Não há, a rigor, demérito se um grande líder, um homem de comando de tropa e de comando de uma ideia, for derrotado em refregas miúdas. Pode acontecer. É da vida.
A confiar nos escritos de Garibaldi, o “herói de dois mundos”, o general Bento Gonçalves era de fato um grande líder, e querido pelo povo gaúcho, mas era ruim no comando das pequenas batalhas. Isto está registrado nas memórias do italiano famoso, que aderiu aos farrapos em 1838 (a Guerra dos Farrapos foi de 1835 a 45), quando estava com uns 30 anos. Depois Garibaldi voltou pra Europa e fez história na luta italiana (junto com a catarinense Anita).
*
Mas quero registrar aqui uma passagem das memórias de Garibaldi sobre Bento Gonçalves: “Em campanha, passava como o mais ínfimo habitante do campo, isto é, comia carne assada e água pura. Com tais dotes naturais e adquiridos, Bento Gonçalves era ídolo dos seus concidadãos; no entanto, coisa estranha, foi quase sempre infeliz nas empresas guerreiras, o que me faz crer que o acaso é superior ao gênio para as coisas da guerra e para o êxito dos heróis”.
*
Gostei dessa: “O acaso é superior ao gênio para as coisas da guerra e para o êxito dos heróis”. Brincando com as palavras, poderíamos inverter um pouco: o êxito dos heróis depende também do acaso (da sorte).
*
Escrevo isso baseado na reportagem do jornal “Coojornal”, uma publicação gaúcha de 1978, num texto de Jorge Escosteguy intitulado “A face oculta dos heróis”. De fato, imaginar que o grande Bento perdia batalhas parece contraditório com sua posição à frente de um movimento grandioso que, no limite, flertava com a separação do Rio Grande do Sul do Brasil. Ou, de outra forma: Bento Gonçalves poderia estar liderando a construção de um novo país.
*
Sim, sim, somos humanos e os heróis humanos também têm suas vacilações. E podem perder batalhas. Heróis perfeitos só mesmo na ficção. E não há, a rigor, demérito se um grande líder, um homem de comando de tropa e de comando de uma ideia, for derrotado em refregas miúdas. Pode acontecer. É da vida.
*
Nas suas memórias, Garibaldi também se revela apaixonado. No caso, por Manuela. Escreve o rapaz: “(…) três moças que rivalizavam em encantos, eram o perfeito ornamento deste delicioso recinto. Uma dessas jovens, Manuela, era a senhora absoluta do meu coração; sem esperança de poder possuí-la, ainda assim não podia deixar de amá-la. Era a esposa de um dos filhos de Bento Gonçalves. (…) Num momento de perigo, tive ocasião de saber que não era totalmente indiferente à dama dos meus pensamentos; e a certeza que obtive de sua simpatia serviu para minorar a desgraça de que nunca deveria me pertencer”.
*
Esse amor (antes dele conhecer Anita) aparece na obra “A casa das sete mulheres”, que foi uma minissérie de sucesso na Globo há uns 20 anos.
*
Faço esse pequeno resgate curioso hoje em homenagem à data de depois de amanhã, o 20 de setembro, dia de lembrarmos dos valentes farroupilhas que enfrentaram o império por incríveis dez anos! Estão na nossa história, com orgulho, Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi, David Canabarro, Souza Netto, Corte Real, Gomes Jardim, Onofre Pires, Vicente da Fontoura…