
Por Niomar Pereira – Comprar um carro novo no Brasil não é para qualquer um. Os modelos de entrada mais baratos do mercado giram em torno de R$ 70 mil, valor considerado alto para os padrões salariais vigentes no País, ainda mais se se levar em conta que há 10 anos existiam modelos zero pela metade do preço.
Com estoques parados e vendas em baixa, algumas montadoras anunciaram férias coletivas no início deste ano. Preocupados em atender este segmento que ficou sem opções, indústrias e governo começam a discutir a volta do “carro popular”, com preço na faixa de R$ 50 mil. Inclusive, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) estuda incentivar a produção de carros movidos somente a etanol, com motores 1.0. O tipo de incentivo que poderia vir do governo para baratear o custo da indústria ainda não está bem claro. Isenções fiscais seriam uma possibilidade.
O beltronense Alessandro Nesi, 40 anos, decidiu trocar de carro no início deste ano. Ele tinha um modelo da Renault, ano 2021, com apenas 18 mil km, mas queria um carro ainda mais confortável, porque o veículo é instrumento de trabalho. Ele é motorista de aplicativo e passa bastante tempo dentro do carro.
Além do conforto, Alessandro precisava de mais economia de combustível, então comprou um HB20, ano 2023, 1.0 turbo de fábrica, pelo preço de R$ 94 mil. Para pagar menos, ele teve a possibilidade de configurar o carro conforme sua necessidade, escolhendo rodas de ferro, em vez das de liga leve, e câmbio manual, em lugar do câmbio automático. “Comprei um ‘carro mil’, que supostamente seria um carro popular, mas o valor hoje é um absurdo, você comprar um carro de entrada e pagar quase R$ 100 mil reais.”
Alessandro acredita que o preço dos carros teve um aumento muito acima da renda dos brasileiros. E o pensamento dele faz sentido. Em 2017, conforme levantamento da Revista Quatro Rodas, o preço médio dos carros novos era de R$ 70.877. Houve um aumento de 4,8% para 2018 (R$ 74.313) e de mais 2,8% em 2019 (R$ 76.430). Com a pandemia, a coisa degringolou e o aumento no preço médio dos carros acumulado de 2020 a 2022 foi de 51,5%.
Legislação forçou melhorias, mas encareceu os carros
Nos últimos anos, a legislação passou a cobrar mais itens de segurança como freios ABS e airbags, encarecendo a produção e inviabilizando alguns projetos como o Uno Mille, que foi muito vendido em sua versão simples, e a Kombi, um veículo de trabalho que tinha boa aceitação do brasileiro, entre outros.

Paulo Baraldi, diretor do Grupo Meimberg, diz que vários fatores alteraram o mercado, contudo, há que se considerar que as exigências do consumidor também mudaram, levando a indústria a se adaptar. “Em todas as montadoras os carros de entrada já vêm com direção hidráulica ou elétrica e ar condicionado, a maioria com som, com vidro elétrico. Então, de popular ele virou um carro mais sofisticado e isso agregou o preço. Algumas marcas importadas, principalmente as chinesas, deverão trazer carros com preços mais populares. Mas é bom lembrar que ninguém mais quer carro sem direção hidráulica e sem ar condicionado.”
Baraldi entende que a redução de preços pode ocorrer em alguns modelos de entrada, mas é uma coisa que a oferta e demanda irão ditar. Enquanto isso, as concessionárias também estão se adaptando, passando a atuar como consultoras de vendas aos clientes. “Hoje, pelo celular você compra um carro e ele é entregue na sua casa, independente da marca, com a compra direto da fábrica. E o concessionário fica com o ônus do atendimento do pós-venda na reposição de peças e serviços. Então a tecnologia está obrigando as montadoras a serem mais ágeis, eliminando a cadeia de venda, traçando venda direta da fábrica ao consumidor final. Você vai poder pedir o seu carro, do popular ao mais top de linha, direto de fábrica e em poucos dias vai receber na sua casa.”
Márcio Pallaoro, diretor comercial da Pirâmide Veículos de Pato Branco, observa ainda que durante a pandemia, no caso específico da Volkswagen, os carros de entrada tiveram sua produção reduzida em virtude da falta de componentes importados. O Gol, símbolo dos carros populares, teve sua produção interrompida ano passado. “Hoje, na Volkswagen, os carros de entrada são muito mais completos que há dez anos. Muitos itens começaram a ser obrigatórios e itens de conforto estão vindo de série como ar condicionado, direção e conjunto elétrico. Na nossa linha são todos itens de série e aí eles fazem parte do pacote de um carro com mais opcionais e é normal que o preço de mercado seja condizente com o que ele oferece.”
Márcio projeta que, com a normalização da produção de carros novos, os preços irão cair. Porém, ele não crê que no curto prazo as montadoras conseguirão lançar um carro popular com valor muito mais baixo do que é praticado atualmente, porque demanda projetos, estudo e financiamento para os novos produtos. “Se acontecer, será no longo prazo.”
O problema está no poder de compra
Na GM, o carro de entrada mais barato na linha 2023 custa a partir de R$ 83 mil; se for na linha 2024, os preços começam em R$ 85 mil. A GM teve por muito tempo o Celta e, mais tarde, o Ônix, carros populares que foram campeões de venda. O primeiro tirado de linha e o segundo, reformulado, recebeu facelift e agora ficou mais caro.
Alceu Marcelo Perondi, gerente de vendas na Sudoauto Automóveis, comenta que não há até o momento informação de que a GM irá investir na linha de carros populares. “Ela (GM) já tinha os carros de entrada e acabou eliminando os mais básicos, não é o foco da marca, pelo menos o que tem de informação até o momento.” Todavia, o gerente relata que o poder de compra do consumidor encolheu nos últimos dois anos e por isso haveria, sim, mercado para carros mais populares. Conforme Alceu, a busca atual é por carros mais baratos, no segmento dos seminovos, por exemplo, o que tem procura é por carros de valores entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, no máximo.
Para ele, a indústria teria que fazer uma redução significativa do preço para “colar” um carro popular novamente. Uma informação que circula é de que as montadoras conseguiram diminuir o preço em até R$ 10 mil. “No meu ponto de vista, dez mil não vai resolver o problema. O problema não é no carro, é o poder de compra, a inflação que tá muito alta, taxas de juros que estão muito altas. O problema está na nossa economia, que está bem complicada para todos os setores, se você for analisar, todos os setores estão com dificuldade.”
Mercado de usados está aquecido

O mercado de veículos usados está aquecido no Brasil. Conforme dados da Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto), foram vendidos no primeiro bimestre deste ano 2.052.550 unidades contra 1.680.280 do mesmo período de 2022. Um aumento de 22%. Nesta conta entram carros, motos e caminhões. Na mesma linha, as vendas em fevereiro de 2023 subiram 18,2%, quando comparadas ao mesmo mês do ano passado.
João Huning, coordenador do Núcleo de Revendedores Beltronenses da Acefb, relata que há muita dificuldade para repor os estoques de seminovos. Na opinião dele, se a indústria voltar a produzir carros mais baratos, num primeiro momento irá impactar negativamente no mercado de usados, porque os estoques sofrerão desvalorização, contudo, com o tempo haverá um ajuste nas vendas. “Quanto mais opção, melhor, só que eu não vejo muito o que a indústria vai conseguir baratear nos carros atuais. Se você olhar os mais populares do mercado, que são o Renault Kwid e o Fiat Mobi, ambos na faixa dos R$ 70 mil, eles não têm muita tecnologia. Então, vão retirar o que, dos carros, para baixar o preço?”
De acordo com o empresário, durante a pandemia as montadoras perceberam que era melhor produzir menos unidades, com valor agregado. Por outro lado, se continuar como está, João prevê que logo haverá um envelhecimento da frota. “Hoje você não acha mais seminovo com baixa quilometragem. Nas locadoras, que são fornecedoras para as revendas, antes você tinha carro com um ou dois anos de uso com 15 mil km, 20 mil km, hoje eles te repassam com 50 mil km, 60 mil km.” Outro problema é a questão dos juros altos para financiamento de veículos. “Não temos previsão que os juros irão baixar até o final do ano.”
Carro popular poderia atender demanda dos aplicativos
“A gente que trabalha com o aplicativo, que precisa ter um carro bom, o mais novo possível, por causa da muita quilometragem que fazemos no nosso trabalho”
O Brasil tem aproximadamente 1,5 milhão de motoristas de aplicativos de transporte passageiros. É uma categoria que roda muito e precisa trocar de carro no máximo a cada dois anos. Angelo Toniazzo, CEO da Chofer46, afirma que, para os motoristas, seria vantajoso a volta do carro popular. “É um carro que dá pra usar pra trabalho mesmo, não tem muito luxo e tanto o preço de compra como a manutenção saem mais barato. O que eles chamam de carro popular hoje está na faixa de R$ 70 mil a R$ 80 mil. E isso acaba encarecendo para o motorista ter uma ferramenta com valor tão alto para trabalho.”
De acordo com ele, os carros cadastrados no Chofer 46 rodam entre 5 mil e 8 mil km por mês. Em um ano, o carro tirado zero vai circular, na média, 60 mil km. “E a gente considera que até 100 mil km o carro ainda te oferece mais segurança e um custo de manutenção menor. Para quem está trabalhando, essa manutenção, que não é só troca de fluídos, filtros e óleo, já começa a prejudicar, porque às vezes leva uns dois dias pra ficar na oficina e quando há dia parado é prejuízo para o motorista.”
Angelo entende que os próprios bancos poderiam criar linhas de crédito específicas para os motoristas de aplicativo, com taxas de juros mais atrativas, incentivando a renovação da frota com mais frequência, pois beneficiaria toda a cadeia da indústria automotiva. “Toda a classe andaria de carro zero.” Angelo relata que a Chofer 46 preza muito pelo ano do carro, porque é uma forma de oferecer mais segurança aos passageiros e também ter o automóvel disponível para viagem a qualquer momento.
“A gente que trabalha com o aplicativo, que precisa ter um carro bom, o mais novo possível, por causa de muita quilometragem que fazemos no nosso trabalho. Um carro que roda muito”, comenta Alessandro Nesi, que pegou o carro em janeiro novo e já está com 30 mil quilômetros rodados.