Beltrão

No início de novembro, o professor e funcionário aposentado do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) Clóvis Rech, de 58 anos, saiu com o filho e o neto para ver as obras do túnel de Francisco Beltrão. A imensa estrutura que liga o Córrego Urutago do Parque de Exposições Jayme Canet Júnior ao Rio Marrecas (próximo à granja da família Pécoits), passando por baixo do Bairro Padre Ulrico, estava sendo construída e brilhava aos seus olhos. Nas suas lembranças, ainda estavam as memórias de quando se sentou ao lado do agora prefeito de Beltrão, quando ele ainda era um servidor público, e lhe confidenciou sobre esse projeto que vislumbrava para conter o problema das cheias na cidade.
Rech se aposentou do IAP em julho deste ano. Três dias antes, sua esposa, Aliete Vettorello Rech, com quem está há 35 anos casado e que trabalhava no mesmo instituto, também. Diante do aniversário do município, comemorado neste 14 de novembro, ele enfatiza o que diz ser gratidão à cidade que lhe deu oportunidades. “Vim a Beltrão para estudar e foi aqui onde constitui família. Mesmo com a oportunidade de mudar de cidade, preferi ficar e contribuir com essa história”, diz, sentado na varanda da casa que escolheu para viver.
Trajetória
Natural de Chapecó, município do Oeste Catarinense, Rech mudou-se para a região junto com a família, quando ainda era criança, instalando-se em Vista Alegre, no município de Enéas Marques. Já nesse tempo, Rech encantou-se pelo trabalho dos técnicos ambientais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) que o apresentaram às primeiras sementes selecionadas. A inovação tecnológica aliada ao campo lhe entusiasmou para seguir carreira na área. Antes, porém, ingressou no Seminário La Salle, ainda no tempo do Irmão Cirilo, sendo um dos alunos e fãs da paciência e dedicação do irmão. Mais tarde, ingressou no Colégio Agrícola de Beltrão, extinto Colégio Miniguaçu e departamento da Faculdade de Ciências Humanas de Francisco Beltrão (Facibel), onde concluiu o Técnico Agrícola.
Nessa época, estava no início da juventude e havia deixado a casa da família para começar uma vida em Beltrão. Para isso, conciliava os estudos com o trabalho em lanchonetes e armazéns, e não uma vez passou noites acordado para se dedicar ao sonho. Já em 1984, foi aprovado em um concurso público, ingressando no antigo Instituto de Terras e Cartografia (ITC) — mais tarde, devido à atribuição de defesa da floresta, a entidade passou a incorporar um F no nome, chamando-se ITFC, hoje IAT (Instituto Águas e Terras). Em 1985, casou-se e, em 1986, foi aprovado no curso de Geografia da extinta Facibel.

Clóvis é formado em Geografia e é mestre em Engenharia Agrícola, Concentração em Recursos Hídricos e Meio Ambiente.
Aposentado do IAP, se mantém ativo com as aulas que dá a alunos da rede pública de ensino.
Legados
A partir daí começou o que ele mesmo chama de “legados” deixados ao município em ascensão. “Acredito que consegui contribuir com o município com pelo menos quatro pontos”, elenca. “Me sinto com o dever cumprido por um trabalho feito com lisura e transparência. Me orgulho do que fiz.”
Fazem parte desse orgulho o trabalho na produção de mudas, que desempenhou no início da carreira, fazendo da microrregião Sudoeste, nas contas de Rech, a primeira do Paraná a instalar pelo menos um viveiro florestal em cada município. Em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ele também assumiu o desafio de identificar as divisas de todos os municípios e incluir os marcos de divisa, que existem até hoje. “Foram cerca de seis anos de estudos para incluir os marcos em todos os municípios. Um trabalho que muitas vezes fizemos a pé ou a cavalo”, relembra, sobre o serviço iniciado ainda no ano de 1993.
A partir dos anos 2000, coube a Rech, junto com os demais colegas, uma “revolução ambiental” na região. Dentro do IAP, a equipe da qual fazia parte abraçou os licenciamentos ambientais na suinocultura e encontrou um cenário precário em uma região que poluía suas fontes sem ter uma estrutura mínima para a atividade. “Aquele período foi motivo de muita resistência por parte dos suinocultores e até mesmo de autoridades, que não entendiam direito as orientações técnicas para cumprimento da legislação ambiental, que pedia a retirada dos chiqueiros antigos que se encontravam instalados próximos ou até mesmo em cima de córregos, rios ou nascentes d’água, ou a transferência para locais mais altos. Recebi ligações até de deputados dizendo que estávamos inventando leis. Mas já fui muito agradecido por isso.”
Hoje, quando vai até o túnel, vislumbra o que chama de último legado: obra que diz ser fruto de uma orientação de quem nunca deixou de se preocupar com o município, ainda que, na época, o chamassem de louco por pensar em uma estrutura subterrânea que cruzasse a cidade. “Se posso usar uma palavra a este município é gratidão. Me aposentei dias depois da minha esposa. Construímos nossa família aqui e sei do legado que deixei. Ainda sou professor da rede pública, onde mantenho vivo todo o conhecimento que adquiri.”
Durante sua trajetória, Rech também concluiu três especializações, um mestrado em Engenharia Agrícola, Concentração em Recursos Hídricos e Meio Ambiente, pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) de Cascavel, e ainda cursou alguns créditos de doutorado na área ambiental na Universidade de Santa Maria (UFSM), na condição de aluno convidado.