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Francisco Beltrão
quarta-feira, 18 de junho de 2025

Edição 8.228

18/06/2025

A violeira e repentista Barbosinha

Barbosinha

Viajei com ela de Parnaíba à Colônia de Pescadores do Coqueiro, na costa do Piauí, lá por 1977. Não sei seu nome completo. Nem eu nem ninguém. Era apenas Barbosinha, a violeira, nascida na Paraíba, peregrina do sertão nordestino, mulher valente, cega desde criança, mesmo assim capaz de ganhar a vida com sua cantoria. Não era grande repentista nem tão talentosa quanto o cego Aderaldo, quanto Azulão, ou Mocinha da Passira, que Ariano Suassuna comparava, mutatis mutandis,  à espanhola Pastora Pavón.  Não tinha a vida mítica de Helena Meireles, pantaneira, extraordinária violeira, cantadora de chamamés e de guaranias, amante de uma boa pinga, mãe de vários filhos, mulher valente.  Com suas limitações, Barbosinha cantava  seu  martelo agalopado, sua  embolada   e  seu galope a beira mar, criação  do célebre Zé Pretinho, sem se preocupar que o repente é território eminentemente masculino. 
Certa feita, lá por 1982, hóspede de  dom  Luís Gonzaga Fernandes, bispo de Campina Grande – de 1981 a  2001-, ouvi falar de algumas repentistas como Mocinha da Passira, Maria das Dores e Maria Lindalva.Nessa época, começavam os grandes encontros de violeiros  e repentistas em Campina Grande.    O  tema é  vasto, mas devo ater-me a Barbosinha.
Seus versos davam para o gasto e para passar o pires e coletar uns trocados para comprar o “dicomê” diário. Não tinha folhetos de cordel para vender. Andava por parte do interior do Nordeste, mormente no norte do Piauí, de vila em vila, de colônia de pescador em colônia de pescador. Depois de sua cantoria e de mexer jocosamente com as pessoas que a assistiam, sempre se valendo de algum informante, Barbosinha recolhia cinco, dez, 20 cruzeiros. E de coleta em coleta, reunia a espórtula para a sobrevivência sofrível, sem filhos, sem teto definido.
Ficou uns três dias no Coqueiro. Almoçou duas vezes na casa do pescador Nestor Galeno, onde parei por dez dias. Fazia suas cantorias à noite. Todo o Coqueiro ia ao show à luz de lampião. O povo se espalhava pelas esteiras de tucum e pelas cadeiras e caixotes. Durava pouco mais de uma hora. Não me lembro de nada especial que haja dito e cantado… Não me pareceu uma exímia instrumentista; tocava somente o básico para acompanhar seu canto. Não é comum mulher violeira, peregrina, pelos sertões. Na literatura, há registros de meia dúzia que haja feito sucesso, entre elas  Mocinha da  Passira, ainda viva. 
 Em Parnaíba, perguntei ao escritor Fontes Ibiapina, que muito sabia  do povo e de sua literatura, se conhecia o repente de Barbosinha. Prometeu-me que iria informar-se, mas faleceu sem jamais me mandar uma linha sobre ela. Também ignoro se o escritor e cordelista Cineas Santos sabe do destino de Barbosinha.
Hoje, o Coqueiro está tomado pelas famílias ricas de Teresina e de Parnaíba… não há mais lugar para violeira e repentista da singeleza, da simplicidade sertaneja de Barbosinha. Sua música e sua cantoria parecem sepultadas pela caatinga, pelos novos sertanejos, pelo Nordeste que sonha com o rio São Francisco desviado para matar sua sede. 
Tenho uma foto que bati de Barbosinha ao lado do ônibus de seu Raimundinho, que fazia a linha Parnaíba-Carnaubinha, passando pelo Coqueiro. 
Quem sabe o presidente do Conselho Estadual de Cultura do Piauí, o escritor e professor Paulo Nunes possa dizer-me algo sobre Barbosinha, violeira que tanto percorreu os sertões do Piauí.

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