Beltrão

O diagnóstico que os familiares receberam logo que ele deu entrada no hospital não foi nada animador. As chances de sobrevivência eram mínimas, em torno de 2%. Sobreviver, aliás, poderia ser um castigo. Pelas avaliações iniciais, não iria mais enxergar e nem falar. Deveria também perder o movimento das mãos. E, para completar, o rosto, derretido pelas chamas, provavelmente ficaria bastante deformado.
O curioso é que, atualmente, é a própria vítima que fala, em público, sobre o seu acidente, diagnósticos e recuperação nada convencional. Ele não perdeu a visão, tem os movimentos normais das mãos e mesmo o rosto, a parte mais afetada, não carrega sinais do acidente ocorrido em 20 de junho de 2019, enquanto se preparava para entrar numa das festas mais tradicionais de Francisco Beltrão.
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Não era pra ir na festa
“Naquele ano, um mês antes, eu falava da festa e me dava um aperto no coração. A Keitiane (esposa) falando comigo, o Espírito Santo falando comigo. Eu sabia que não era pra ir. Os amigos me convidando e eu dizendo que não ia. Mas, um dia antes comprei os ingressos. Nos anos anteriores, a gente sempre ia cedo, às 7 ou 8h, mas naquele dia eu falei pra Keitiane que a gente só ia ao meio-dia”, relembra Lucas Carlos Ferreira, o Alemão, 23 anos.
No horário combinado, o casal e alguns amigos se encontraram em frente ao local do evento. Ainda estavam no estacionamento quando aconteceu o acidente. “Eu usava bastante o narguilé. Mas eu nunca me envolvia em fazer. Naquele dia a gente foi fazer a preparação e, como não tinha energia pra usar a panelinha elétrica, improvisamos com carvão e uma lata de álcool. Naquele momento eu fui colocar mais álcool”, explica.
Caiu o álcool, explodiu a panela
Segurando um galão com cerca de dois litros, o rapaz despejou álcool na panela com carvão em brasa. “Foi automático, caiu aquele álcool, explodiu a panela, explodiu o galão em mim. E pegou fogo em mim. Deu uns cinco ou dez segundos e eu não enxerguei mais nada, queimou a minha visão, meu corpo estava queimando, me desesperei. Corri pro meio do pessoal pra me apagarem. Me jogaram água e gelo, tinha uma caixa térmica lá.”
Alemão lembra que na sequência procurou atendimento. “Tava consciente, só não enxergava. Me levaram pra UPA e foi tudo questão de detalhes. Eu já cheguei lá sem respirar, se demorasse um minuto a mais, se a ambulância pegasse trânsito, eu não chegava com vida.” Na Unidade de Pronto Atendimento, ele foi entubado e transferido para o Hospital Regional do Sudoeste. “Me colocaram em coma induzido, porque eu tava muito queimado”, conta.
No HRS, Alemão era aguardado pela equipe médica e pela própria mãe, que era colaboradora do hospital. “Quando cheguei lá já me desenganaram. Falaram que eu tinha 2% de chance de vida. Era muito grave. Falaram pra minha família se preparar porque talvez eu não passasse daquela noite. Se eu sobrevivesse, eles iriam tentar me encaminhar pra Curitiba”. Naquela noite teve uma parada respiratória, mas os médicos conseguiram reanimá-lo.
Depois de dois dias no Hospital Regional, ele foi transferido de avião para o Hospital Evangélico de Curitiba. A mudança não alterou o prognóstico. “Lá os médicos olharam o meu estado e falaram a mesma coisa: tem 2% de chance de viver.” Quem ouvia os diagnósticos era a esposa Keitiane. E, conforme Alemão soube depois, ela não aceitava. “Ela batia o pé e dizia pros médicos que eu ia sobreviver. A fé dela era inexplicável.”

Quando a medicina esgotou as possibilidades, Deus colocou a mão
Até o 16º dia o risco de morte era grande. Além da gravidade dos ferimentos, o paciente ainda podia ter complicações por ficar só no soro, sem se alimentar. E, de início, Alemão não reagia. A situação era tal que os médicos avisaram a família que haviam feito tudo o que era possível e que dali em diante era só por um milagre. “Foi aí que Deus colocou a mão e mostrou que é um Deus de milagres, que a última palavra é dele”, frisa.
Lá pelo 10º dia internado em Curitiba, Alemão acordou. “Eles falavam que eu tinha risco de morte ainda, mas eu comecei a caminhar.” A previsão era de, na improvável hipótese de sobreviver, ficar de três a seis meses no hospital. “Era pra ser três meses só na UTI; eu fiquei 22 dias na UTI e 47 dias no hospital. E depois que eu acordei, comecei a caminhar, me alimentar, a fazer exercício, sair da minha cama”, conta.
A recuperação do rapaz assombrou a equipe médica. “Eles não acreditavam, falavam ‘é só Deus, não tem explicação’. O médico que cuidou de mim tinha uns 50 anos de experiência. Ele me deu alta e se aposentou falando que não tinha explicação”. Para, Alemão, no entanto, não havia surpresa ou mistério na sua recuperação. “Quando eu acordei, agradeci a Deus e na hora Ele falou comigo, disse que estava comigo, que não era pra eu temer.”
“Eu sabia que ia sobreviver”
A certeza de que estava vivendo um milagre deu muita força ao rapaz. “Pra todo o lado que eu olhava tinha gente morrendo, era terrível. Mas eu sabia que ia sobreviver. Deus falava pra mim lá no hospital ‘não se cale, você é o meu milagre’. E depois que acordei, em dois ou três dias já estava falando; eu enxergava embaçado, mas em três ou quatro dias já enxergava 100%. O movimento das minhas mãos foi um dos primeiros a voltar.”
“Deus fez um milagre 100%”
Ou seja, em poucos dias, todas as previsões lógicas, baseadas na experiência médica, caíram por terra. O nível de recuperação chegou a tal ponto que tornou a palavra ‘surpreendente’ insuficiente para definir. “Fui muito queimado, meu rosto derreteu. Mas a face voltou 100%. Deus permitiu que acontecesse isso comigo, mas fez um milagre 100%”. Alemão se considera usado, uma testemunha viva do poder de Deus.
“Eu acredito que Deus permitiu isso pra mostrar que ele é Deus de milagres. Se a gente olhar onde foi o acidente, que eu era muito conhecido aqui na cidade e somar que houve muita repercussão, até em Curitiba, porque ficava passando na TV, eu acredito que foi uma intervenção de Deus, pra honrar a Ele. Hoje eu glorifico a Deus por eu ter passado por isso, passado pelo fogo. De outra forma eu não ia voltar pros caminhos dele, eu tava muito desviado”.
A marca de Deus
Um ano após o acidente, Lucas Carlos Ferreira, o Alemão, leva uma vida praticamente normal. Ele precisa tomar certos cuidados, como evitar a exposição ao sol, e tem consultas regulares em Curitiba. O próximo passo são cirurgias plásticas para reduzir algumas cicatrizes que ficaram pelo corpo. Uma delas, na orelha, ele prefere não apagar. “É a marca de Deus, eu quero deixar pra que eu possa sempre me lembrar.”
* A reportagem fez contato com o Hospital Evangélico de Curitiba para ter uma avaliação sobre a evolução do quadro de saúde do paciente Lucas Carlos Ferreira no período de internamento. A assessoria de imprensa informou que estava, ontem, com bastante demanda de trabalho e conseguiu apenas informações básicas sobre os atendimentos prestados a ele e não obteve uma avaliação de algum dos profissionais que participaram do atendimento.