram suficientes para me fazer viajar no tempo.
Dos anos 1970 até 1992, foi professora do ensino infantil e fundamental em Verê e Quedas do Iguaçu. Desde aquela época, tinha o costume de anotar em diários tudo o que via e vivia dentro de sala de aula. São relatos desde o que planejava e aplicava nas aulas, até as dificuldades de se praticar a arte de ensinar, além de, claro, das travessuras da criançada. Apesar de aposentada, Idolinda mantém até hoje contato com os ex-alunos. Num dos muitos cadernos que possui, guarda números de telefones. Nos aniversários, liga para dar os parabéns aos ex-pequenos. Não é nenhum demérito dizer que minhas professoras não tenham o mesmo hábito. Mas através de histórias como essa, é impossível não se lembrar com carinho de quem me foi tão presente nos primeiros anos de ensino fundamental. No meu caso, as recordações são das professoras Soeli Zocche, Sirlei Kurta, Ivete Damini e Marindo Bergeier, das Escolas Padre Gerson Galvino e Água Verde, de Laranjeiras do Sul.
Referência
Título: Minhas crianças;
Gênero: Memórias;
Autora: Idolinda Pegoraro
Número de páginas: 277;
Editora: Jornal de Beltrão;
Ano de lançamento: 2019.
Sobre o nome da coluna
Quem tem mais de 35 anos talvez se recorde de Juca Pirama. Personagem interpretado por Luiz Gustavo na novela “O Salvador da Pátria”, apresentava um programa de rádio no qual pregava a moral e os bons costumes para a população da fictícia Tangará. E, apesar de ser hipócrita e falso-moralista, ficou eternizado por sempre iniciar suas falas com a frase “meninos, eu vi.” O nome desta coluna é uma referência à obra, que está disponível no Globoplay.