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É sobre as primeiras edições da atual Expobel, no fim dos anos de 1960
Neste relato inédito, de março de 2004, Narcizo Marques da Silva, na época médico veterinário da Secretaria da Agricultura do Estado do Paraná, conta detalhes da origem da Fenafe, atual Expobel. Narcizo faleceu, neste dia 12 de março, aos 88 anos. Foi sepultado ontem em Curitiba.
Por que não Fenabel em vez de Expobel? Expobel traz o prefixo “Expo” que é parte da palavra exposição!
Ao longo do tempo tenho acompanhado o desenvolvimento desse evento que realmente é um marco do progresso de Francisco Beltrão e da região sudoeste. Às vezes fico surpreso com o que leio e talvez seja esta a razão que me leva a relatar parte dessa história da qual também fui um protagonista e por isso sinto que é meu dever torná-Ia
pública.
Em 12 de fevereiro de 1966, às 23:40 horas, cheguei com minha família e respectiva mudança no então “Hotel do Comércio”, onde pernoitamos para no dia seguinte nos instalarmos em uma casa de propriedade de Natalino Faust. Com a esposa e três filhos, estava iniciando minha vida profissional em Francisco Beltrão. No mesmo dia, sem que eu soubesse, estava chegando o dr. Inivaldo Martini e sua família, vindo de Clevelândia para a Casa Rural da Secretaria da Agricultura, onde iríamos trabalhar.
As atividades eram muitas e nós procurávamos desenvolvê-Ias da melhor maneira. Na minha área, a pecuária, logo percebi a enorme carência em relação à suinocultura e à bovinocultura leiteira, atividades essas ligadas à quase totalidade das propriedades rurais da região sob nossa jurisdição. Observei, no tocante às raças de suínos, que estava tudo por fazer, pois não mais do que cinco propriedades dispunham de animais cem características raciais definidas, porém, sem registro genealógico ou certificado de origem. Quanto a sanidade, cumpre registrar o grande número de surtos de peste suína clássica que grassava na região, além de outras tantas doenças comuns a essa espécie e que, por falta da aplicação das técnicas mais usuais para a época, provocavam danos seriíssimos nas criações.
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A média diária da produção do rebanho no município era inferior a 3,5 litros (de leite) por cabeça
Semelhante quadro identificamos na área da bovinocultura leiteira, como a febre aftosa, a brucelose e outras doenças comuns a esses animais, também fruto da falta de uma orientação técnica que permitisse modificar aquela situação. Verifiquei, através de levantamento junto aos produtores e fornecedores de leite, que a média diária da
produção do rebanho no município era inferior a 3,5 litros por cabeça. A entrega do leite, com exceção das propriedades que forneciam leite para os hospitais e que eram feitas em tarros de metal, as demais entregavam o leite a cavalo, em bolsas próprias para transporte em litros de vidro, fechados com rolhas de sabugo ou palha de milho.
Assim, entre o trabalho realizado e as observações constantes que faziam o nosso quotidiano, passamos aquele ano, porém, tentando sempre encontrar um meio de superar aquela situação. Foi assim que, da experiência profissional que tínhamos,
concluímos que a forma mais rápida e adequada para reverter aquele quadro seria a realização de uma exposição em que traríamos animais (suínos e bovinos) de qualidade, oriundos de outras regiões produtoras e que, adquiridos por produtores daquela região, com financiamentos disponíveis para esse fim, por certo seria o caminho para podermos contar com animais de qualidade que, substituindo os existentes sem características raciais, pudéssemos aplicar novas tecnologias e então conseguirmos novos resultados.
Trocamos alguns detalhes com o Inivaldo Martini e resolvemos que iríamos procurar o dr. Walter Pécoits, como líder político que era, e o dr. Mário Vargas Junqueira da Rocha, também produtor de leite e entusiasta da pecuária, a quem iríamos expor o nosso pensamento para podermos avaliar de alguma forma a sua receptividade.
Assim foi que, em uma noite daquele final de 1966 (não me recordo a data), chegamos à antiga Policlínica São Vicente de Paula onde fomos recebidos pelo dr. Walter, dr. Mário e dr. Álvaro e posteriormente com a presença da Dona Manuela, digníssima esposa do dr. Walter.
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“Por que em vez de vocês ficarem pensando em exposição, não ensinam os colonos como plantar o feijão, o milho ou outros produtos?”
Ali, entre um e outro cafezinho, discorremos sobre o nosso pensamento e os primeiros detalhes para a realização da 1ª Exposição Regional de Animais e 1ª Exposição de Indústria e Comércio. A ideia parecia válida até que em dado momento a dona Manuela perguntou-me: “Por que em vez de vocês ficarem pensando em exposição, não ensinam os colonos como plantar o feijão, o milho ou outros produtos?”
Eu simplesmente lhe respondi que a minha área de atuação era a pecuária e o que ela estava propondo era área do Martini. É claro que conversamos bastante sobre o assunto, mas nada ficou decidido, pois nosso propósito era apenas o de lançar a ideia para colher os resultados mais tarde. É importante lembrar que nessa época o dr. Mário era o presidente do recém-fundado Rotary Club que realizava suas reuniões, creio que semanalmente. Possivelmente, quero crer, que o dr. Mario tenha levado para uma dessas reuniões de trabalho o assunto da nossa conversa, por ser de interesse do município e da região. Ali se levantou a necessidade de investir em um evento que pudesse levar o nome de Francisco Beltrão além das fronteiras regionais, como estava sendo proposto através das exposições.
Nasceu então a ideia da Festa Nacionl do Feijão, proposta não sei ao certo, pelo sr. Guiomar Lopes, onde se concluía que o titulo “Nacional” deveria colocar o município e, consequentemente, a região, em lugar de maior destaque. (O prefeito) Antonio de Paiva Cantelmo encampou a ideia da realização e mobilizaram-se as forças em tomo desse possível acontecimento, a realização de uma Festa Nacional do município.
Reuniões se sucederam. Buscavam-se alternativas de localização de um recinto mais apropriado, discutiam-se meios, analisavam-se as razões, etc, até que se chegou à definição da área onde seria edificado um parque para a realização desse evento.
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Parque de Exposições Sinuelo ou Miniguaçu?
Surgem então as primeiras discussões sobre o nome do recinto; duas sugestões tomaram corpo: Parque de Exposições Sinuelo e Parque de Exposições Miniguaçu, vencendo a segunda proposição.
Veio a fase do planejamento e construção das instalações, visando sempre a preservação da área com sua vegetação nativa e demais características. Quantas vezes passamos juntos, autoridades e trabalhadores nos finais de semana, realizando tarefas, discutindo detalhes e saboreando a costela assada pelo (Roberto) Grando! Quantas vezes não é dr. Mario, Deni (Schwartz), Natalino, Kit, Inivaldo, Cantelmo, Munaretto, Fabris e tantos outros que por certo me perdoarão por não os estar citando. E assim, sob o comando do Deni, realizaram-se as primeiras obras que iriam permitir a realização daquele novo empreendimento. Das construções, todas em madeira, apareciam com destaque o pavilhão para a Festa Nacional do Feijão, cujo produto seria exposto em suas mais diversas formas; um pavilhão para bovinos e equinos, além de um pavilhão menor para suínos; um restaurante, a administração, algumas lanchonetes, pistas para julgamento de animais, pequenas mangueiras para recebimento dos animais, preparo da área para a Exposição Industrial e Comercial, além de outras construções de suporte.
É importante também lembrar que não fazia parte desse evento outro tipo de acontecimento festivo a não ser o serviço de alto-falante que transmitia para todo o recinto os comentários técnicos dos jurados e recados de utilidade pública.
Não vamos aqui detalhar os fatos que ainda temos bem vivos em nossa memória e que fizeram parte daquele acontecimento que em seu desfecho mal apresentou um sucesso além do esperado. Para nós, os objetivos propostos foram totalmente alcançados quando vimos que a grande maioria dos animais trazidos de outras regiões foram adquiridos por produtores locais através de financiamentos que conseguimos junto ao Ministério da Agricultura e por vias normais através dos bancos existentes. Vale lembrar ainda que a divulgação desse evento recebeu da imprensa falada e escrita locais toda a ênfase voltada para a Fenafe, sendo as Exposições de Agropecuária e de Indústria e Comércio divulgadas com menor amplitude, daí podermos concluir por que o público passou a identificar o recinto do parque como Fenafe.
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Na Festa do Feijão, a atenção maior foi para os animais
Passada essa fase, agora com nossa rotina de trabalho, procurávamos saber dos colonos, nas propriedades que atendíamos, o que mais havia chamado sua atenção no recinto da “Fenafe” e as respostas convergiam sempre para um mesmo ponto: “Ah!
Aqueles animais tão bonitos como eu nunca vi; os bois, os porcos!” Não ouvia referência sobre o Feijão, que deveria ser o carro-chefe daquela festa.
Por outro lado, lembro-me que durante o ato da inauguração do evento, enquanto eu o então calouro de Medicina Veterinária da UFRGS Edivar Martini (Chico) fazíamos a identificação dos bovinos em um dos pavilhões, ouvi chamarem meu nome e divisei no corredor, apinhado de gente, o prefeito Antonio de Paiva Cantelmo e o ministro da Agricultura, dr. Ivo Arzua Pereira, além de outras autoridades.
Esse fluxo constante de pessoas nos pavilhões de animais, pelo que conhecíamos de exposições, foi um marco importantíssimo para a identificação do comportamento da população da região. Poucas vezes pude ir até o pavilhão da Fenafe para sentir a frequência de público entre um e outro local, no mesmo horário, constatando sempre que a preferência dos visitantes era voltada para os animais. Para mim, este comportamento era óbvio, pois o feijão sendo um produto inerte em sua apresentação, embora belíssima, se apresentava sempre da mesma maneira, enquanto que o animal, como ser vivo, está sempre em movimento e por certo chama a atenção a cada vez que é observado. Talvez seja bom lembrar que para aquela 1ª Exposição Regional Agropecuária conseguimos a doação da Secretaria de Estado da Agricultura de dois reprodutores suínos da raça Duroc e um reprodutor bovino da raça Charolesa P.C., para serem sorteados entre os expositores inscritos na Exposição. Do sorteio dos suínos, foram contemplados o sr. Salvatti e a Granja do Seminário da Vila São Paulo, enquanto que o sr. Paulo Libardoni, de São Lourenço D’Oeste, recebeu o touro Charolês como prêmio.
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Um ano exposição em Beltrão, outro ano em Clevelândia
Veio o ano seguinte (1868) em que a Secretaria da Agricultura, através das Casas Rurais e Banco do Estado do Paraná, aplicou um grande volume de recursos provenientes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em financiamentos agropecuários, proporcionando um meio mais favorável para a aplicação das tecnologias mais modernas para a época, auxiliada por tudo o que havia sido mostrado durante as exposições. Neste ano realizamos a Exposição Feira Agropecuária e Industrial de Clevelândia, pois havia um acordo de cavalheiros entre as autoridades e expositores estabelecendo que esses certames seriam realizados em anos alternados entre os dois municípios para que ambos tivessem participação garantida.
Chegou 1969 e Francisco Beltrão ainda sonhava embalada pelo sucesso da Iª Fenafe e aquela empolgação logo fez com que se tomassem as primeiras providência para a realização da sua segunda edição. Não sei precisar quando foi convocada uma reunião na Câmara com o dr. Deni agora como prefeito municipal e o dr. Osvaldo Euclides Aranha como coordenador da próxima Fenafe. As ponderações e discussões se sucediam e em dado momento o dr. Deni, percebendo que eu permanecia calado, foi logo perguntando: E daí, “Baixinho”, por que é que você não fala, diga alguma coisa.
Foi então que eu, assumindo uma posição exclusivamente pessoal, disse que concordava com tudo o que fora ali discutido, porém não participaria de qualquer trabalho na exposição de animais se fosse realizada junto com a Festa Nacional do Feijão. É claro que houve um momento de surpresa após o que o Deni, dirigindo-se a mim, disse em tom de brincadeira: “Você é funcionário público e por isso é obrigado a fazer o que for determinado pelos teus superiores!”
Também em tom de brincadeira, respondi: “Obrigado é pau de arrasto na descida, em dia de chuva!” É claro que isso tudo em ambiente de cordialidade e amizade que nos une ainda hoje. Voltamos a discutir o fato e eu praticamente lancei um desafio, propondo que naquele ano, 1969, fosse realizada a Fenafe sem a exposição de animais e que no ano seguinte, 1970, nós realizaríamos a Exposição de Animais e de lndústria e Comércio, sem a Fenafe, pois só assim poderíamos avaliar em qual evento deveríamos direcionar nossa forças em beneficio do Município e da Região. Novas reuniões aconteceram e chegou-se à conclusão que seria realizada a Fenafe sem a exposição de animais.
Assim aconteceu a 2ª Festa Nacional do Feijão com a apresentação de vários grupos folclóricos de etnias distintas e, é lógico, o pavilhão da própria Fenafe. Não saberia dizer sobre o resultado financeiro ou de abrangência territorial alcançados, mas por certo a Prefeitura os tem em seus anais. O que eu tenho certeza é que aquela foi a segunda e última edição da Festa Nacional do Feijão (Fenafe), pois ela não mais se repetiu.
Estamos agora em 1970 e com ele o compromisso assumido de realizar a Exposição sem Fenafe. Passamos a usar nossos conhecimentos com instituições e pessoas fora de Francisco Beltrão e com isso conseguimos autorização para realizar a 9ª Exposição Nacional de Suínos, sob a chancela da Associação Brasileira de Criadores de Suínos, com sede em Estrela no Rio Grande do Sul; conseguimos por empréstimo da Secretaria da Agricultura – Departamento da Produção Animal – as gaiolas necessárias para o pavilhão de suínos; recebemos o apoio técnico de que necessitávamos dessas instituições e do Município, através da Prefeitura e seus dirigentes e assim tivemos tudo o que necessitávamos em tempo hábil, para a realização dos trabalhos a serem desenvolvidos.
Suínos e bovinos de “encher os olhos”, na Exposição Nacional de 1970
É ainda com prazer que registramos aqui o número recorde de suínos participantes, até então, das exposições nacionais realizadas e que foi de seiscentos e trinta e oito (638) animais oriundos dos estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, da mais alta qualidade. A presença de bovinos de raças europeias e indianas de corte, das raças leiteiras e de equinos era de encher os olhos dos apreciadores mais exigentes. Destaco aqui, com minha desculpa aos demais expositores, a presença do plantel leiteiro do dr. Mário, agora totalmente modificado, aparecendo o touro “Rocket”, grande campeão de diversas exposições regionais e SCampeão’ na Exposição de Curitiba, no Parque Castelo Branco; a vaca “Laura”, adquirida da Granja Sílvia no Rio Grande do Sul com seus quarenta e sete (47) quilos diários de produção leiteira; a vaca importada do Uruguai como a Melhor Fêmea Puro por Cruza da Exposição e tantos outros expositores que brilharam e fizeram o brilho desta 2ª Exposição Regional de Animais.
Sobre a 9ª Eposição Nacional de Suínos a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos, o Suplemento Rural do jornal Correio do Povo de Porto Alegre publicou farto noticiário documental que retratava fielmente o resultado do trabalho realizado. Sucesso absoluto nas vendas de animais e produtos da indústria e comércio, essa exposição deixou um saldo altamente positivo para o Município e para a Região, cujo resultado final acreditamos tenham sido registrados pelo serviço competente da municipalidade.
Ao finalizarmos esta síntese que acreditamos ter sido parte de uma história com detalhes talvez desconhecidos por muitos beltronenses, especialmente aqueles que ainda não eram nascidos na época, queremos apenas deixar clara a nossa discordância sobre o ênfase que ainda hoje se propala sobre a sigla Fenafe e o nosso aplauso para a sigla
Expobel, esta sim, como dissemos no início deste modesto relato, que é realmente a sigla que representa “o marco de uma nova fase de desenvolvimento de Francisco Beltrão e Sudoeste”, pois as exposições agropecuárias, industrial e comerciais se sucederam e se suplantaram já há vinte e uma edições, enquanto que a Festa Nacional do Feijão teve uma passagem efêmera, pois sucumbiu na segunda mostra!
Narcizo Marques da Silva – Março/2004