jogadora Marta,
Desde 1958, quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo, a Suécia goza de grande simpatia entre nós, embora saibamos pouco, muito pouco sobre ela. Falo por mim. Conheço duas coisinhas sobre a terra da escritora Selma Lagerloff, de cuja obra fiquei sabendo pelo cineasta sueco Arne Sucksdorff, então vivendo em Cuiabá, a quem fui apresentado pelo jornalista Luiz Aldori Neves Fernandes, fundador da “Folha do Sudoeste”(Francisco Beltrão, PR) e pelo professor João Vieira, diretor do Museu Rondon da UFMT. Isso foi em 77. Arne já beirava os 60 anos. Era nome feito na Suécia quando veio ao Brasil, em 62, patrocinado pela Unesco para ministrar um curso sobre cinema na cinemateca do MAM-Rio de Janeiro. Teve alunos, hoje famosos, todos ligados ao Cinema Novo como Arnaldo Jabor, Lauro Escorel, Nélson Pereira dos Santos (que sucedeu, na Academia Brasileira de Letras, o saudoso amigo e mecenas Sérgio Correa da Costa, sobre quem já escrevi N vezes nesta coluna.) Arne apaixonou-se pelo Pantanal, que registrou em mais de 80 mil fotos. Publicou livro todo ilustrado “Pantanal, um Paraíso Perdido” e voltou, já bem idoso, para morrer na sua amada Suécia. Lá publicou um livro de memórias (En Dommares Vâg ), inédito em português.
Soube, lá pelos anos 85-90, que a Funai havia tomado as terras de Arne que passou privações com sua esposa Maria, uma mestiça de índio com negro, tema para futuro artigo…
Sugiro a Nélson Pereira dos Santos que escreva um artigo sobre o livro de memórias de Arne referente aos seus trinta anos de Brasil. É sabido que Pereira dos Santos trabalhou seu Vidas Secas numa mesa de montagem Steenbeck, trazida por Arne.
Na tarde que passei na casa do Arne, disse-lhe que sabia muito pouco sobre a Suécia e pedi a ele que me desse sugestões de leitura. A resposta foi imediata: leia os livros de Selma Lagerloff, prêmio Nobel de Literatura de 1909. Ela fala muito sobre o interior da Suécia e de seu povo.
Publiquei em 77, na Folha do Sudoeste, um artigo sobre Arne Sucksdorff com foto de sua autoria (um jaburu ou tuiuiú no seu ninho no alto de uma árvore). Há pouco achei um livro de Selma Lagerdoff, em francês, sobre sua infância (Journal d’enfant).
Devido ao grande futebol da alagoana Marta, que vive na Suécia há mais de dez anos, e agora está por aqui disputando as Olimpíadas, volta-se a falar muito sobre a Suécia. Escrevo dois dias antes do jogo Brasil x Suécia, futebol feminino.
Imagino que Marta fale e leia fluentemente o sueco, afinal está por lá há mais de dez anos com intervalo de dois anos nos Estados Unidos e no Brasil. Imagino que tenha adquirido o hábito da leitura, comum no povo sueco e que tenha alguma cultura.
Imagino que haja estudado alguma coisa e lido sobre o país que a acolheu e a fez crescer, tirando-a da pobreza de Dois Riachos, no sertão de Alagoas, quase divisa com Pernambuco, de onde saiu sozinha com 14 anos, filha de mãe separada, seis irmãos e vítima de preconceito por ser a única menina de sua cidade a jogar bola com meninos. Marta sempre que pode vai visitar Teresa, sua mãe, a quem deu uma casa espaçosa, e o professor Tota, seu incentivador.
Marta deve-nos um livro (algum jornalista poderia ajudá-la nessa tarefa) contando sua vida, sua luta para superar a pobreza e o preconceito contra a mulher não poder jogar futebol… Ninguém vai do sertão de Alagoas à Suécia sem sentir calafrio…
Mais de 80 mil mulheres jogam futebol na Suécia! Esperamos que, com a conquista do Ouro, da Prata ou do Bronze por Marta e suas colegas, o futebol feminino dê um salto para a alegria, pois, lá no Céu do Futebol, Luciano do Valle, que tanto fez para a difusão do futebol feminino, está vibrando.
Marta luta pela cidadania sueca para que possa viver com tranquilidade entre o Brasil e a Suécia quando deixar o futebol. Ela terá, certamente, espaço em times de futebol feminino, como gênio do futebol, aqui e no país nórdico.
Marta é, sem favor algum, nossa embaixadora honorária no país da rainha Sílvia, tão distante, tão frio e de belas mulheres, de que sabemos tão pouco. Marta é a nordestina que deixou a caatinga, o sertão para viver nas geladas terras geladas suecas.