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terça-feira, 03 de junho de 2025

Edição 8.218

04/06/2025

EVASÃO NO ENSINO SUPERIOR

Apenas 28% dos alunos concluem o EAD; número dobra no presencial

Carlos Bonamigo. Foto: Leandro Czerniaski/JdeB.

Por Niomar Pereira – O Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira divulgaram o Censo da Educação Superior e a taxa de desistência acumulada continua sendo o ponto que mais chama a atenção: 60%. Para se ter ideia do quanto esse índice vem evoluindo, era de 13% em 2014. A realidade local é semelhante. Em Francisco Beltrão, no ano de 2020, ingressaram 3.367 alunos no ensino superior, sendo 1.380 na modalidade presencial e 1.987 no EAD.

Mas chegaram efetivamente ao final do curso 1.333 alunos (40%) no ano de 2023, quatro anos depois do ingresso. Ou seja, mais de 2 mil jovens abandonaram suas formações antes de concluí-las. Daqueles que ingressaram no ensino EAD, 559 (28%) levaram adiante a graduação e se formaram em 2023. Já no ensino presencial esse percentual é maior, o dobro (56%).

Carlos Antônio Bonamigo, doutor em Educação, professor da Unioeste e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da universidade, salienta que a desistência no ensino superior vai muito além das questões vocacionais e está fortemente ligada às condições econômicas dos estudantes. “Há, socialmente construída, uma ideia positiva em relação a ter um curso de graduação. Por isso, de forma geral, se alguém ‘desiste’, e esse alguém é alguém que faz parte da classe que vive do seu trabalho e não do trabalho dos outros, é porque as suas condições materiais não lhe permitem continuar estudando e se qualificando. A pressão pela sobrevivência lhe faz inserir-se, geralmente, de forma precária e antecipada, no mundo do trabalho.” Para Bonamigo, os jovens enfrentam uma pressão intensa para ajudar na renda familiar, o que torna insustentável a permanência nos cursos sem uma política pública que forneça suporte contínuo. Além disso, quem entra na universidade, entende ele, precisa ter as condições de permanência e estas estão muito limitadas pelas políticas públicas existentes.

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De acordo com o professor, o abandono não deve ser interpretado como uma questão de falta de comprometimento dos estudantes. “Não nascemos vocacionados para x ou para y. Vamos nos construindo historicamente, fazendo nossas escolhas, a partir do poder de interferir nas condições existentes. Pouquíssimas profissões são socialmente reconhecidas, a partir da posse de um diploma de ensino superior. Há vagas disponíveis de trabalho, mas em sua ampla maioria se relaciona ao trabalho precário, pouco valorizado financeiramente.”

Conforme ele, uma vez tinha-se a crença que a educação promovia alteração nos níveis sociais das pessoas. Hoje esse mito está se esvaindo, justamente, por demonstrar-se, historicamente, falacioso. “As consequências sociais e econômicas estão já amplamente demonstradas atualmente na sociedade contemporânea. Cresce a precarização do trabalho, da concentração de renda, da carência de profissionais em várias áreas que a sociedade demanda, aumenta o crime, a violência, ou seja, uma sociedade empobrecida, reproduzindo-se cada vez mais sem educação de qualidade e para todos.”

Outro fator importante destacado por Bonamigo é a insuficiência de políticas públicas para garantir a permanência dos jovens nas universidades. Embora o acesso ao ensino superior tenha sido ampliado nos últimos anos, a falta de programas de assistência estudantil e de suporte financeiro adequado ainda é um entrave para muitos jovens. “O acesso ao ensino superior só se completa quando há condições reais de permanência. Hoje, essas condições são limitadas e, com isso, quem não tem um suporte financeiro fixo encontra grandes dificuldades para seguir em frente”, ressalta o professor.

Dificuldade para escolher com segurança

Além disso, para Bonamigo, relacionar a desistência dos jovens à ‘falta de vocação’ é uma visão simplista que ignora o contexto social e econômico em que esses estudantes estão inseridos. “Num contexto extremamente contraditório, permeado de inseguranças em todos os sentidos, dificulta muito as pessoas construírem-se e escolherem a direção de suas vidas com segurança. São tentativas infindáveis para ver se alguma se encaixa no sentido de suprir os desejos subjetivos e sociais [financeiros] das pessoas.” No entendimento dele, a pressão do mercado é a pressão de alguém que precisa de mão-de-obra qualificada e ao mesmo tempo barata. “Ou seja, as pessoas – e reforço uma vez mais, aquelas pessoas que vivem do seu trabalho, vão mudando cada vez mais não apenas de lugares de trabalho, mas de trabalhos diferentes, de profissões diferentes, para criarem determinadas situações que se sintam um pouco melhores.”

Questionado sobre o mercado de trabalho no Sudoeste do Paraná, o professor observa uma saturação em algumas áreas, assim como em todo o País, o que intensifica a insegurança entre os recém-formados. “Haveria, nesse caso, a necessidade do poder público e as instituições de ensino superior, dialogar com as diferentes juventudes, ouvir as suas demandas e desejos e disponibilizar condições e cursos que essas juventudes possam cursar, dialogando também para que as demandas sociais possam ser supridas.”

E se não estudar?

Os impactos da evasão no ensino superior, segundo Bonamigo, vão muito além do desenvolvimento pessoal dos jovens e geram reflexos negativos para a sociedade como um todo. Ele destaca que a falta de formação superior impede a ascensão social e profissional dos jovens, além de comprometer a qualidade da mão de obra disponível.  Para o professor, as instituições de ensino superior, por si só, não têm força suficiente para mudar esse cenário, sendo necessário um esforço conjunto entre sociedade, governo e universidades. “Há que se ter um projeto social, sustentável e sustentado na produção, socialização do conhecimento científico, artístico, filosófico e tecnológico de longo prazo, mas que instituído a partir de ações imediatas, caso contrário, não haverá tempo histórico suficiente para garantir uma vida digna a todos/as a partir e deste momento que estamos vivendo.”

Reitor diz que ociosidade das universidades é um fenômeno global

JdeB – O reitor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Everton Lozano, destacou que a ociosidade das universidades é um fenômeno global que se reflete de forma clara no Brasil, especialmente devido às dimensões do país. “Em um país com 215 milhões de habitantes, temos mais de 20 milhões de jovens em idade universitária que poderiam estar estudando e não estão.” Ele ressaltou que a juventude atual apresenta um certo desinteresse, o que coincide com a expansão das universidades. “Estamos em alguns cursos com ociosidade de vagas e em outros cursos há uma grande concorrência.”

Everton Lozano

Lozano frisou que é essencial que a comunidade esteja informada sobre o que as universidades oferecem na região, e que os jovens conheçam as oportunidades e os benefícios disponíveis. Ademais, para ele, é necessário modernizar as grades curriculares, especialmente nas áreas de engenharia, que ainda seguem um modelo tradicional. “Precisamos modernizar, inclusive com parte da formação sendo realizada dentro das empresas, com mais oportunidades de estágio.” Segundo o reitor, essas são algumas das ações em andamento para reduzir a ociosidade e tornar os cursos mais atrativos. No último processo seletivo para ingresso em 2025, a UTFPR registrou um aumento de 10% no número de estudantes interessados, “um sinal positivo que reflete os esforços da instituição”. (Colaborou Flávio Pedron)

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