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Francisco Beltrão
sexta-feira, 06 de junho de 2025

Edição 8.220

06/06/2025

Ivo Thomazoni: Por que Jango veio a Pato Branco e não Beltrão?

Nesta segunda parte da entrevista concedida ao Jornal de Beltrão dia 20 de julho último, em Francisco Beltrão, o ex-prefeito e ex-deputado de Pato Branco Ivo Thomazoni mostra que teve atuação decisiva também na regularização das terras do Sudoeste, pois foi através de uma negociação política mediada por ele que o presidente João Goulart veio a Pato Branco para criar o Getsop, órgão misto dos governos federal e estadual que desapropriou e regularizou as terras litigiosas da região que haviam provocado a Revolta de 57.

JdeB – Como que a vinda do presidente João Goulart a Pato Branco se originou na renúncia do Jânio Quadros?
Ivo Thomazoni – Veja só, quando eu ganhei a eleição, e me elegi prefeito, o Ney (Braga) se elegeu governador, e o Jânio se elegeu presidente. Nós não tínhamos partidos fortes. Partidos fortes eram o PTB e o PSD que ainda mantinha o colegiado de deputados federais e estaduais. O que aconteceu? O Ney se elegeu como eu em Pato Branco prefeito. Eu fiz dois vereadores em nove. O Ney fez na Assembleia Legislativa uma minoria insignificante, então ele tinha dificuldades, mas o Jânio lhe dava, no plano federal, todo o apoio. E o Ney até arriscava que, com o apoio do Jânio, em troca de favores sei lá, a Assembleia até estava aceitando alguma coisa, mas o Ney tinha ambições muito grandes de mudar a administração do Estado.
Antes do Jânio renunciar, o Ney cumpriu a promessa que nos fez de que o Jânio haveria de desapropriar as terras do Sudoeste, as glebas Missões e parte da Chopim, por interesse social. O Jânio cumpriu, desapropriou, o ato desapropriatório você tem um número, tem data e tudo. O que que aconteceu? Em nove meses o Jânio renuncia ao governo, sabia que o vice presidente tinha sido o Jango Goulart do PTB, adversário ferrenho da UDN, porque a UDN era comandado por um cidadão chamado Carlos Lacerda que não admitia conversar sequer. Aí o Ney perguntou: “E agora?” Tentou apoio junto ao PTB com algumas coisas, e o PTB fez uma carta de intenções: “Apoiamos seu governo na Assembleia Legislativa em troca de algumas coisas, primeiro: em 62, no ano que vem, nós vamos ter eleição pra senador, são dois terços, ou duas vagas, dessas duas vagas nós queremos uma, candidato que nós vamos indicar; item dois: queremos liderança política, apoio, é… liderança política, comando político em todos os municípios do Paraná em que o PTB tenha prefeito municipal”, e algumas outras exigências; e o Ney também deve ter feito algumas exigências pra eles. E saiu disso um documento, que, segundo eu fui informado, quem tem esse documento nas mãos é um jornalista chamado Sílvio Sebastiani, esse documento lhe teria sido entregue pelo Norton Macedo, que era um homem de confiança do Ney.
Veja, o Ney se viu encurralado e chamou as lideranças do Estado, que o haviam apoiado. Como na região aqui ninguém tinha apoiado o Ney, a não ser eu assim político com um pouco de expressão, chamou a mim, chamou o velho Marcos Leão de Guarapuava, que comandava a UDN, chamou da Lapa o Sérgio Leoni, que também chefiava a política lá, chamou de Ponta Grossa o pessoal da família Vargas, João Vargas de Oliveira, e outros; chamou de Londrina Osken de Novais; de Maringá não o grupo do Haroldo, mas outro grupo da UDN que havia apoiado ele, e o outro grupo tinha apoiado o Maculan; e sei que as lideranças todas do palácio. O Ney disse: “Olha, estou desesperado, perdi todo, todo, todo o comando e contato em Brasília, o presidente deixou a presidência, assume o Jango, o Jango vocês conhecem as diferenças que vocês têm com ele, nós temos com ele, tenho minoria na Assembleia, nós precisamos da Assembleia, e o PTB nos propôs isso”. Quando ele falou, eu fiquei desesperado, porque primeiro ele falou só no caso de senador, aí eu disse: “Não, não tem problema, podemos aceitar uma candidatura deles e uma nossa”. Aí seria uma da UDN e uma do PTB, tanto que nós lançamos o Adolfo de Oliveira Franco da UDN, e o Amauri de Oliveira e Silva pelo PTB que eles indicaram. Ganhamos a eleição fácil, fácil, não sei, acho que fizemos quase 70% ou mais dos votos no Paraná. Mas quando ele falou em darmos ao PTB comando político e liderança nos municípios em que eles tinham prefeito eu me desesperei, a UDN só tinha Pato Branco e São João, que eu havia eleito em São João, eu disse: “Meu Deus! E agora?” Fiquei quieto, e o Marcos Leão ergueu a voz, levantou, argumentou, e o Ney disse que tinha que cumprir, que tinha que não sei o que.
O Marcos Leão saiu da reunião batendo a porta e se considerava fora do governo, o Leônidas Lapa também brigou com o Ney, não aceitou, foi embora. O Osken de Novais falou tal, achando que nós devíamos ajudar o Paraná; João Vargas de Oliveira também; e algumas lideranças aceitaram. Veja o que aconteceu, eu levantei e disse: “Ney, você acaba comigo, veja que você já nomeou todos os nossos companheiros para os cargos estaduais nos municípios”. Ele já tinha nomeado em Francisco Beltrão delegado de polícia, inspetor de ensino, diretores de colégios, coletor estadual, enfim, todas as ocupações de posse do Estado já tinham sido nomeadas aqui e disse: “E agora? Você acerta isso? Vai ter que substituir” Ele disse: “Pra cumprir o acordo, sim!”, “Então simplesmente você acabou comigo! Como é que eu vou chegar em Francisco Beltrão e dizer pro Prolo reúna os companheiros, diga que as nomeações não valem; Santo Antônio, Marmeleiro, Renascença, Meu Deus! Toda a parte”. A verdade é que ele disse: “Não há outra solução”. “Então você me desculpe, eu tô rompido”. Quando eu tava saindo ele gritou: “Ivo. para!” Eu parei, olhei pra ele, “qual é o seu maior sonho?” Eu disse: “Você sabe que, além de ser bom prefeito, nosso sonho lá, nossa briga é a titulação das terras, para os ocupantes, e a instalação da paz social, você sabe que nós pedimos a você, demos apoio a você inclusive, com a promessa de que Jânio desapropriaria as terras, e o Jânio desapropriou, agora só falta titular”. Mas quem vai titular não é o governo federal? “Isso eu não sei” Diz ele: “É o governo federal, ele que se empossou, nós queremos estabelecer um convênio, Governo do Estado e Governo Federal pra instalar um órgão pra legalizar as terras, como é que eu vou fazer isto sem ter contato, ser companheiro do presidente da República, e vai precisar muita boa vontade”. Eu perguntei: “E daí, Ney, o que que você propõe?” “Eu proponho que o presidente da República – vou fazer consumado o acerto aqui – que o presidente da República complete o ato de desapropriação empossando o Governo Federal na posse da terra, que o governo ainda não se fez dono da terra de fato e de direito, de fato sim porque assinou a desapropriação, mas não completou o ato, dando ao poder judiciário as garantias de que lá no futuro se alguém disser que é dono da terra, possa ressarcir os verdadeiros donos e tal”. Eu disse: “Meu Deus!” Ele disse: “Bom, prometo a você, levo o presidente da República em Pato Branco, e você haverá de recepcionar como prefeito o presidente em Pato Branco, e nós haveremos de criar o órgão que vai…”, e prometeu, prometeu, prometeu. Eu disse: “Nessas condições eu me arrisco a perder todo o apoio do pessoal e a ficar com você”. E vim embora. E, depois, você conhece a história…

JdeB – Por isso então que o Jango veio pra Pato Branco e não veio pra Beltrão?
Ivo Thomazoni – Veio pra Pato Branco e na prefeitura eu armei o palanque, dei o discurso de boas-vindas pro Jango, fiz todo o laudatório. Claro, tive que dividir a festa com o PTB, porque o homem era do PTB. Uma das coisas, eu ia buscar o presidente no aeroporto, aí o presidente do PTB, o Maciel, disse: “Não, peraí, eu sou o presidente do diretório do PTB, eu vou com meu jipe buscar o presidente, e você, prefeito, vai comigo aqui, na frente, e eles vão em pé atrás”. Então, quem veio em pé, atrás: Jango, Ney e um general que era chefe do gabinete militar da presidência da república. Eles três atrás e eu e ele no jipe na frente. Chegamos lá e foi aquele foguetório, e praça lotada de gente, e o Ivo deu um discurso, não sem antes ouvir dos udenistas dizendo “se o senhor der um discurso puxando o saco do PTB, nós largamos o senhor, o senhor fica sozinho na UDN!”. Eu disse “mas o homem é presidente da República, eu sou prefeito, vou dizer o que precisa”. Fui lá, elogiei o Jango pela vontade de terminar com o problema aqui e tal. Quando eu terminei o discurso, tirei do meu bolso um envelope, e nesse envelope estava todo o projeto de abastecimento de água de Pato Branco, o orçamento, o custo e uma carta minha pedindo a ele que, por favor, me ajudasse nisso. Entreguei pra ele e disse: “Olha, como prefeito sou obrigado e lhe entregar isto”. Ele olhou pro general e disse assim: “Me entregue no avião”. Eu me lembro que depois eu disse pro Ney: “Coitada da minha correspondência, vai pro cesto, pra sexta sessão”. O Ney: “Que sexta sessão?” “Lixo”. E ele: “Não senhor, ele vai ler!” Tanto que leu e que gostou do que nós fizemos aqui, que vinte e poucos dias depois, dez milhões, na época nem sei o valor, mas era um dinheirão, estava no Banco do Brasil de União da Vitória à minha disposição pra comprar todo o material de abastecimento de água de Pato Branco. Comprei à vista, e não queriam vender porque era pra prefeitura. Quando eu disse que ia dar à vista, o pessoal ficou louco, eles não acreditaram.

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JdeB – O senhor aproveitou bem a visita do Jango.
Ivo Thomazoni – Sim, eu consegui todo o dinheiro pro abastecimento de água, pude argumentar com o meu pessoal, ninguém jamais teria feito isso se não fosse com o dinheiro dele, e fui pra Curitiba e não sabia sequer como abrir concorrência pública pra comprar, pois era muito dinheiro. Fui ao DATM, o Departamento de Assistência aos Municípios, cheguei lá no Brito de Lacerda que era o diretor nomeado pelo Ney, e eu disse: “Lacerda por favor, como que eu compro isso aqui?” Ele disse “pera aí, você fala aqui com o pessoal da jurídica”. Aí o pessoal disse: “Não, isso daí só tem ferro flex, não tem similar no mercado, só tem um que é da siderúrgica nacional e quem vende nisso é a Parbará”. “E que que eu faço?” “Não, não, é só ir lá, e vamos lá!”. Foram comigo dois advogados e compramos o material, à vista. Quando nós pedimos pra Prefeitura de Pato Branco, eles fizeram cara feia. Eu disse: “Não, eu só queria que os senhores verificassem se o orçamento ainda vale”. Aí um deles se arriscou a perguntar: “Como que vocês pretendem pagar?” Eu disse: “À vista”. Aí foi um corre-corre. No dia seguinte tava o negócio fechado, tava tudo comprado, aí eu fiz licitação só para o transporte de material, três companhias, as transportadoras entraram na concorrência e quem ganhou foi o Dário Virgílio Rossi. Trouxemos todo o material a Pato Branco, deixei todos naquela praça onde hoje está a prefeitura, construí uma casa pra abrigar o material e aquelas coisas que podiam ser perecíveis. E tem uma história dessa instância que eu não quero nem contar porque meu Deus do céu! Bom, o fato é que o Jango disse no discurso dele, falou da desapropriação, ele disse que entregaria ao vice-presidente do Superior Tribunal um cheque no valor de X não sei para que a União tomasse posse das levas desapropriadas e fosse, então, dona de fato e de direito das terras, e, na condição de dono de fato e de direito das terras, ele assinava em Pato Branco o decreto que criava o Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná, e foi foguetório, meu Deus do céu! Assinou no palanque o decreto que criou o Getsop. Foi uma festa, puxa, nada me deixou mais alegre na vida pública, e depois a sequência disso só nós sabemos.
Criado o Getsop, precisava indicar um diretor pra cá, tínhamos medo que indicassem um homem viciado no DVTC dos velhos tempos. O Prolo me chamou e disse: “Pelo amor de Deus, o senhor não tem lá um homem chamado Deni Lineu Schwartz?” “Tem.” “Vai lá e indique antes que o Ney nomeie alguém!” Eu fui lá, falei com o Ney, dei o nome. Ele disse assim: “O Brasílio já me falou nesse menino, que é o representante do Paraná em Porto Alegre junto à Superintendência de Desenvolvimento do Extremo Sul, é esse?” “É esse, sim senhor, o senhor que nomeou! Que eu trouxe pro senhor.” “Ah, me lembro, é ele.” Falou com o Brasílio, ele já gozava da confiança do Brasílio, que veio pra cá.

JdeB – Tudo resolvido?
Ivo Thomazoni – Nós ainda tivemos algumas lutas pra discutir com o governo da União sobre as formas de legalizar as terras, alguns homens de esquerda do governo do Jango queriam que as terras fossem tituladas por módulos, alguns defendiam módulos de 10 hectares, 15 hectares, 20 hectares e baixarada que só dar confusão, conseguimos impor a boa-vontade, e nisto o Deni ajudou muito, pra que as terras fossem legalizadas, tituladas de acordo com a divisa que os posseiros mantivessem e respeitassem entre si, uma das coisa que se conseguiu. Mas depois disso a história todos conhecem, nós tivemos milhares de bônus.

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