“Nossa casa ficou debaixo d’água totalmente. Nós perdemos tudo, tudo, tudo.”

JdeB – Entre as pessoas que lotaram o auditório da Acefb, ontem, para assistir ao documentário da maior enchente da história, produzido e apresentado por Leandro Czerniaski e Jônatas Araújo, estava o assessor de investimentos Cleverso de Morais. Ele viveu aquele período difícil de 41 anos atrás, como contou ao Jornal de Beltrão.
– Que lembranças tem daquele tempo? Você tinha três anos e meio?
Cleverso: Naquela época, eu tinha três anos, três anos e meio aproximadamente. Nós morávamos na Rua Bolívia, juntamente com os meus pais [João Godoi e Zilda Aparecida Morais]. Nossa casa era ali na Rua Bolívia, próximo ao Rio Urutago. A lembrança que eu tenho é de estar na janela da casa, e olha que a casa dos meus pais era alta do chão, com uma escada de madeira pra gente entrar. E a nossa casa ficou debaixo d’água totalmente. Nós perdemos tudo, tudo, tudo. E eu tenho a lembrança muito forte na minha memória, era de eu estar na janela de casa vendo a água subir. E a água subia e, quando nós saímos de casa, nós saímos de caíco, não tinha outra forma de sair de dentro de casa. A única coisa que meu pai conseguiu tirar de casa, além de poucas roupas pra nós, foi a televisão, preto e branco, uma televisão Colorado grande ainda daquelas de caixa de madeira. Éramos eu e um irmão mais velho, o Everton. Minha mãe estava grávida do meu irmão que nasceu em outubro, depois dele veio mais uma irmã, mas na época éramos eu e meu irmão mais velho e nós perdemos tudo, tudo, tudo, tudo tudo, exceto a televisão. Nós fomos pra fila da Ação Social pra receber desde roupa íntima, pijama, calçado, tudo. Tudo que tínhamos dentro de casa, perdemos, mas meu pai e minha mãe foram muito fortes, assim como tantas outras pessoas, tantas outras famílias aí da cidade. Assim como os relatos que a gente vê no documentário, foram muito fortes e com a ajuda de familiares e outras pessoas, com a graça de Deus conseguimos reconstruir tudo. Depois disso, meus pais compraram a casa em outro lugar e foram levando a vida, mas são memórias que ficam na mente. A gente também tem essa graça de Deus de poder seguir em frente com a força que ele vai nos dando.
– Ficaram dias fora da casa
Cleverso: Olha, pela lembrança que eu tenho, nós passamos na casa dos meus avós mais de 20 dias.
– Mas aí conseguiram recuperar, voltaram pra casa?
Cleverson: Sim, quando as águas baixaram, meu pai junto com a ajuda de alguns familiares e amigos foram pra casa. Conseguiram limpar, tirar o que tinha estragado e colocar no lixo, limpar a casa e gradativamente ir retomando a vida. Meu avô materno tinha uma pequena indústria de móveis, conseguiu refazer algumas coisas dentro de casa, roupeiro, camas e outras coisas meu pai foi conseguindo comprar, outras coisas foram doadas, assim como roupas, que nós recebemos tudo para refazer a vida. Ficamos um pouco dentro daquela casa, e depois meu pai foi pra outra casa. Na época, meu pai era funcionário do Supermercado Marrecão, que também ficou embaixo d’água, e o proprietário era o senhor Nelson Meurer, ele tinha duas casas na Cango e uma das casas ele cedeu pra nós morarmos durante um tempo. Moramos alguns anos naquela casa. Nesse período foi que meu pai vendeu a casa onde que nós morávamos, comprou um terreno na Cango e depois ele vendeu esse terreno na Cango, comprou uma casa no Luther King, que foi onde eles viveram até os últimos dias da vida deles.
– A enchente de maio de 1983 atingiu todo mundo, inclusive o Supermercado Marrecão. Aí o seu Nelson repôs o estoque, mas quando veio a enchente de julho, destruiu de novo, e ele acabou fechando o mercado inclusive, né? E aí seu pai mudou até a atividade?
Cleverso: É, meu pai já fazia entregas com o Supermercado do Marrecão e fazia viagens aqui na região. Depois disso, meu pai foi trabalhar com um amigo e foi viver o Brasil afora, trazendo sustento pra dentro de casa através da profissão de caminhoneiro, que era a paixão dele, a alegria dele era estar na estrada, e pra nós quando ele voltava era aquela alegria também de ter o pai de volta em casa.