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Francisco Beltrão
quarta-feira, 18 de junho de 2025

Edição 8.228

18/06/2025

Getúlio Vargas e o churrasco decisivo

Geral

Getúlio Vargas, no dia 19 de abril de 1950, com larga
bombacha, no “Churrasco Decisivo”, na Estância São
Vicente, interior de São Borja, Rio Grande do Sul.

Venho juntando, há mais de 25 anos, textos, livros, fotos e o que mais seja sobre a vida de Getúlio Vargas. Creio que haja sido presente do advogado Iberê A. Teixeira, de São Borja, ex-vereador, uma foto em que aparecem Getúlio Vargas e Batista Luzardo no “Churrasco Decisivo”, no dia 19 de abril de 1950, quando o ditador deposto (que voltaria pelo voto popular) completava 67 anos. A churrascada foi na Estância São Vicente, de João Goulart, nos arredores de São Borja. Getúlio viera , pouco antes, da  Estância do Itu, a quase 80 km dali, no interior de São Borja, hoje propriedade de Alceu Nicola.

Estudioso da vida de Getúlio, Iberê Teixeira contou-me que aquele fora o derradeiro dia mais feliz de Getúlio, antes de começar seu calvário rumo ao Catete, o que culminaria com seu suicídio. Getúlio churrasqueava entre os seus amigos. Fazia o que gostava: comer um assado ao ar livre, pilchado com larga  bombacha, chinelo campeiro, uma blusa de lã sem gola, sentando a maior parte do tempo numa cadeira de balanço. Gostava da vida campeira e só com muita insistência começava sua caminhada de volta ao Catete.

Naquele ambiente gaudério, Getúlio deu sua palavra final. Os anos de exílio voluntário na Estância do Itu, de que saiu só nos derradeiros meses de 1950, serviram-lhe como amplos e profundos momentos de reflexão. Na casa simples da estância, que mandara construir em 1946, convivendo a maior parte do tempo com a peonada e a gente da campanha, visitado aqui e acolá por políticos como Ademar de Barros, que colocou avião a sua disposição, estacionado no campo, logo abaixo da sede, Getúlio teve muito tempo para refletir sobre o destino do Brasil. Sabia que o Brasil continuava a ser mandado, em cada Estado, por oligarquias rurais e urbanas, grupos que se encastelaram no poder desde a Velha República. A Revolução de 1930 não havia dado jeito no Brasil, embora haja feito muitas reformas. O Congresso Nacional continuava uma casa que só sabia do povo na hora da eleição. O Brasil ainda era, mutatis mutandis, a casa grande e a senzala.

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A UDN (de direita) seguia buscando o poder. Chegou desastradamente ao poder, mais tarde, com o indecifrável “fi-lo porque qui-lo” Jânio Quadros. Getúlio sofreu todas as calúnias, todas as análises, as mais torpes e sem substância. Não me esqueço das palavras inconsistentes de Hélio Silva, historiador que lhe dedicou 5 mil páginas em vários livros. Já  provecto, Hélio Silva entregou seus ossos a deus, como monge beneditino de vocação tardia. Não sei se conseguiu uma vaga no céu com tão curto espaço de contribuição pia. Disse ele: “Getúlio sempre foi ditador… Queria o poder pelo poder’’ e logo adiante, diz: “Fez um governo que deveria encher de orgulho o povo brasileiro…” Isso está na edição de 21 de agosto de l994 de O Estado de São Paulo. Vejam a contradição de Hélio Silva, que teve a capacidade de reunir uma tonelada de documentos sobre Getúlio, mas não os soube interpretar bem. Ora se queria o poder pelo poder não teria feito um governo que encheria de orgulho o povo com tantas propostas que, ainda hoje, beneficiam o povo brasileiro. Sempre foi ditador? Onde? Eleito deputado estadual pelo povo, idem federal, idem governador do Rio Grande do Sul.    

Como alguém que escreveu 5 mil páginas sobre Getúlio faz um comentário de filósofo de botequim mineiro como esse?

Naquele churrasco da Estância São Vicente (ainda hoje dos Goulart), Getúlio teria dito: “Vou para o sacrifício! Seja o que deus quiser”. Agnóstico, a expressão vale apenas como uma frase feita na boca de um ateu. Dizem que quando se matou, na frieza de sua análise, levou em conta seus mais de 70 anos, a família criada, os poucos amigos sinceros, as muitas traições, as ilusões perdidas, os sonhos soterrados, sua condição de ateu, a humilhação sofrida com a deposição de 1945 (não aceitaria outra!), o fim de sua carreira política, a vergonha, a honra ultrajada e o exílio em sua própria terra. Sua morte seria um tapa na cara de todos. O caminho mais honroso seria a morte (deve ter pensado). Lembrou-se das forças poderosas que o depuseram em 1945. Será que elas voltariam? Voltaram!

O “churrasco decisivo” tornar-se-á o “churrasco maldito” de que saiu sua decisão para caminhar rumo ao Catete e ao fim absoluto, à morte, ainda que trágica. Matou-se pelo mais elevado senso de dignidade, correndo o risco da incompreensão da maioria, da calúnia (uma vez mais), da maldição dos crentes e  da  chamada condenação eterna!

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