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Francisco Beltrão
sexta-feira, 06 de junho de 2025

Edição 8.220

06/06/2025

Luiz Dierings: os desafios do cooperativismo

Lotário Luiz Dierings nasceu em Carazinho (RS), dia 13 de abril de 1951, filho de José Clemente Dierings e Maria Dierings. Passou sua infância em Selbach, distrito de Carazinho. Sua família vivia da agricultura.
No ano de 1974, com 23 anos, Lotário, juntamente com seus pais e quatro dos seus nove irmãos, veio ao Sudoeste do Paraná, em busca de melhores condições de vida, pois apostavam que nessa região as terras eram férteis e poderiam melhorar a atividade agrícola. Sendo assim, a família Dierings veio residir no município de São João.
Essa época era o início da mecanização agrícola e a família Dierings foi pioneira em São João na utilização do calcário para fertilizar as terras.
Lotário Luiz Dierings já conhecia Delina Dendena, natural de Espumoso (RS). Em 4 de outubro de 1975, casaram-se e dessa união nasceram três filhos: Leila, Leandro e Letícia; e dois netos: Nathália e Lucas.
Sua vida no cooperativismo iniciou cedo. Desde meados de 1975 Lotário começou a participar dos comitês da cooperativa agropecuária Coasul. Em 1979, foi eleito diretor secretário desta cooperativa, permanecendo no cargo até 1995; foram 16 anos de história na Coasul.
Com a iniciativa dos agricultores e associados da própria Coasul em fundar uma cooperativa de crédito, em 1991 constituiu-se a Credicoasul e Lotário foi eleito secretário. No segundo mandato, passou a vice-presidente e em 1998 tornou-se presidente do então Sicredi Iguaçu PR/SC e permanece neste cargo até hoje.
Além disso, Lotário sempre participou da liderança de várias entidades do município como a Igreja Matriz, da qual foi presidente do conselho paroquial de 1998 a 2000.
Participou também do Conselho de Administração da Central Sicredi PR/SC por dois mandatos (2000-2003 e 2003-2006).
Nessa época também foi conselheiro fiscal da Confederação Sicredi. Em 2009 foi membro do conselho fiscal da Central Sicredi PR/SC.
Lotário, além de ser um grande cooperativista, sempre esteve presente nas defesas sociais, nas entidades de classe e sindicais. Com a sua permanência no Sistema Sicredi, participou de viagens de estudo pela França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. Confira a entrevista abaixo.

JdeB – Sua família foi pioneira no uso do calcário em São João?
Lotário – Na realidade, a região do Sudoeste era uma região muito rica em terra fértil, mas mesmo assim, com o decorrer do tempo, havia necessidade de correção. Logo que nós chegamos ao Paraná, eu colhi amostras, e não tinha laboratório aqui na região, eu levei pessoalmente a Passo Fundo (RS) e mandei analisar, e deu uma deficiência no calcário. Nós colocamos, no primeiro ano, em 30 alqueires de lavoura, na faixa de oito a dez toneladas por alqueire. Deu um resultado imediato, foi muito bom, a produtividade aumentou já no segundo ano acima do esperado. A grande maioria aqui do pessoal do Sudoeste não conhecia o calcário, mas como nós já vínhamos de uma região com uma agricultura mais antiga, com solos mais degradados, optamos por partir para a tecnologia e foi o nosso grande avanço, a grande conquista, nós conseguimos colher bons frutos, logo no início que chegamos no Paraná. A produção aumentou no primeiro ano em 20% e no segundo, em 30%. Então inicialmente isso mostrou que havia deficiência de calcário na nossa região também.

JdeB – O senhor vem de uma família de nove irmãos. Como era a vida de sua família?
Lotário – A realidade nós somos uma família grande, o nosso início na adolescência não foi muito fácil. Na época, a área de terra que o pai tinha na região não era muito grande e era preciso viver em cima daquilo. Não tinha automóvel, o nosso transporte era a charrete, cavalo, e mais pra frente conseguimos até comprar uma bicicleta. Veja bem, hoje se um filho não ganha um carro quando completa 18 anos, não tá satisfeito, e o nosso meio de transporte era cavalo, bicicleta. Na realidade, nós iniciamos a mecanização no Rio Grande nos anos de 65 a 67 quando o meu pai comprou o primeiro trator, um importado da Tchecoslováquia, era importado, ele levou bastante tempo pra pagar o trator, a produção não era muita e na realidade tinha que economizar bastante pra conseguir liquidar as parcelas. Mas graças a Deus sempre foi bem nas colheitas.

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JdeB – Em 1975 o senhor começa no cooperativismo, na Coasul, uma cooperativa que tinha seis ou sete anos de existência.
Lotário – É, realmente, eu participei os primeiros três anos no comitê educativo. Nós chegamos aqui no Paraná e não tínhamos nem uma estrutura praticamente formada pra cooperativa, e logo em seguida, quando venceu o mandato dos antecessores, eles já me convidaram para ser diretor secretário, porque eu já tinha um pouco de experiência no cooperativismo no Rio Grande do Sul, e nós aceitamos entrar para a cooperativa para que nós tivéssemos um futuro garantido, aonde nós poderíamos entregar nossa produção. Na realidade, a Coasul não tinha estrutura, um ano antes que eu entrei no conselho de administração eles perderam 25 mil sacos de milho, porque apodreceu nos armazéns e isso deu um fracasso grande pra cooperativa. Me lembro o seguinte, quando eu entrei no primeiro ano, eu e o Paulino fomos pra Curitiba buscar recursos para construir um armazém novo, me lembro que quando nós fizemos os orçamentos das Baterias Silos, que estão até hoje lá as quatro baterias, o Paulino falou “olha, Lotário, isso aqui é muito caro, e eu acho que não dá pra fazer”. Aí falei pra ele o seguinte: “Eu vou hipotecar um pedaço de terra”, como nós hipotecamos a terra minha, a dele também. E falei “você pode escolher três propostas: ou nós vamos construir; ou vou renunciar; ou vendemos a cooperativa, porque assim não dá pra tocar”. Daí o Paulino se encorajou e construímos, a cooperativa começou a evoluir, mas sempre com muito cuidado, com os pés no chão, porque não é muito fácil administrar o cooperativismo. Eu sempre falo o seguinte: o cooperativismo tem dois pesos e duas medidas, você nunca pode pensar só no lado do associado e não só no lado da cooperativa, tem que ir numa balança equilibrada, senão a cooperativa não tem sucesso. Nós vimos aqui na região vários fracassos de cooperativas de créditos, cooperativas de produção, talvez ali foi má gestão, ou falta de vontade.

JdeB – A cooperativa tem que ter profissionalismo?
Lotário – Muito profissionalismo, e a pessoa tem que se dedicar à administração, tem que estar por dentro e saber o que acontece dentro da sua empresa e tem que ter profissionalismo. Até eu digo o seguinte, o presidente é presidente, mas tem que estar bem assessorado, ele tem que ter pessoas competentes, porque o presidente sozinho não faz nada em uma cooperativa, isso é obvio, e nem ao conselho de administração, se não tiver os executivos capacitados, ele não tem sucesso, ele tem que ter pessoas profissionais, que executam as tarefas determinadas pelo conselho de administração.

JdeB – O senhor começou no comitê educativo. Como era o trabalho de conversar com os agricultores, fazer reuniões?
Lotário – A cooperativa tinha um assessor em convênio com a Emater e começou a trabalhar com as lideranças e com os associados ou produtores rurais, para que eles começassem a multiplicar essas ideias. Será que vai dar certo? Eu sempre dizia: no cooperativismo você tem que ter pensamento positivo, se você tiver negativo, nada funciona, daí você contamina todo o quadro social sempre pensando positivo numa sociedade, senão a coisa não anda, não funciona e não deslancha.

JdeB – E a sua atividade como agricultor. Quem é que toca hoje a propriedade?
Lotário – Na realidade até três anos atrás eu mesmo administrava, mas hoje eu tenho o meu filho mais velho, o Leandro, ele é formado em Agronomia, ele, como é um profissional na área, tá administrando a propriedade e com muito sucesso, nós temos uma boa produtividade, uma área boa, com bom maquinário e praticamente sem dívida. Isso é o que mais me anima hoje, mais me tranquiliza. Uma boa produção durante o ano e sem compromissos, sem comprometimento da área financeira.

JdeB – O senhor tem alguma frustração como agricultor nestes anos todos?
Lotário – Olha, que nem eu sempre digo, você tem que ter pensamentos positivos, porque nós passamos secas severas em 78, 79, quando nós tivemos praticamente safras totalmente frustradas, mas eu nunca desanimei na agricultura, a agricultura na realidade é desestressante, você tá lá, vendo a planta crescer, e o que eu mais gosto é ser agricultor mesmo. Eu gosto de agricultura e continuo sendo agricultor e vou continuar pra sempre, até o último dia.

JdeB – O senhor visitou vários países na Europa. Daquilo que viu lá, chegou a implantar alguma coisa na sua propriedade ou na cooperativa?
Lotário – Evidentemente, todas foram viagens de estudo, eu estive na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Alemanha. Principalmente na Alemanha a gente viu muito sobre cooperativismo de crédito. Nós copiamos praticamente o modelo que os alemães estão usando hoje. A gente tirou uma parte boa deles e misturou a parte mais ruim com a nossa. Isso deu um reflexo muito positivo, hoje colhemos bons frutos que o Sicredi fez aquela parceria com o Rabobank, o banco holandês, um banco muito bem conceituado em nível mundial. Ele está em 42 países e fez um levantamento, uma triagem dentro das cooperativas de crédito do sistema dentro do país e ele simplesmente escolheu o Sicredi. Por quê? Porque o Sicredi tem praticamente a mesma filosofia de trabalho que o Rabobank tem, na Europa, nos países que ele atua. Praticamente ele já está no plano deles. Várias outras cooperativas queriam ser parceiras do Rabobank e ele escolheu o Sicredi, porque o Sicredi é o melhor sistema cooperativo, é o mais organizado de todos os sistemas da América do Sul.

JdeB – E na propriedade?
Lotário – Ah tá, na propriedade sim. Na propriedade, por exemplo, nos estados que a gente viu a tecnologia que eles usam na lavoura. Eles são muito bons em produção de milho. Agora soja não é tanto. O Brasil tem potencial maior em termos de produtividade do que eles. O limite deles chega aí na faixa de 50 sacas por hectare, 55. Nós chegamos aqui em anos bons de 60 a 70 sacas. Evidente que a média nacional não é essa, mas a nossa região está muito bem conceituada em produtividade. E a gente vem vindo na França, por exemplo, França e Inglaterra são países que não têm muito avanço na agricultura, eles produzem, o forte deles é trigo, área leiteira que é muito forte e um pouco de frangos e suínos. Mas eles não têm muita expansão mais pra frente, então hoje o grande produtor mundial ainda são os EUA, eles têm um campo bem controlado e bem conduzido.

JdeB – Embora a agricultura tenha crescido em produção, produtividade e tecnologia, o êxodo rural continua acontecendo em menor escala, isso o preocupa?
Lotário – É realmente uma preocupação muito grande que a gente tem, inclusive nós estamos várias vezes no conselho de administração, porque a faixa de idade que nós temos dentro do Sicredi hoje está bastante avançada, por exemplo nós temos o município de Sulina, pegando município pequeno, a faixa etária, a média é 55 anos de idade, então, com o programa “União Faz a Vida”, nós estamos introduzindo isso nas escolas para que essa juventude já venha para o lado do cooperativismo, tanto produção de crédito como outros segmentos, senão nós vamos ter no futuro algum problema com a faixa etária, talvez os antigos estão saindo e a gente tem que preparar essa juventude para ter uma base de sustentar o futuro. É uma preocupação, sim.

JdeB – A sua vida, já são 35 anos de cooperativa, o que mudou como pessoa, como pai de família, como executivo ter essa vivência de tantos anos no cooperativismo?
Lotário – Praticamente não mudou nada, porque a gente tem aquele trabalho diário, só que tem que conciliar uma coisa. Em primeiro lugar você tem que dar também um pouco de atenção à família, à sociedade em si. Você também não pode ser escravo de uma empresa. Você tem que tirar teus diazinhos e sair um pouco para refrescar um pouco a cabeça. Mas eu não sou muito disso. Praticamente não sou de tirar férias, eu trabalho praticamente os 12 meses do ano. A gente tira um dia, dois ou três e vai fazer uma pescaria, mas não é muito fácil, por todo esse tempo, eu praticamente passei a minha vida inteira dentro do cooperativismo, mas é gratificante. Eu, se fosse começar hoje tudo de novo, eu faria, começaria tudo do zero e enfrentava tudo isso. Porque tudo o que nós enfrentamos, colhemos bons frutos e com muito orgulho. No caso do Sicredi também, quando nós iniciamos a reunião em 1991. Estamos hoje com 18 anos de cooperativa, a mais jovem dentro do Paraná. Ela iniciou numa estaca zero e hoje tem o seu patrimônio lá de 38 milhões de reais. Nós construímos um bom patrimônio. Um capital social de 17 milhões e pouco. E um fundo de reserva alto já de 9 milhões de reais. E hoje a Sicredi administra 144 milhões e esses são números do final do mês. Mas é gratificante. Eu faria isso tudo de novo se pudesse fazer.

JdeB – O senhor viu fundar, crescer e se desenvolver a Crédicoasul, depois Sicredi. Quais foram os percalços e dificuldades nestes mais de 15 anos?
Lotário – Olha, no início, por exemplo, no caso do Sicredi é evidente que a gente enfrentou vários percalços porque, imagine você, criar uma instituição financeira sem dinheiro. Você tem que ter muita persistência, não desanimar nunca, porque nós começamos o Sicredi com o que seria hoje 12 mil reais. Na época, 6 mil reais foi posto no Banco Central, como depósito compulsório, e nós iniciamos a empresa com 6 mil reais. Mas o associado foi muito gentil e enviou. Ele capitalizou, ele foi capitalizando, foi capitalizando, foi colocando dinheiro, aqueles pouquinhos que hoje chegaram a 18 milhões de reais, então o associado realmente confiou. Porque nós iniciamos com os pés no chão. Com trabalho sério, honesto e competente e realmente o associado confiou nessa empresa e construiu essa empresa.  A gente enfrentou muitas dificuldades, principalmente na área financeira, não podia emprestar muito, ficava limitado a um empréstimo por causa do pouco capital que a cooperativa tinha.

JdeB – Que momento o senhor percebeu que precisava ampliar o número de sócios de municípios?
Lotário – A própria necessidade. Uma cooperativa pequena, hoje, seria difícil de sobreviver. Como foi crescendo, nós fomos crescendo: São João, depois Chopinzinho, Sulina, São Jorge. Nós tivemos quatro unidades no início, veja bem, quatro postos de atendimento, depois a gente foi ampliando e incorporamos uma cooperativa de crédito em Dois Vizinhos que entrou numa dificuldade financeira. Pra não ficar com a descredibilidade, nós incorporamos e a Sicredi começou a evoluir. Já com um potencial maior, evidente. Nós incorporamos coisas boas e também coisas ruins. Nós tivemos que incorporar todo o ativo e o passivo. E o passivo não era muito bom, deu um pequeno atraso, mas logo nós conseguimos dar a volta por cima. E hoje estamos com 18 unidades de atendimento.

Lotário Dierings: “Tem que ter pensamento positivo, se você tiver  negativo, nada funciona”.

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