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Francisco Beltrão
quarta-feira, 28 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

Vítima de violência doméstica diz que vale a pena, sim, denunciar o agressor

“Faz 4 meses que eu tenho a medida protetiva e está sendo bem eficiente, pois os policiais se importam com o caso.

Foto: Jonatas Araújo/Arquivo JdeB.

Por Niomar Pereira – Francisco Beltrão tem atualmente 500 medidas protetivas e 30 botões do pânico ativos para defesa de mulheres vítimas de violência doméstica. Os números de solicitações vêm crescendo ano após ano. Desde a pandemia, por exemplo, com as medidas de isolamento social, os pedidos de medidas protetivas dispararam na Delegacia da Mulher. Foram 309 em 2020; 437 em 2021; e 492 em 2022. Já os inquéritos policiais tiveram um salto em 2020 (580), reduziram em 2021 (497) e voltaram a aumentar em 2022 (852).

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A delegada Emanuelle Carolina Baggio, titular da Delegacia da Mulher, há anos as autoridades percebem que os números de denúncias vêm crescendo. “As campanhas de conscientização, que visam difundir o conhecimento sobre os direitos, hoje têm uma abrangência muito maior, até devido às redes sociais, de modo que as mulheres sabem quais direitos possuem e o que podem fazer caso algum deles seja violado.”

A reportagem do JdeB conversou com uma mulher que se encontra nesta situação atualmente, ou seja, possui uma medida protetiva ativa em seu favor, e ela contou como está recomeçando sua vida. Pois, sair de um relacionamento abusivo, muitas vezes, significa ter coragem para recomeçar do zero.

“Criei coragem pelas minhas filhas”

Maria* estava em um relacionamento há 28 anos quando decidiu dar um basta no sofrimento. No começo, recorda, era tudo “mil maravilhas”, mas depois de um tempo o marido começou a ter um comportamento repreensível. “Ele saía muito com os amigos, fazia festa à vontade e eu sempre em casa com minhas (duas) filhas. De madrugada ele chegava doido, queria pôr fogo nas cortinas pra nós morrer queimadas. Dormia com faca debaixo do travesseiro. Eu nem dormia de medo de como ele iria chegar e quando ia chegar porque várias vezes ele ficava três quatro dias fora de casa.”

De acordo com ela, depois que segunda filha nasceu as coisas pioraram. O homem intensificou as bebedeiras e voltava para casa ainda mais agressivo. “Eu comecei a enfrentar ele a hora que ele chegava falando as besteiras e fazendo as loucuras dele. Aí começou a agressão verbal e física.” 

Maria disse que aguentou muita coisa na vida por causa das filhas. Segundo ela, a mulher fica com tanto medo que não tem força para sair do relacionamento abusivo. “O nosso psicológico fica tão abalado que a gente nem sabe o que fazer. Agora tomei a decisão de separar dele, criei coragem pelas minhas filhas que não suportavam mais essa vida atormentada que nós levávamos, tudo o que eu sofri com ele, elas sofreram junto comigo. Me sinto até culpada em fazer elas passarem por tudo isso.”

Cansada da situação, Maria procurou a Delegacia da Mulher registrou um boletim de ocorrência. Saiu de casa só com as roupas do corpo e as filhas. Alugou um apartamento e começou do zero uma nova vida. Aos poucos, elas estão comprando os móveis e mobilizando o novo lar. Assim que foi na delegacia, uma medida protetiva foi solicitada e deferida pela justiça. “Faz 4 meses que eu tenho a medida protetiva e está sendo bem eficiente, pois os policiais se importam com o caso. Tem uma equipe que vem na casa pedir se está tudo bem, se o agressor está ameaçando ou perseguindo etc.” O agressor, inclusive, descumpriu a medida protetiva e foi preso.

Maria encoraja as mulheres que vivem nessa situação a procurarem seus direitos, pois a legislação (Lei Maria da Penha) é um mecanismo de proteção das vítimas. “Além disso, tem outros serviços que eles oferecem como acompanhamento psicológico e jurídico. Queria dizer pra todas as mulheres do mundo, não tenham medo de denunciar seus parceiros, a lei existe e é empregada. “Eu estou bem contente com esse suporte que estou tendo com toda a equipe da lei Maria da Penha.”

*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.

Principal violência contra mulher é autoprovocada

Pesquisa de universidade mostra números preocupantes sobre violência contra mulher.

Pesquisa desenvolvida pela ex-aluna Leticia Padilha, do curso de Enfermagem da Universidade Paranaense – Unipar/Francisco Beltrão, e orientado pela docente Géssica Tuani Teixeira, no ano de 2021, revela números preocupantes sobre violência contra mulher. O trabalho intitulado ‘Caracterização dos casos de violência contra a mulher em tempos de pandemia de Covid-19’ aborda a prática da violência contra a mulher, tanto por lesão interpessoal, quanto autoprovocada, ocorrida entre 2019 e meados de 2021, período da pandemia de Covid-19, no município de Francisco Beltrão. Foram analisados 342 registros do Sistema Único de Saúde (SUS).

A pesquisa desenvolvida pela, agora enfermeira, Leticia Padilha, demonstra a prevalência de notificações, no ano de 2019, em mulheres com idade de 12 a 18 anos (27,2%), brancas (71,3%), com ensino médio (21,9%), sendo ainda estudantes (23,1%) ou desempregadas (17,2%), sem companheiro (52,4%), residentes da área urbana (74%), heterossexuais (50,6%), sem possuir algum tipo de deficiência (51,8%).

O que chama bastante a atenção é que a agressão com maior incidência é a lesão autoprovocada (53,6%), das quais 41,4% por meio da intoxicação/envenenamento. Quanto à violência interpessoal, notou-se que a maioria das agressões foram ocasionadas pelo próprio cônjuge da vítima (12,4%), utilizando da força física (29,3%), salienta-se que o álcool não estava presente na maior parte das agressões.

A professora Géssica acredita que o número alto de tentativas de suicídio é também um indicativo de que a população cada vez mais está desenvolvendo problemas psicológicos. “Inclusive, pode ser resultado de outras violências como a psicológica, por exemplo.”

Segundo Letícia, durante a pandemia a mulher vítima de violência passou mais tempo exposta ao agressor devido às medidas de contenção à covid-19, portanto, haveria até tendência de números maiores de agressões, visto que os dados nacionais e internacionais apontam com clareza a autoria do crime praticado pelo parceiro e ex-parceiro, em ambiente domiciliar. Letícia ressalta, ainda, a importância do preenchimento correto das fichas de notificação, ponto importante no que diz respeito à real apresentação dos dados, de maneira geral.

A professora Géssica salienta que é imprescindível que pesquisas que abordem esta temática sejam realizadas e difundidas. “Assim, trazemos à tona um problema que desde a antiguidade vitima mulheres de todas as classes, idades e raças. Por fim, este estudo permitiu a identificação de uma população jovem como protagonista da violência”. Ainda de acordo com a docente, tais resultados podem contribuir com ações voltadas a este público, por vezes em ambiente escolar, discutindo temáticas que envolvam a saúde mental articuladas a estratégias de educação, além da implementação de políticas públicas que acolham estes dados e atuem na prevenção deste agravo, na melhoria do acesso e na qualificação do atendimento às vítimas.

Violência no mundo

A violência contra a mulher é um grande problema em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 35% das mulheres com mais de 15 anos já sofreram algum tipo de violência praticada, na maioria das vezes, por seus parceiros. Até 15% dessas mulheres sofreram abuso sexual infantil e de 3% a 24% tiveram sua primeira relação sexual forçada na adolescência. Conforme pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2010, no Brasil 34% das mulheres já havia sofrido algum tipo de violência.

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