*Júlio Cézar Leonardi
Milhares de apreciadores da música gaúcha manifestaram tristeza pela morte do acordeonista Albino Manique, no último dia 25 de abril. Porém, para a maioria dos gaiteiros do sul, o sentimento de perda é maior. Não conheço um gaiteiro daqui do sul que nunca tenha tentado “tirar” (como se diz no meio musical) alguma de suas músicas. Atingir a “façanha” de tocar músicas do Albino parece ser uma meta comum a quem se propõe a aprender acordeon.
Não é por acaso: todas as músicas que ele compôs e gravou (aproximadamente 500) apresentam um certo grau de “dificuldade” na execução, abrindo a necessidade de uma intimidade maior com o instrumento, um aprendizado um pouco mais apurado, para se conseguir interpretar com exatidão. Isso, porque Albino não foi um simples compositor e intérprete de obras maravilhosas, o que já seria imensamente satisfatório, mas também foi o criador de um método único de digitação e execução.
O mote principal, a meu ver, está na forma de tocar a “baixaria” (os botões dos baixos do acordeon), que alguns gaiteiros utilizam apenas como acompanhamento (como se fosse um contrabaixo), mas que Albino usava para desenvolver solos principais e os peculiares contra-tempos, que se tornaram famosos, em seu estilo de tocar. Isso está presente em todas as faixas de seus álbuns, construindo a sua identidade e a do grupo Os Mirins, que liderou por mais de 60 anos.
Fascinados, centenas de acordeonistas (assim como eu) buscam desvendar as nuances desse jeito diferente de tocar, já que o próprio Albino nunca escreveu um “método” de execução… apenas tocava, a seu estilo, e encantava. Quando se consegue descobrir algum movimento diferente, é uma festa, um triunfo. Alguns conseguem avançar mais, outros nem tanto. Mas, todos tocam algo do mestre, e muitos tentam seguir seu estilo.
Alguns exímios gaiteiros que conheço executam músicas de Albino Manique com maestria, agilidade, performance excelente, de forma quase idêntica à “original”, gravada pelo mestre, mas, ainda assim, distante. Evidentemente, não é só a técnica, não é apenas o método de tocar que o tornou o maior ícone entre os gaiteiros. Junte-se, a isso, um gênio criativo e um extremo bom gosto em compor melodias e arranjos musicais com harmonia agradável e, acima de tudo, uma dinâmica perfeita na execução, transpondo “sentimento” ao som, como se sua alma tocasse dentro da gaita, com agilidade e destreza incomparáveis.
Fã “de carteirinha”, coleciono toda sua obra e nunca deixo de incluir suas músicas, tanto no repertório de shows e bailes com nosso Grupo Fandangueiro, quanto em meus programas de rádio. Pude conhecê-lo, conversar muitas vezes, fazer alguma amizade, tocar com ele numa “roda de gaita” e vê-lo se apresentar nos bailes (eu ficava na frente do palco, o tempo todo, assistindo). Homem reservado, tímido, com uma humildade incrível, de poucas palavras. Mas, quando abria a gaita, ela “falava” pelos dois. E como falava!
*Júlio Cézar Leonardi
Músico (acordeonista, cantor e compositor) e radialista (apresentador do programa Fandangueando, veiculado em 80 rádios do sul).
