Minha pátria belga é um país pequeno, rico e com salários acima da média europeia. O país não chega a ser o dobro do nosso Sudoeste, mas possui uns 500 municípios, tem uma população semelhante ao do Estado do Paraná e sua renda por habitante é seis vezes maior. Para completar nesse pequeno território federado vivem três nações: a francesa, a flamenga e a alemã. Três línguas oficiais e com municípios que podem aceitar comunicar apenas em uma língua oficial.
Eu sou um belga francófono, mas eis que fui contratado como cooperante por uma organização flamenga para criar aqui no Paraná uma instituição financeira. Mas claro, eu não deixava de ser um caso especial afinal, além de falar uma língua oficial diferente meu perfil já era muito brasileiro e nos tempos em que a internet tomava conta, meu jeito não era de trabalhador de primeiro mundo, era mais de agrônomo do mato, quase um belga já acaboclado! Mas a cooperação belga é generosa sim e em meio dessa diversidade cultural eu acabei sendo aceito. E não é que deu certo, em poucos anos a instituição financeira aqui foi criada e consolidada. Vivi dez anos de glória e na Bélgica me tornei quase um mito. Mas eis que tudo mudou.
A entidade da cooperação belga empolgada com os resultados até então aqui alcançados, decidiu investir muito em um novo projeto só que desta vez, concebido na Bélgica e não mais aqui. Inventaram lá um projeto pouco realista, mas para mim sedutor: assistir 1800 famílias de agricultores pobres. Digo para mim porque sempre defendi a organização da assistência técnica por meio do cooperativismo, mas na Bélgica o que menos pensaram foi em organização da assistência técnica e no cooperativismo.
Era assim: fazer todo tipo de diagnóstico de Comunidades Rurais para que seus agricultores reivindicassem soluções reais, necessárias e fundamentadas perante o poder público e as entidades. Na Bélgica partiram de uma premissa que não se mostrou verdadeira, a ideia de que as entidades da agricultura familiar iriam se unir aqui para promover o desenvolvimento de Comunidades Rurais. O que aconteceu é que as entidades passaram a disputar entre si recursos do projeto que se tornou mal sucedido. Para piorar, chegaram aqui novos colegas cooperantes, mas não belgas e sim holandeses, com mentalidade calvinista e com eles sofri o que chamo do meu terrível acidente holandês de 2003!
Queriam que eu fosse embora daqui! Tempos depois lembrei do meu falecido pai que também foi cooperante. Nunca ficou mais de cinco anos em um lugar, sim porque se o projeto não for bem sucedido você se desgasta e se for um sucesso não faltará um invejoso para ir na Europa dar queixa de você. E eu aqui durei mais de dez anos como cooperante nas asas do sucesso do cooperativismo de crédito! Estava na hora de desembarcar, não percebi que era hora de cair fora e me ferrei. Na Bélgica as portas para mim se fecharam e aqui fiquei eu mais queimado que palito riscado! São os revezes da vida.