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Francisco Beltrão
quarta-feira, 28 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

O roteiro de uma detonação urbana

Muita gente envolvida, desde horas antes de se ouvir o som provocado pela série de dinamites que explodem quase simultaneamente.

Funcionários da Siton trabalham desde cedo na colocação dos dinamites, seguindo-se a cobertura com terra e mantas de pneus que impedem o arremesso de pedras na hora da explosão. Tudo deve ficar pronto até as 10h da manhã. São 23 furos, oito a mais da primeira explosão, ocorrida dia 12, última quarta-feira. Tudo bem encaminhado, na manhã desta sexta-feira de temperatura agradável (cerca de 23 graus) e de sol, sem risco de chuva. É o início do túnel de 1.200 metros que irá desviar as águas das enchentes do Rio Marrecas.

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Às 8h45, um casal de idosos que acaba de deixar sua casa, a uns 50 metros do local das explosões, sobe pela Rua Nova. Dona Maria Celamira Alionso, de 62 anos, diz que agradeceu à oferta do ônibus da Prefeitura para ir se proteger no Centro de Eventos, como muitos foram para lá. Ela prefere ficar na casa da nora Rosane da Silva. “Disseram pra nós que ali não tem perigo.” O marido, Francisco de Oliveira de Jesus, 57 anos, diz que não se importa pelo incômodo de sair de casa, porque o motivo se justifica. “É um pedido deles (pessoas que sofrem com as enchentes) e se está prejudicando lá, não queremos. Na lei de Deus, todo mundo quer viver, né?”

Nova explosão para o túnel do Rio Marrecas. 

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Fotos: Ivo Pegoraro/JdeB

Na rua seguinte, dois grupos de moradores formam rodas de chimarrão. A detonação foi marcada para as 10 horas, mas desde as 9 tiveram que deixar suas casas. Estão tranquilos, sentem-se seguros. “Que tal uma foto?” “Pode fazer.” “Agora me digam o nome de vocês.” “Precisa?” “Não custa por o nome.” “Então tá.” Alvino, Pastorina, Osni, Jakeline e Alaídes. Aí um se espanta: “O seu nome é Pastorina? Eu não sabia.”

Alvino, Pastorina, Osni, Jakeline e Alaídes. Encontro de vizinhos.

É um momento que os próprios vizinhos vão se conhecendo melhor. Mais adiante tem outras rodas de moradores que conversam, vários cachorros circulando entre eles. Se uns moradores saíram da área de risco e foram para longe, outros vieram de longe, ou de ruas próximas, para ver o que iria acontecer. Um deles, Vilson de Oliveira, contava das vezes que viu muita madeira e outras coisas levadas pelo Marrecas em dias de enchentes.

No início da Rua Patativas, número 35, dona Nelci Prestes da Rosa, de 66 anos, estava bem acompanhada na área de sua casa, com a filha Marli que veio com três de seus quatro filhos (um foi pra aula), para sair da área de risco. Dona Nelci disse que tem medo. “As pessoas dizem que foi tranquilo.” “É, mas aqui chacoalhou tudo, meu Deus, que medo!”

Um carro da Secretaria da Saúde estava no bairro para atender pacientes. Carros da Polícia Militar também circulavam nas proximidades. Às 9 horas, ouviu-se um alarme, mas não era da PM e sim de uma viatura da Defesa Civil que circulava pela Rua Pelicano. Era o último sinal para que, se alguém ainda estivesse em casa, que saísse.

O jornalista Éverton Leite, da Rádio Onda Sul, procurava alguém para entrevistar. Do pessoal da Siton ninguém quis falar. Os únicos que deveriam dar entrevista eram o prefeito Cleber e o vice Pedron, mas nenhum dois dois estava lá. Éverton insistiu com o coordenador da Defesa Civil, Renato Muller, que concordou em falar, mas sem entrar em detalhes do projeto. Disse que estavam sendo evacuadas todas as famílias que residem na área de risco, para que a operação fosse executada com toda segurança.

Quem desce para o local a ser dinamitado vê, num córrego que desce ao lado da rua, muita sujeira. Restos de construção, papeis, até pneu de bicicleta. Muita sujeira também no barraco que liga o canteiro da obra com a primeira rua do Conjunto Esperança.

Dois representantes do Exército verificam informações que dispõe em pranchetas e em conversas com várias pessoas ligadas à obra.

Os furos com dinamites já estão cobertos de terra e uma máquina coloca sobre a terra pesadas mantas, de três a quatro toneladas cada, formadas por pneus. É para segurar as pedras que saltam da explosão.

Subindo o barranco, Gelson Corazza e Murilo Somenssi instalam uma câmera que irá filmar a explosão. As fotos serão tiradas dessas imagens (se nenhuma pedra atingir a câmera).

Câmera ficou para captar imagens das explosões.

Mulheres que fazem a segurança acompanham os vários grupos. Uma delas quer saber como que tem uma pessoa a mais além dos representantes da Assessoria de Imprensa da Prefeitura. “Entrou junto com o pessoal da Defesa Civil.” “Então pode ficar.” (Ainda bem, senão este relato seria mais curto).

A partir das 9 e 20, ouvem-se estampidos, que não são nem tiros, nem explosões, da máquina que continua puxando as pesadas mantas de pneus. Logo aparece o responsável pela captura da fauna e da flora, médico veterinário Arnaldo Donatti. Ele diz que estava soltando bombinhas para afugentar animais e pássaros que por acaso estivessem no local.

Esse “por acaso” é explicado pelo secretário do Meio Ambiente, Adriano David. Estudos mostraram que não há animais silvestres nessa região; se aparece algum é porque está só de passagem. E ainda existe a vibração de máquinas, o que contribui para afugentar algum animal que eventualmente apareça por ali. O risco, portanto, de as explosões atingirem animais é quase inexistente, afirma Adriano. “Situação diferente será no aprofundamento do Rio Urutago, lá vai aparecer muito peixe.”

Tudo encaminhado, aproxima-se o momento de todos deixarem o local e por fogo nos fios que irão provocar as detonações. O engenheiro de minas Lucas Partelli, na Siton há cinco anos, informa que a detonação de hoje, com 23 furos, pode ser considerada média para perímetros urbanos. “Não se pode comparar com a detonação de uma pedreira, que é muito maior.” Assim que ele ou o outro engenheiro de minas, Fernando Botelho, acender o fio, terá pouco mais de três minutos para entrar no carro, onde um motorista estará esperando, e sair do local de risco.

Lucas também explicou que as explosões não são simultâneas. Uma acontece 25 milésimos de segundo após a outra, mas é um tempo tão curto que nós humanos nem percebemos. Neste caso, daria pouco mais de meio segundo, se todas detonassem mesma sequência.

Maria Celamira e Francisco de Jesus: “Na lei de Deus, todo mundo quer viver”

Lá na rua, a sirene da Defesa Civil foi ligada para alertar que estava chegando o momento da explosão, mas as pessoas continuaram sentadas, ou em pé, paradas, conversando. E ao se ouvir a detonação, nada mudou, foi como um estrondo que viesse de longe. Ao contrário do que se poderia esperar, nenhum cão saiu correndo e ganindo. Ficaram todos onde estavam, como se nada tivesse acontecido.
Um carro da Siton desceu para a obra e logo foi ligada novamente a sirene da Defesa Civil. A detonação tinha sido parcial. O engenheiro Fernando Botelho verificou que, ao colocar terra sobre as minas, rompeu um fio e a sequência de detonações foi interrompida. Em poucos minutos, ouviu-se a segunda detonação e tudo se encerrava com total segurança.

Seu Vilson de Oliveira, que já havia acompanhado a detonação inaugural, da quarta-feira 12, observou uma diferença. Naquele dia, ele viu pedras arremessadas para o ar, mas hoje não viu nada.
E a dona Nelci, na casa ao lado, continuava assustada. “Eu fui lá pra dentro e tapei os ouvidos com as mãos, quanto medo, meu Deus!”

Dona Nelci: “Quanto medo, meu Deus.”

 

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