Laboratório em Francisco Beltrão será referência na análise de resíduos químicos e sua relação com o câncer de mama.

O Laboratório de Biologia de Tumores (LBT), vinculado ao curso de Medicina da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Francisco Beltrão, acaba de receber um moderno equipamento que vai ampliar significativamente a capacidade de análise dos efeitos dos agrotóxicos na saúde humana. A novidade é fruto de um convênio no valor de R$ 2,6 milhões firmado entre a Unioeste e a Itaipu Binacional, que resultou na criação da Unidade de Análise de Micropoluentes, estrutura dedicada ao estudo da contaminação humana e da fauna terrestre nas regiões Sudoeste e Oeste do Paraná.
Há uma década, o grupo de pesquisa da universidade investiga os impactos da exposição ocupacional e ambiental aos agrotóxicos, com foco especial em mulheres dos 27 municípios da microrregião de Francisco Beltrão. Segundo a coordenadora do LBT, professora doutora Carolina Panis, os resultados são alarmantes. “Identificamos índices de incidência e mortalidade 50% e 15% superiores, respectivamente, em comparação com a média nacional. Avaliamos mais de mil mulheres e observamos que o risco de desenvolver câncer de mama é 32% maior, com um aumento de 52% nas chances de ocorrência de metástases.”
De acordo com a pesquisadora, a principal via de exposição ocupacional foi a contaminação dérmica, especialmente durante o processo de lavagem de roupas e equipamentos usados na aplicação de agrotóxicos. “Nessa população, o câncer de mama apresenta um perfil mais agressivo, com predomínio de subtipos tumorais associados à disfunção imunológica e à baixa resposta ao tratamento”, relata. “Também documentamos ampla contaminação ambiental, principalmente por meio da água destinada ao consumo humano, a qual apresentou resíduos de agrotóxicos em níveis preocupantes, correlacionando-se com os altos índices de câncer observados na região, incluindo o câncer de mama.
Unidade de Análise de Micropoluentes
Foi esse cenário que motivou a equipe a buscar apoio para avançar na pesquisa. “Encaminhamos essa demanda à presidência de Itaipu, que prontamente analisou a proposta e viabilizou a criação de um núcleo de monitoramento de agrotóxicos.” Com isso, foi instituída, no âmbito do Laboratório de Biologia de Tumores da Unioeste, a Unidade de Análise de Micropoluentes, com o objetivo de traçar o perfil de contaminação por agrotóxicos nas populações do Sudoeste e Oeste do Paraná, bem como investigar sua relação com o desenvolvimento de doenças, especialmente o câncer de mama.
O investimento viabilizou a aquisição de um equipamento de alta performance, capaz de detectar e quantificar mais de 400 resíduos de agrotóxicos em amostras humanas, animais e ambientais. “Sem o investimento de Itaipu, dificilmente teríamos uma estrutura deste porte no Sudoeste do Paraná. Com este equipamento será possível investigar de forma precisa como os agrotóxicos se correlacionam como causa de doenças como o câncer.”
O diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Ênio Verri, celebrou a parceria. “Investir em saúde e pesquisa é investir no bem-estar das pessoas. Esse laboratório é um marco para entender e combater o câncer de mama na região.”
Avanço técnico e científico
A nova estrutura, segundo Panis, representa um avanço técnico e científico sem precedentes. “Ao longo de uma década, nosso grupo vem gerando evidências robustas que associam a exposição ocupacional e ambiental a agrotóxicos com o aumento significativo na incidência, agressividade e mortalidade por câncer de mama em mulheres dos 27 municípios do Sudoeste do Paraná. Diante da complexidade desse cenário, torna-se imprescindível dispor de uma estrutura analítica própria, moderna e de alta performance, que permita a identificação precisa e a quantificação simultânea de centenas de resíduos em matrizes humanas, animais e ambientais.”
Ela ressalta que a nova Unidade garante a continuidade e expansão das pesquisas e assegura a rastreabilidade dos dados gerados. “Além disso, a estrutura permite respostas rápidas a demandas emergenciais de saúde pública, subsidiando a formulação de políticas de prevenção e mitigação de riscos. Trata-se, portanto, de uma infraestrutura estratégica, não apenas para a produção científica de excelência, mas para a proteção efetiva da saúde das populações expostas e para a geração de conhecimento inédito sobre a relação entre contaminantes ambientais e o câncer.”
Até recentemente, as pesquisas baseavam-se em dados de natureza observacional. “Nossas evidências sobre os efeitos da exposição aos agrotóxicos eram majoritariamente baseadas em relatos das próprias pacientes sobre sua rotina, histórico de exposição e ambiente de vida e trabalho. Embora esses dados tenham sido essenciais para delinear o cenário epidemiológico da região, sua natureza subjetiva impunha limitações quanto à comprovação da exposição direta e à identificação precisa dos agentes envolvidos.”
De acordo com a cientista, com a nova tecnologia, esse cenário muda completamente. “Passaremos a contar com dados objetivos e quantitativos, capazes de revelar não apenas a presença, mas também o tipo e a concentração dos agrotóxicos em diferentes matrizes — como sangue, urina, tecidos, água e alimentos. Isso representa um salto qualitativo fundamental para a robustez científica de nossos estudos.”
Carolina entende que a geração de dados analíticos consistentes fortalece a capacidade do grupo em compreender os mecanismos biológicos envolvidos, identificar populações de maior risco e contribuir com informações estratégicas para ações de saúde pública e regulamentação ambiental baseadas em evidências concretas.
Estudo populacional inédito
Um dos destaques dessa nova fase é a realização de um estudo populacional inédito, com foco em indivíduos sem diagnóstico de câncer. “Vamos realizar o primeiro estudo abrangente sobre a contaminação por agrotóxicos em pessoas da população geral do Sudoeste do Paraná. Diferentemente dos estudos anteriores, este novo esforço permitirá uma avaliação mais ampla e representativa, incluindo homens e mulheres de diferentes faixas etárias, ocupações e localidades urbanas e rurais”, adiantou a coordenadora do LBT. O objetivo é mapear os níveis de contaminação em pessoas que não manifestaram a doença, possibilitando a identificação de fatores de risco antes do surgimento de patologias. “Isso permitirá distinguir com maior clareza os impactos da exposição ocupacional — como ocorre com trabalhadores rurais diretamente envolvidos na aplicação de agrotóxicos — e os da exposição ambiental ou ocasional, que afeta indivíduos que vivem próximos a áreas agrícolas, consomem alimentos contaminados ou utilizam água com resíduos químicos.”
A expectativa é que os dados forneçam base para políticas públicas mais eficazes. Além disso, esse estudo fornecerá uma base epidemiológica sólida e inédita para entender os mecanismos de ação dos agrotóxicos no organismo humano, identificar populações vulneráveis e subsidiar políticas públicas de vigilância, regulação e educação em saúde ambiental.
O médico oncologista Daniel Rech, coordenador clínico do Centro de Oncologia de Francisco Beltrão e professor de Medicina da Unioeste, também falou da relevância do novo equipamento. “Em termos práticos, esse equipamento vai permitir a análise da intensidade de contaminação a que somos silenciosamente submetidos, além de conseguirmos comparar os efeitos quase que diretamente na nossa própria população. Estaremos analisando as condições, sem intermediários ou interferências, quase em tempo real. Imagino que comparar esses dados com as informações que já possuímos pode ser perturbador.”