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Francisco Beltrão
sexta-feira, 20 de junho de 2025

Edição 8.229

20/06/2025

INFRAESTRUTURA E CRISE HÍDRICA

Falta água potável no Nordeste, mas o povo não pode reclamar

José Tenório de Araújo, o Baiano, com seu chapéu de nordestino, no dia desta entrevista.

JdeB – Após ler a matéria “O que dizem da transposição de águas no Nordeste” (JdeB 10-7-2024), o nordestino José Tenório de Araújo, popular Baiano, procurou o jornal para dar mais informações. Ele diz que falta água potável na maioria das cidades do Nordeste, mesmo as mais antigas. E que o povo não pode nem reclamar. Que a solução depende de decisão conjunta dos governos municipais, estaduais e federal.

Baiano nasceu em Águas Belas (PE), em 9-3-1962, residiu também na Bahia e há 40 anos está em Francisco Beltrão. Aposentou-se como operador de máquinas e é o tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores da Madeira de Francisco Beltrão. Fez sua vida aqui, mas diz que tem orgulho de ser pernambucano e, apesar de todas as dificuldades de lá, gostaria de voltar para sua terra. Só não volta porque sua família está aqui. Sua esposa, Cerli Silva Dias, é daqui, e suas duas filhas também. Mas todos os anos ele viaja para o Nordeste, isso há 15 anos. Ele fala, portanto, com o conhecimento de quem nasceu e se criou lá e retorna anualmente para lá, visitando parentes (que ele tem muitos) e não apenas sua cidade natal, mas quase todo o Nordeste, “só o Maranhão que não”.

Baiano, falam tanto de transposição das águas do Rio São Francisco para o Nordeste. Pelo que você conhece, como está essa situação?

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José Baiano: Eu sou pernambucano com muito orgulho e nos últimos 15 anos tenho ido todo ano visitar Pernambuco e todo o Nordeste. A transposição foi muito importante, mas com relação à água potável pra aquela população ainda não está atendendo. Praticamente 80% das cidades do Nordeste não têm água potável suficiente pra atender à demanda. O que está faltando é estação de tratamento. Água até tem em algumas barragens, mas as pequenas prefeituras não têm capacidade técnica pra atender à demanda de água potável. Eu falo isso com muita tristeza, entendeu? Você chega numa cidade como Porto de Águas Belas, que tem 147 anos, a população não tem acesso à água potável. E Venturosa, cidade que tem em torno de 19 mil habitantes, também não tem água potável.

E o que mudou de quando você era criança lá e hoje?

José: Olha, o que mudou praticamente foi aquela quantidade de carros que a gente via da cidade, na época não tinha. E aqueles caminhões-pipa puxando água. Porque na minha época era jumento e eu mesmo puxava no lombo, você entendeu? Mas as pessoas mais pobres continuam puxando no lombo. Puxam das barragens, aquelas barragens nojentas. O gado entra, bebe água, uns cavalos, até porco fuçando e a gente pegando água.

Quando você era criança, lembra de secas maiores também?

José: A gente não tem muita noção de quando é criança, né? Até porque a gente tinha uma situação financeira mais ou menos, morava nas cidades mais importantes e tal. Mas mesmo assim a gente ia 4 horas da manhã no chafariz. O chafariz eram umas duas torneirinhas que tinha da prefeitura que a água chegava lá pelas 3 horas da madrugada e quando era 8 horas da manhã acabava. A gente ia pra fila 4 horas da manhã pra garantir água pra beber. Aquela água fedida, entendeu? Duas latas de 18 litros você puxava no lombo pra garantir água pra beber. E hoje continua assim, aquelas pessoas mais pobres estão puxando água direto.

E a população crescendo.

José: Crescendo. Eu nunca vi tanta gente. Você vai lá e é um formigueiro de gente. Mas você ficar observando o movimento de pessoas correndo atrás de água, parece um formigueiro. É água pra cá, água pra lá na estrada, é jumento puxando água. É carro pipa, você entendeu?

Sim, buscando água basicamente pra beber e fazer comida?

José: Exatamente. Porque nas torneiras mesmo, é pouca cidade que tem. E mesmo assim, em algumas cidades que chega a água não chega em condições de beber. E aquelas pessoas que têm um poder aquisitivo maior, bebem água mineral. Você entendeu? Por isso que eles não reclamam. Aqueles caminhões que vinham dos grandes centros, aquelas águas mineral, aqueles garrafões de 50 litros e tal, entregando naquelas pessoas que têm um poder aquisitivo maior, bebendo água mineral.

E o que teria que fazer lá, Baiano, pra melhorar isso?

José: Ah, o que teria que ser feito é o seguinte, a política pública do governo federal, juntamente com o governo estadual e os prefeitos, pegar isso como prioridade e fazer as estações de tratamento. Se não for feito isso, você vê esse dado lá que tem 150 anos, não tem nem água potável ainda, não tem estação de tratamento. Entendeu? Você chega num rio que corta a cidade, o rio Ipojuca, rio importante, é um esgoto a céu aberto. Todos os rios que cortam o sertão de Pernambuco estão em estações lamentáveis, é largado assim, jogando esgoto dentro, e ninguém faz nada.

E a cidade onde o Lula nasceu, como é que está?

José: A cidade onde o Lula nasceu é Caetés, cidadezinha pequena, pacata, que praticamente não mudou nada. Logo no primeiro mandato do governo Lula, a gente ajudou, inclusive, a eleger e tal, começou lá um projeto, ninguém fala mais, era aquelas usinas de biodiesel que na época foi incentivado o pessoal cortar mamona pra fazer, entendeu? E lá em Caetés tinha uma, mas eu passei lá mais ou menos no final de 2010, parei, entrei, falei com o gerente, ela fechou, por falta de incentivo. Aquelas pequenas fábricas de processamento de óleo de mamona praticamente fecharam tudo, por falta de incentivo, não tem mais não.

Nem na cidade do presidente tem água potável pra todo mundo?

José: Não tem, entendeu? Você não encontra uma cidade num sertão nordestino que tem água potável o suficiente pra população. Garanhus que têm uma água muito boa, água mineral, mesmo assim a população mais pobre ainda não tem acesso 100%.

E aí muita doença vem também?

José:  Ah, meu Deus do céu, é uma tristeza, sabia? E a única coisa que eu reclamo, quando eu vou pro Nordeste, é da questão da água, entendeu? Você fica em alguns hotéis o cara vai falar: “Hoje não vai dar pra tomar banho, porque faltou água e o carro pipa não trouxe”. E você quer ver tristeza é na beira da estrada, nos postos de gasolina. Você não pode usar os banheiros porque não tem água pra dar descarga. Pense a nojeira, entende? Você chega nos postos pra almoçar e não tem água nem pra lavar a mão.

E as pessoas não reclamam?

José: As pessoas acham que assim está bom. Você entendeu? E ninguém reclama, têm medo. Inclusive o seguinte, viu? Lá no Nordeste não é que nem aqui no Sul. Se você começar a ficar reclamando, você é um forte candidato a ir pra cidade do pé junto, viu? Lá continuam, não mudou nada.

Como assim? Quem reclama?

José: Sim, o cara começou a reclamar, eles mandam você fechar a boquinha.

Porque aqui falam que tem que tomar pelo menos dois litros de água por dia e tal.

José: É. Aqui né, mas lá é bem diferente, nem tem pra tomar, você entendeu?

Então a situação tá difícil e não se pode nem falar.

José: Não pode nem reclamar. Se você chega lá e começa a reclamar, você é um forte candidato a sair de lá no caixão. E as pessoas têm medo de reclamar, só vai reclamar se o cara tiver força. Um cara de família tradicional não consegue. Se for um cara assim que não tiver pedigree, ele abriu o bico. O Nordeste não mudou essa questão, entendeu? De reduto.

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