Geral
Foto de Mercedes Kautsky, agosto de 1998. |
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Jorge Baleeiro de Lacerda e Roberto A. Kautsky, na Reserva Florestal e Ornitológica Kautsky, em Domingos Martins, Espírito Santo. |
Recebi, noutro dia, de Roberto Anselmo Kautsky Júnior um belo livro sobre a vida e a obra de seu pai, de quem herdou o nome completo. Num belo trabalho gráfico e com texto de qualidade de Antônio de Pádua Gurgel, o Brasil ganhou uma obra de arte: “O Senhor das Orquídeas”, em que esse grande orquidólogo Roberto A. Kautsky tem sua vida registrada. Conheci Kautsky em agosto de 1998, em Domingos Martins, interior do Espírito Santo.
Dizem os orquidólogos que o Brasil abriga mais de 300 dos 790 gêneros de orquídeas existentes no mundo, englobando mais de 19 mil espécies. Damos a todas elas, nós leigos, o nome de orquídea, mas não são tão diversas na forma, na cor, na beleza, nos matizes cromáticos. Vão suas flores do lilás mais suave com uma centena de tons, subtons e detalhes ao purpúreo ao vermelho vivíssimo e suas múltiplas cadências pictóricas, como pude ver de maneira muito especial e diversa em Domingos Martins, na Serra Capixaba, a 50 km a Oeste de Vitória (ES), na reserva de 30 hectares, no Pico do Eldorado (850 metros), do grande orquidólog e orquidófilo Roberto Kautsky, de origem austríaca, que cultuou e cultivou mais de 100 mil orquídeas espalhadas nas árvores e no chão de sua reserva.
Com ele, durante um dia inteiro (agosto de 1998), a cada passo, vi extasiado a beleza, aqui, de uma catleia; acolá um dedrobium, mais adiante uma rodriguésia, mais além, cinco, dez oncídios. Andando mais um pouco, pela reserva: maxilárias, brassávolas, habenárias, octomérias, helicônias, begônias, cactus, rapsális e notílias. E muitos, muitos outros gêneros de orquídeas Roberto Kautsky citou, sem parar, numa aula de oito horas (com interrupção para o almoço com Mercedes Majevisky Kautsky,) pela sua reserva. Essa dedicação já lhe rendeu algumas homenagens no meio científico. Quem não gostaria de ter seu nome numa orquídea tão bela como a Cattleya Kautsky ou na Epidendrium Kautsky.
Orgulhava-se de haver descoberto a Catteya Schilleriana – memória Roberto Kautsky, “de três labelos, tão rara pela sua mutação genética espontânea que só ocorre uma vez por centúria. Essa espécie morreu na Alemanha por falta de cuidado”. Contava Roberto Kautsky, indignado, a todos que o visitavam. Em seu rol de plantas a serem classificadas e colocadas no altar científico da “Scientia Amabilis”, a Botânica, estavam a maior begônia e a menor bromélia do mundo, além de 150 espécies de orquídeas, três novas espécies de sapo, um deles minúsculo, nunca mais de 4 centímetros, além de um mico só existente na mata da Reserva Roberto Kautsky (estudado ali por um filho do célebre aviador, Charles Lindenberg). Kautsky não deixava matar uma cobra… por mais venenosa que fosse. “Tudo faz parte deste santuário”, lembrava ele. Não se mexia em nada, salvo na colocação de mais orquídeas nas árvores.
Enquanto andava com ele pela reserva, presente estava em espírito meu velho mestre Raymundo Bandeira Vaughan, de quem pela vez primeira ouvi falar de maneira científica sobre orquídeas. Folheei, jovem de 16 anos, o livro de F.C. Hoehne: “Iconografia das Orchidacae do Brasil” e, lá por 1970, li de sua biblioteca “Les Orchidées”, de D. Bois, e “La Vie des Orchidées”, de Julien Constantin, uma obra do começo do século XX. Quando fui a Domingos Martins, alimentava um único sonho: visitar a reserva Roberto Kautsky e com ele conversar sobre sua vida de orquidólogo autodidata.
Não lhe perguntei, na ocasião, se ali estivera a grande desenhista de plantas, como bem diz Guido Pabst, seu amigo e mestre, autor da preciosa obra “Orchidaceae Brasiliensis”, Maria Werneck de Castro, que, apesar de autodidata, deu um show nos Estados Unidos, na “Library of Congress”, quando lá expôs seus desenhos da flora brasileira (não posso deixar de registrar que ganhei do saudoso amigo e mecenas embaixador Sérgio Correa da Costa: “Natureza Viva – Memórias, carreira e obra de uma pioneira do desenho científico no Brasil”, de Maria Werneck de Castro — publicação da Biblioteca Nacional. Em 1999, Kautsky ganhou um belo livro da lavra de Máira Coelho Silva: “A Beleza Exótica das Orquídeas & Bromélias de Roberto A Kautsky”. Em 20l0, depois de sua morte, em 25 de maio, aos 86 anos, recebeu como homenagem póstuma o livro “O senhor das Orquídeas”, que ocupará o lugar do livro que não escreveu: “Minha vida com as orquídeas”. A grande, eterna noite chegou para Kautsky e desde então, todas as noites, as milhares de meninas (suas orquídeas) fazem coro para embalar Roberto no sono eterno de amante das orquídeas.