Lembrei da expressão de 22 anos atrás, a “herança maldita” — que, em Pato Branco, perece ser incontestável, diferentemente daquela peça de propaganda dos petistas de 2003.
Badger Vicari – Os mais antigos devem lembrar do marketing petista de 2003, primeiro ano do governo Lula. Dizia-se, à exaustão, que a turma havia recebido uma “herança maldita” dos oito anos do presidente Fernando Henrique Cardoso, também acusado de “neoliberal” (hoje seria “fascista”). Quem ouvisse e não soubesse de nada, podia imaginar que FHC entregara uma gestão de terra arrasada, com contas atrapalhadas, descontrole total, ausência de políticas públicas, etc.
Na verdade foi um slogan, digamos, que servia de anteparo (ou de desculpa preliminar) para as dificuldades naturais de um novo grupo que chegava ao poder. O único programa dos novatos naquele ano foi o Fome Zero, que se revelou um grande fracasso, com ampla burocracia e amplo desperdício. Foi abandonado em poucos meses e seus mentores demitidos. José Dirceu só não demitiu o Lula porque, afinal, o sujeito era o presidente…
A justificativa da “herança maldita” era a inflação de 12%, o dólar alto e os juros lá em cima — a herança advinda de 2002 por causa do chamado “risco PT” presente na campanha eleitoral.
Sim, o “risco PT”, o temor dos mercados e investidores diante da iminente vitória de Lula, gerando insegurança jurídica em todo o mundo (quem quiser se aprofundar nesse tema pode ler “Eles não são loucos — os bastidores da transição presidencial FHC-Lula”, livro do jornalista João Borges).
José Dirceu e Antônio Palocci, os caciques do petismo, sentiram o perigo a elaboraram a “Carta ao povo brasileiro”, apresentada durante o pleito (antes foi apresentada ao FMI, conforme relata João Borges), na qual o PT prometia manter as políticas econômicas do governo tucano da estabilização, etc. Promessa cumprida, registre-se.
Fiz essa introdução para escrever o seguinte: numa entrevista nesta semana, o prefeito Géri Dutra decretou a suspensão de pagamentos da Prefeitura de Pato Branco. Contas fora do controle, suscitando uma dívida de milhões de reais, etc. Lembrei então da expressão de 22 anos atrás, a “herança maldita” — que, em Pato Branco, perece ser incontestável, diferentemente daquela peça de propaganda dos petistas.
Fico a pensar nos fornecedores, muita gente que talvez contasse com o pagamento da administração para movimentar sua empresa, para, enfim, honrar também seus compromissos e tal. Mas o prefeito Géri ficou sem saída e fez o certo. Tem na pasta das Finanças Vilmar Duarte, experiente e reconhecido em outras administrações municipais do Sudoeste.
Mas em política — como em tantas outras esferas da vida — há a guerra de versões. Talvez o ex-prefeito Robson Cantu chame uma entrevista coletiva e se defenda do que foi anunciado pela administração do prefeito Géri.
Se a gente pesquisar vai encontrar economistas e jornalistas justificando que a herança recebida por Lula em 2003 foi, de fato, “maldita”, mesmo que isso contrarie a realidade de forma escancarada. A política tem disso.