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Francisco Beltrão
quarta-feira, 18 de junho de 2025

Edição 8.228

18/06/2025

Atravessando porco pela orelha no Rio Iguaçu

Rio Iguaçu

Há uns dez anos passei três meses estudando os safristas de porcos no Sudoeste do Paraná anos 40 e 50. Soube que havia, ainda, no interior de Bernardo de Irigoyen (Argentina), criadores de porco à maneira dos  anos 50. Com o jornalista Ivo Pegoraro fui até lá. Depois, em 2010, o Jornal de Beltrão decidiu publicar quase uma centena de artigos meus em forma de livro, de que resultou “Os Dez Sudoestes – Muito antes e além depois”, edição de dois mil exemplares, hoje esgotada. O JdeB distribuiu o livro a seus novos assinantes. Assim sendo, milhares de leitores ficaram conhecendo a história dos safristas, já que dediquei várias páginas ao tema.
Seja que tema for, sempre me interessa seu aspecto histórico, seu ethos, sua tradição. Não foi diferente com a série sobre safristas. Busquei na historiografia clássica o que se fazia com o porco na antiguidade. Socorreu-me nesse afã o sábio Anthony Rich, através do “Dictionnaire des Antiquités Romaines et Grecques”, em que o porco aparece no sacrifício de purificação chamado Suovetaurilia. Era o holocausto de três animais, como está gravado em alto-relevo na Coluna de Trajano. Um boi (taurus), um porco (sus) e uma ovelha (ovis) eram  levados ao sacrifício em homenagem a Manius para que purificasse a terra. 
Conta a tradição que a Legião Romana que invadiu Jerusalém no começo da era Cristã tinha como emblema um porco (mais parecido com javali), algo muito ofensivo aos judeus. Essa ofensa ao Povo do Livro nunca foi esquecida. O porco, ao longo da história, jamais mereceu muito espaço, por exemplo, como o galo (que no Brasil mereceu célebre conferência, em 1925, de Alberto Faria). Consegui preciosa cópia dessa erudita alocução, através do acadêmico Arnaldo Niskier, amigo e mecenas deste caboclo há muitos anos.
Mesmo no adagiário, o porco não aparece muito. Um dos provérbios mais usados é: “Porco sabido não se coça em pau de espinho!”. Outros comuns: “Ruim que só bosta de porco”, “Quem perfuma o porco, perde o cheiro, o tempo e o juízo”. Há outros, mas não chegam a trinta. Citarei mais alguns em homenagem ao Nego Velho, antigo safrista de Santo Antônio do Sudoeste, que atravessava porco “pela orelha” no Rio Iguaçu, como contou a mim e ao jornalista  Ivo Pegoraro, do Jornal de Beltrão.   
“Quem com farelos se mistura, porcos o comem”; “Se queres ver teu corpo, abra teu porco”; “No dia de São Martinho (11 de novembro) mata o teu porco e prove o teu vinho” (provérbio português); “Morto por morto, antes a velha que o porco”; “Em janeiro, um porco ao sol e outro no fumeiro (defumador)”; “No dia de Santo André, diz o porco quié-quié”; “Porco fiado, todo o tempo grunhe”, e “Com um pedaço de toucinho leva-se longe o cão”. Dos que apreciam a carne de porco nasceu o ditado: “Do porco não é o pé nem a cabeça que se aproveita, mas sim o lombo”. Dizem que foi Travassos, de “O porco, esse desconhecido”, o autor deste último anexim.
Em Santo Antônio do Sudoeste, na fronteira com a Argentina, encontrei Natalício Vieira, 75 anos, o “Nego Velho”, antigo safrista de porco, só que com uma curiosidade adicional: atravessava porco pela orelha no Rio Iguaçu (como mostra o desenho da pintora Elsa Barbosa – da Emater – escritório de Francisco Beltrão) . Na visita que lhe fizemos estavam Ivo Pegoraro, jornalista sudoestino (Jornal de Beltrão), e o ex-prefeito de Renascença José Kresteniuk. 
Nascido em Clevelândia, Nego Velho, como todos o tratam com  carinho  cortou o sertão do Sudoeste (1935), em lombo de animal, e chegou a Santo Antônio do Sudoeste. Foram cinco dias de viagem, aventura que repetiu várias vezes, tocando tropa de porco. Não se lembra de ter costurado olho de porco, mas contou-nos que atravessou no Rio Iguaçu muito porco-bagual, muito porco de safra “pela orelha”, de uma margem à outra, um porco de cada lado da canoa: “A banha faz o porco ficar leve, flutua que é uma beleza”. Lembra o velho safrista:  “Quem nunca fez isso, pensa que é complicado, mas na hora dá tudo certo e o porco, dentro da água, procura o rumo do barranco pra sair. Cansava porque tinha que ir e voltar. Levava-se um dia todo. Às vezes, passava-se porco durante dois dias. Tudo dependia da quantidade de porco e do tempo”.

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