Edital elaborado há quatro anos considerou uma demanda bem acima da atual realidade: são 50 mil passageiros a menos por mês.

Quando a Prefeitura realizou os estudos para elaboração do edital do transporte coletivo urbano em Francisco Beltrão, em 2014, ainda não havia a chamada bilhetagem eletrônica. As passagens eram de papel e alimentavam um mercado paralelo que a licitação não considerou: os vales-transportes eram comprados pelas empresas e fornecidos aos trabalhadores, que muitas vezes trocavam os “passes” por combustível ou os revendiam a um preço bem abaixo do cobrado na catraca. Em alguns casos, as fichas voltavam para as empresas de ônibus por uma fração do valor que eram comercializadas.
Esse mercado clandestino, no entanto, não permitia ter clareza sobre o real número de passageiros transportados por mês; primeiro, porque parte dos vales-transportes não era utilizada e voltava às empresas de ônibus e, segundo, mais gente se motivava a usar o transporte coletivo, pois comparava as passagens de atravessadores por um valor menor.
A farra dos passes acabou depois da implantação da bilhetagem eletrônica, com o fornecimento de cartões individuais aos passageiros. Com isso, muita gente que recebia as passagens da empresa e trocava os bilhetes optou por abrir mão do benefício. A Prefeitura de Beltrão é um exemplo: em 2015, gastava cerca de R$ 40 mil/mês com a compra de passagens para os funcionários e hoje esse valor gira em torno de R$ 5 mil mensais.
A ampliação de uma nova faixa da população no benefício da gratuidade também mexeu com as finanças do sistema de transporte coletivo. Dois meses após a implantação do novo contrato, firmado em 2016, a Prefeitura regulamentou a bilhetagem estipulando a gratuidade a idosos a partir de 60 anos, e não 65, como indica a legislação federal e previa o edital de concessão do transporte urbano. O benefício às pessoas entre 60 e 64 anos já gerou perdas de R$ 1,8 milhão para a Guancino entre janeiro de 2016 e julho deste ano.
Estes são os dois principais pontos que justificam o pedido de reajuste de 20% no preço da passagem urbana em Francisco Beltrão. A empresa que opera o serviço pede não somente a reposição da inflação conforme a planilha técnica, mas também o chamado reequilíbrio econômico-financeiro, medida prevista em contrato para algumas situações.
“Estamos transportando anualmente 600 mil pessoas a menos que o previsto no edital – e isso foi uma base para ser montada a estrutura de atendimento aos cidadãos de uma forma sustentável –, portanto, a receita é menor. Junto, tem a questão da ampliação da gratuidade e isso não se questiona, é um direito, mas que não estava previsto e não há nenhum subsídio do poder público para compensar; quem está pagando essa ‘passagem gratuita’ são os outros usuários, que têm esse custo diluído em sua tarifa”, argumenta o administrador da Guancino, Muran Almeida.
Folha, diesel…
A empresa também aponta outros fatores para justificar o pedido, como o custo com folha de pagamento, que chega a 60% da receita, e o aumento no preço do óleo diesel. “O que propomos é uma compensação pelas perdas que vêm desde 2016. Foi montada toda uma estrutura para uma demanda que não existe e hoje a conta está chegando, mas temos o compromisso com a sociedade e um contrato para ser respeitado”, tranquiliza Muran.
Atualmente, a Guancino transporta, em média, 160 mil passageiros por mês, mas cerca de 58 mil utilizam o benefício da gratuidade. O setor também adequou rotas e horários para melhorar o atendimento aos moradores e luta para competir com a febre dos aplicativos de transporte, que chegam a cobrar a partir de R$ 7 por uma viagem. Se o reajuste pretendido se confirmar, a passagem de ônibus chegará a R$ 4,38.
Análise da Prefeitura e Conselho
O pedido da Guancino Transportes Coletivos foi recebido na semana passada e a partir de então a Prefeitura de Beltrão estuda uma contraproposta, com base na planilha técnica.
Todo ano, o valor da passagem deve ser reajustado na seguinte proporção: 50% pelo aumento de salários da categoria, 30% pela variação do combustível e 20% pela elevação do custo de manutenção.
Agora, o trabalho é para chegar a um ponto de equilíbrio que permita uma operação sustentável, sem onerar demais para o usuário — o que tenderia a reduzir ainda mais o número de passageiros.
O secretário de Administração, Antônio Carlos Bonetti, cita que nos últimos anos são realizadas constantes adequações para melhorar a eficiência do serviço e alguns gargalos de infraestrutura estão sendo superados, como o asfaltamento de ruas nos bairros e a futura transferência do terminal urbano, mas o pedido da Guancino está sendo estudado. “Temos uma equipe técnica que avalia a planilha e acompanha o contrato, temos o Conselho Popular que analisa o pedido de reajuste e dá seu parecer, mas a palavra final é do prefeito”, sintetiza. Neste ano, o prefeito Cleber Fontana (PSDB) não concedeu o reajuste pedido pela empresa e o aumento teve de ser determinado pela Justiça.
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Antonio Carlos Bonetti: adequações para melhorar o serviço.
Foto: Flávio Pedron/JdeB