Geral
Outro dia, lendo o prefácio de 1998 que Alfredo Sirkis fez para o relançamento de seu premiado livro ??Os carbonários??, de 1980, ele lembrou mais ou menos o que coloquei no título: se na vida prática os grupos de esquerda brasileiros foram derrotados no período da ditadura militar, o que aconteceu depois da anistia foi uma goleada na literatura. Começou em 1979 com o até hoje famoso ??O que é isso, companheiro???, do jornalista Fernando Gabeira, e não se parou mais, e ao que consta nem vai parar, apesar do que pretende certa critica ao colocar a obra parcialmente lançada de Elio Gaspari, ??As ilusões armadas?? ? serão cinco volumes, dos quais dois já foram lançados, ??A ditadura envergonhada?? e ??A ditadura escancarada??, abarcando o período de 1964 a 79 ? como definitiva sobre esse período violento.
Gaspari pode ter feito, e fez, um grande trabalho jornalístico, e de imensa leitura, mas acho que nem ele reputaria para si o exagerado ??definitivo??. Até porque tem muita gente da esquerda que não quer falar, e, pela direita, existem documentos até hoje secretos. Aliás, isto foi motivo de notícia no domingo de Páscoa na Folha de S. Paulo, quando o presidente Lula ratificou um decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no final do ano passado, mantendo e ampliando o sigilo de documentos de Estado. O jornalista que assinou a matéria, Mário Magalhães, observou que ??a iniciativa de Fernando Henrique até agora mantida por Lula dificulta que se conheça plenamente a história do país. Documentos secretos sobre o golpe de 1964, mesmo com o prazo máximo prorrogado, poderiam ser liberados no ano que vem, 40 anos após sua produção. Agora podem ser escondidos até 2024??.
Na opinião de juristas e de Mário Magalhães, o decreto de FHC ??é inconstitucional??. A Lei de Arquivos (de 1991) fixa em 60 anos o prazo máximo de restrição a ??documentos sigilosos referentes à segurança da sociedade e do Estado??. O decreto de FHC, datado de 27 de dezembro de 2002, amplia os limites de todas as categorias (ultra-secretos, secretos, confidenciais e reservados), criando também o novo prazo de 50 anos prorrogáveis até a eternidade ? portanto acima do que a lei prevê.
Para resumir: hoje temos, pelo decreto, os tais 50 anos (prorrogáveis para sempre!); 30 anos (prorrogáveis até 60); 20 anos (até 40), e dez anos (até 20).
??A República é um regime em que as coisas que estão ligadas diretamente ao povo não podem ser apropriadas por ninguém. No caso de documentos considerados importantes para a preservação da segurança do Estado, esse sigilo só pode ser mantido por um tempo adequado??, disse o constitucionalista Fábio Comparato na referida matéria da Folha.
Mulheres
Terminei no feriadão ??Mulheres que foram à luta armada??, do jornalista Luiz Maklouf Carvalho, livro de 1998, também premiado. Muito bom, onde, como o título antecipa, ficamos sabendo de muitas histórias de mulheres nos grupos guerrilheiros do Brasil do final dos 60 ao início dos 70. Muitas morreram, outras tantas sobreviveram.
O livro começa investigando um caso desses que a esquerda preferiria manter em segredo para sempre: a morte, ao que se deduz acidental, de uma militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), em setembro de 1968. Seu corpo foi enterrando clandestinamente, seu marido mandado para fora do país, sua família ignorada e um pacto de silêncio que ronda os cinco ou seis protagonistas dessa atitude que não querem falar.
Maklouf é implacável: ??Que o fizessem naquela ocasião e continuassem mantendo segredo até que a ditadura continuasse mandando é coisa que se pode até compreender como necessidade da luta. Que o continuem mantendo até agora, quando as famílias dos mortos e desaparecidos políticos estão recebendo até indenização do Estado, bem, aí já é com a consciência de cada um??.
Pois Maklouf também tem seu segredo. Foi uma fonte secreta que lhe disse dessa morte, desse sepultamento