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Francisco Beltrão
domingo, 15 de junho de 2025

Edição 8.226

14/06/2025

Bispo Agenor Girardi: “Eu nunca duvidei da minha vocação”

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Quarto dos cinco filhos de Tereza Sprícigo Girardi (24.9.18 a 7.2.10) e Santino Girardi (popular Santo: 21.8.16 a 14.1.94), Agenor nasceu em Orleans (SC), dia 2 de fevereiro de 1952. Acompanhando os pais, que eram agricultores, e os irmãos Olindo (1.10.41 a 22.8.03), Vitalino (30.7.45 a 3.6.07), Maria (29.4.47 a 29.1.86) e Quintino, mudou para o Paraná em fevereiro de 1960. A primeira morada foi em Serra Preta/Ipiranga, hoje Itapejara D’Oeste, naquele tempo pertencia a Pato Branco. Três anos depois, a família mudava para Francisco Beltrão, próximo ao aeroporto.
Em 1966, Agenor começou sua vida de seminarista, no Seminário São José, dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus. Cursou Filosofia na PUC de Campinas e Teologia em São Paulo. De 1988 a 1990 residiu em Roma, Itália. Na Pontifícia Universidade Gregoriana fez mestrado em Teologia e Espiritualidade e, no Instituto Claretiano, mestrado em Teologia da Vida Consagrada.
Agenor foi ordenado presbítero dia 5 de setembro de 1982, na Concatedral Nossa Senhora da Glória, em Francisco Beltrão. Como padre missionário do Sagrado Coração de Jesus, foi reitor do Serminário Menor São José, de sua cidade; mestre de noviços em Pirassununga (SP); trabalhou na Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) no Rio de Janeiro e na coordenação do Centro de Teologia e Espiritualidade (Cetesp). Também foi reitor e pároco do Santuário N.S. do Sagrado Coração, em Curitiba. Desde 2001, trabalhou na Paróquia São José da Vila Nova, Francisco Beltrão, primeiro como vigário e depois como pároco. Foi na casa canônica da Paróquia São José que ele recebeu os jornalistas Flávio Pedron e Ivo Pegoraro para esta entrevista, sábado, 19 de março, quando ele ainda era monsenhor (sua sagração como bispo ocorreu ontem, sexta-feira, (12 de junho de 2015) no centro de eventos, junto com seu colega Geremias Steinmetz). Segue parte da entrevista.

JdeB – Quando sua família veio de Santa Catarina, em 1960, o senhor era um garoto de 8 anos. Como encarou aquela mudança?
Agenor – Era o período das migrações, muita gente saía de Santa Catarina pra vir pro Paraná nos anos 60, inclusive da localidade de onde nós morávamos, várias famílias vieram ao Paraná, compraram terras, se estabeleceram nos matos, no interior, longe de tudo. Eu, como menino de 8 anos, acompanhei meus pais, encarei aquilo até com uma certa naturalidade, não sabia bem o que estava acontecendo, porque com 8 anos a gente não tem noção do que se passa, da responsabilidade.

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JdeB – E mais quatro anos depois, uma nova mudança, de Itapejara pra Francisco Beltrão.
Agenor – Aí sim lembro mais, porque lá a precariedade da escola, a distância da igreja, era uns oito quilômetros, e eu fiquei um período sem aula, e eu gostava de estudar, perdi uns dois, três anos, não tinha professores, não dava pra ir na escolinha, porque era muito distante. Aos 12 anos, a mudança pra Francisco Beltrão já foi encarada diferente, foi uma nova etapa, uma nova migração. Meus pais perceberam que aqui tinha futuro, lembro que eles diziam “Francisco Beltrão é uma cidade que vai ter futuro, tá crescendo, vamos mudar”. Então veja, já em 64, meu pai, minha mãe e meus irmãos mais velhos perceberam que aqui era um lugar onde a pessoa podia se estabelecer, que tinha futuro, a cidade demonstrava crescimento e sobretudo pra estudarmos também.

JdeB – E qual a primeira lembrança que o senhor tem de Beltrão?
Agenor – Eu vim quando meus pais compraram o sítio ali perto do aeroporto, no ano 63. Vim com eles num final de semana, pra conhecer. Essa foi a primeira lembrança, lembro da primeira igreja, aquela velha igreja de madeira, a gente foi na missa, isso ficou. Aquela ponte de madeira velha, isso ficou gravado, a igreja, depois a ponte, então foi a primeira impressão, isso em 63.

JdeB – Como o senhor foi parar no seminário? Foi uma decisão pessoal ou da família?
Agenor – Desde pequeno eu sempre dizia que ia ser padre, desde Santa Catarina, tinha uns 8 anos, eu não tinha consciência, mas já falava isso. Depois no Ipiranga, onde morávamos, e aqui também, fui estudando nos anos 64, 65, e no ano 66 abriu o seminário aqui, que já funcionou um tempo lá no interior, perto de São Marcos. No ano 66 foi construído o grande prédio, que hoje nem existe mais, tudo de madeira, e aí também os padres passavam nas escolas, me lembro do Irmão Cirilo, pra quem quisesse estudar no seminário. E eu embarquei nessa. Mas eu queria ser padre, não apenas estudar pra estudar. E foi assim que eu entrei, no ano 66, pela abertura do seminário aqui, e também pelo desejo de seguir esse caminho, já que estava dentro de mim essa experiência, e se concretizou, em 66 aqui no seminário São José, no quarto ano primário.

JdeB – Como era o cotidiano do seminarista Agenor Girardi?
Agenor – No ano 66 nós éramos mais de 60 meninos. Era o regime de internato, ainda funcionava com aulas de manhã e à tarde. Era intenso, um período intenso de estudos, tarefas, tinha que estudar mesmo, desde menino a gente tinha que estudar o latim, o francês, me lembro que isso já era intenso. E isso foi muito bom porque deu base pro futuro que viria conhecer mais as línguas. A partir de 69, ao invés de os professores irem lá no seminário, tinha vários professores, padres, leigos, nós começamos a estudar juntos no colégio das irmãs, que na época era o Mário de Andrade, lá começamos a estudar, achou-se por bem não ter mais as aulas internas, mas passar a estudar junto com os outros alunos da cidade.

JdeB – Era regime de internato, mas seus pais moravam na cidade, ia seguido pra casa?
Agenor – É, um pouquinho fora da cidade. Não, a gente só ia quando tinha as visitas programadas, não ia sempre, não, nos primeiros anos era só nas visitas previstas, de Páscoa, de algumas solenidades. Mas fora disso a gente não ia nem todo dia, nem toda semana.

JdeB – O seminário era muito conhecido pelo futebol, tinha campeonato, tinha torneios. O senhor também gostava de jogar futebol?
Agenor – Sim. No começo eu era do terceiro time, do quarto, porque imagina, no meio de 70 dava pra escolher. Depois a agente foi subindo, porque tinha a escola de futebol, tinha os treinamentos intensivos duas, três vezes por semana. Depois eu passei a jogar no segundo time, e depois no primeiro. Aí disputamos vários campeonatos, do Demea – Departamento Municipal de Esporte Amador -, que o padre Ari (Harry Van Briel) era presidente. E o seminário era um time muito respeitado, e também era um time que jogava com muito treino, o toque de bola, e onde ia jogar na cidade era muito respeitado. Então foi um período muito intenso, bonito, de campeonatos. E o padre Ari dava muito incentivo ao futebol.

JdeB – Aquela decisão de ser padre, que o senhor teve desde garoto, ia intensificando ou teve períodos que achava que não era bem isso?
Agenor – É um processo de crescimento, de descoberta, um menino que tenha aí uns 14, 15, 16, 17 anos, como qualquer jovem, vai descobrindo, vai fazendo seu caminho, mas pra mim foi um crescente, confirmando esse ideal, essa busca. Também no seminário a gente tem uma vida mais intensa de oração, de missa diária, leitura espiritual, orientação espiritual, isso tudo foi alimentando a vocação. Claro que, de repente, teve uma dúvida, algum questionamento, mas é um processo normal. E foi um crescente, uma convicção que foi se firmando sempre mais.

JdeB – O padre geralmente sai de um desejo de garoto. E o bispo, também? Cada padre também tem essa ideia de um dia ser bispo?
Agenor – Eu não tinha. Nem pensava, porque o bispo não sou eu que me indico, não fui eu que indiquei, foram outras pessoas que indicaram meu nome, nem estava no meu programa ser bispo, nem imaginava. Por isso que a notícia foi uma surpresa grande, alguém deve ter indicado meu nome, e esse processo também não é de um dia pro outro, leva de dois a três anos, muitas pessoas são ouvidas. Foi toda uma caminhada. O “ser bispo” não é o padre que decide se ele vai ou não, inclusive são outras pessoas que indicam e a gente ainda no final tem a liberdade de dizer sim ou não, mas de certa forma foi afunilando o meu caso, essa questão que eu fui dando meu sim a esse novo serviço na igreja, que é uma continuação, mas também uma responsabilidade muito maior, não é mais uma paróquia, é uma diocese inteira.

JdeB – Como o senhor  ficou sabendo e como tomou a decisão de aceitar?
Agenor – A primeira consulta a minha pessoa foi pelo mês de abril do ano passado, e na época até eu pedi um tempo pra pensar porque eu estava fazendo um tratamento de saúde, depois acabei fazendo a cirurgia. Pensei que a coisa já tinha morrido por aí mesmo. Mas depois que voltei de Curitiba, lá por outubro, novembro, já teve mais consultas, por parte da Nunciatura Apostólica no Brasil, de Brasília, que é o Núncio Apostólico, um representante direto do papa. Tudo tem que permanecer em segredo, a gente não pode comentar com ninguém, é segredo pontifício, não se pode falar nada! Nem uma palavra do assunto com ninguém! Em novembro teve um comunicado me pedindo pra ir a Brasília, que era em segredo, e lá o núncio me entregou a carta do papa já com a nomeação feita. Então não tive escolha, se vou escolher onde é que eu vou ou não, já veio de lá a escolha pra bispo auxiliar de Porto Alegre. No dia 6 de dezembro ele me entregou a carta, quando lá estive, e o comunicado oficial só saiu no dia 22, precisou mais uns 15 dias até a Santa Sé reafirmar, confirmar, e aí oficialmente foi dia 22 de dezembro como o Jornal de Beltrão também publicou e todo mundo ficou sabendo.

JdeB – E nesse período com quem o senhor pôde conversar, que o senhor tinha aceitado ser bispo?
Agenor – Aí nos 15 dias a gente pôde conversar com o bispo, ele já sabia, ele veio conversar comigo, agora, com outras pessoas não porque tinha ainda o segredo, até a comunicação oficial a gente tinha que guardar o segredo.

JdeB – E com a família, quando é que o senhor falou, com seu irmão Quintino?
Agenor – Não, eu não falei nada. Ele foi pego de surpresa também, não pude conversar nada pra não influenciar as determinações, é uma coisa muito pessoal. O Quintino soube no dia, junto com vocês.

JdeB – Como era pra definir todo esse período de preparação pra dizer o sim ou o não?
Agenor – De certa forma, o ser bispo é uma continuidade de ser padre e, como eu já decidi um dia ser diácono, depois padre, o ser bispo é uma continuação. Você tem a liberdade de dizer sim ou não, mas no meu caso, diante da comunidade, eu senti que o apelo maior era dizer sim, assumir esse compromisso da Igreja, com alegria. Foi um período, assim, discernindo um pouco melhor, vendo, percebendo, mas também foi uma decisão de certa forma até mais convicta, já faz 28 anos de padre, já tenho toda uma experiência. Eu sabia que ia ser uma grande missão, e será. Foi um momento também muito importante porque estava determinando um novo rumo na minha vida, uma nova dimensão de vida, sair de Francisco Beltrão e assumir esse novo trabalho. Mas foi feito com consciência, com alegria, com dedicação e amor à Igreja.

JdeB – Tem padres que desistem, casam. O senhor teve alguma crise em seus 28 anos de padre?
Agenor – Alguns padres às vezes desistem, assim como muitos casamentos também, a gente acompanha  muitos casais, na hora do casamento aquela convicção, os noivos, mas depois, no decorrer da andança, quantos casos de casamento que acabam separando por um motivo ou outro, por várias razões. Então, quando um padre ou uma irmã deixa, é por uma razão muito pessoal, ou são várias situações. Mas no meu caso, concretamente eu nunca duvidei da minha vocação, nunca pensei em deixar, ou em desistir, isso nunca me passou pela cabeça, não. Acho que foi uma coisa, posso ter tido algum momento assim de pensar, refletir, mas de deixar, de desistir, não me passou pela cabeça, graças a Deus isso não aconteceu, em nenhum momento.

JdeB – Seu irmão Quintino, no tempo de garoto, vinha pra cidade vender verduras, fazer negócios. E o Agenor, no tempo de garoto em Beltrão, o que fazia?
Agenor – Voltando um pouco, nós chegamos em 64, Beltrão era uma cidade pequena, a gente vinha vender verdura, meu pai entregava leite na cidade. Era um meio de subsistência, um meio de sobreviver, e eu também vinha, junto com o Quintino, ajudava entregar verdura nas casas, era uma maneira de ajudar na renda familiar porque naquela época tudo era muito precário, mesmo financeiramente, as famílias, não é que tinham, como hoje, seu salário e tudo. Foi um período interessante, as crianças se envolviam desde cedo nessa ajuda aos pais, hoje talvez é outra história, outra dimensão de educação, mas na época a gente estudava meio período e o outro meio período era isso, ajudar a plantar, cultivar verduras, hortaliças, e depois ir vender na cidade, e o dinheirinho era entregue ao pai e à mãe, eles que administravam, não é que a gente gastava assim.

JdeB – E gostava do trabalho ou vivia protestando?
Agenor – Não, eu fazia com amor, eu gostava muito de plantar flores, verduras, gostava muito mesmo. Não sei o que o Quintino disse (risos), mas acho que ele também gostava. Depois eu saí e ele continuou. Eu gostava, sim, de entregar, a gente já conhecia aquelas famílias, já tinha aqueles clientes, isso era um pouco, assim, uma espécie de visita, de chegar, de entregar, como menino, foi um período bonito.

JdeB – Vinham a cavalo?
Agenor – Eu vinha a pé, ou a cavalo quando o pai ajudava a trazer, a gente trazia o que podia, às vezes minha mãe vinha junto, ajudava a trazer verdura, ajudava a entregar nas casas, foi bem isso, bem assim.

JdeB – Que lembranças o senhor tem, que lição de vida deixaram os seu pais Tereza e Santino?
Agenor – Muitas. Eu nunca vi meu pai e minha mãe brigarem; não lembro. Depois eu soube que quando eles tinha uma dificuldade ou qualquer problema, como qualquer casal, eles conversavam à parte, longe dos filhos, os dois resolviam as questões. Isso também me marcou muito, às vezes eu até falo por aí, nas missas, na Jornada (Jovem), quando a gente fala em família, eu nunca vi meu pai e minha mãe brigarem. Às vezes uma palavra ou outra como qualquer casal, imagina, qual o casal que não tem também, às vezes, uma palavra diferente, que o outro não gostou? Mas uma discussão violenta, agressiva, isso eu nunca vi nos dois, não lembro. Se eles tinham uma dificuldade, eles resolviam à parte. Isso é uma coisa que marcou bastante. Também a dimensão de fé dos dois. A primeira coisa no domingo era arrumar tudo e ir pra missa, a pé lá do aeroporto até a concatedral, porque a igrejinha era ainda pequena, e nós acompanhávamos. E também nossa família sempre foi muito acolhedora, na casa do pai e da mãe sempre tinha muita gente que passava, que visitava, eles sempre tiveram essa característica de acolher bem as pessoas que passavam por lá, isso ficou muito presente, entre outras coisas.

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