trabalho
Quando a década de 90 começava a dar seus primeiros passos, a Legião Urbana lançou seu quinto álbum, batizado, modestamente, de V. Nele, havia “O teatro dos vampiros”, música que, ao lado de “Sereníssima” e “O mundo anda tão complicado”, virou hit naqueles tempos. Só muito mais tarde, ouvindo ou lendo uma entrevista do Renato Russo, fiquei sabendo que o título Teatro dos Vampiros era uma referência à TV – não é difícil entender o porquê. Renato morreu em 1996, antes da internet explodir no Brasil, e muito antes da epidemia das redes sociais. Se vivo estivesse, me pergunto que nome criativo ele encontraria para homenagear o facebook. A mim, teatro soa muito bem, só carece de um complemento ácido. O “face” é um bom palco para todo o tipo de artista chegar ao seu público e representar o papel que bem entender. E papéis há muitos, basta escolher o que se deseja interpretar. Tem papel de cidadão honesto, de justiceiro que resolve tudo com as próprias e poderosas mãos, comediante, juiz, vidente, jornalista, cozinheiro, baladeira descolada, santo, casal perfeito – este fica melhor quando representado em duplas, e por aí vai. O que queríamos ser, agora podemos, ainda que na fachada digital. É bem melhor que a TV, onde poucos selecionados têm possibilidade de atuar. Mas nem é a interpretação para mera massagem do ego ou para se justificar socialmente o que mais me incomoda. O que irrita mesmo são as patrulhas especializadas em tudo e, portanto, com direito a emitir opinião sobre tudo. Essas pessoas certamente têm poderes paranormais, sabem o que aconteceu mesmo sem acompanhar os fatos de perto. É fantástico. Queria eu ter dons assim, poderia fazer matéria sobre qualquer assunto sem nem sair de casa. Tão útil para fins jornalísticos como para questões judiciais. Aliás, julgamento também é especialidade das patrulhas facebooquianas. Eles sabem de quem é a culpa e, óbvio, publicam seus vereditos com agilidade extrema. Nesta semana mesmo, uma das patrulhas, a que gosta mais de cachorro do que de gente, se encarregou de publicar no Facebook sentenças sobre o caso do agricultor atacado pelo próprio cão. Eles não estavam lá, mas eles sabem o que aconteceu. Eles sabem. De algum modo, eles viram. E se não viram, não importa, a culpa, já definiram, é do homem. E essa turma ganhou tanta força, que ninguém tem coragem de enfrentá-los em público e dizer que cachorro é apenas cachorro, que gente é, ao menos pra mim, bem mais importante – antes que me crucifiquem, devo dizer, em meu favor, que gosto e tenho cachorro, coelho, peixe. E todos são bem tratados. Não defendo a crueldade. Defendo equilíbrio mental. Mas esse é apenas um caso. Existem muitos outros. O teatro dos paspalhos não tem intervalo, o tempo todo dá espaço para todos, para tudo. É palco sem censura para qualquer um discorrer sobre o que não sabe, o que não viu. De política a medicina, passando por jornalismo, religião, todos entendem de tudo. Amparados por uma liberdade de expressão quase criminosa, os senhores da razão falam o que querem, sem avaliar consequências e, geralmente, fica tudo por isso mesmo. O custo – psicológico e social – fica para quem é vidraça; os estilingues estão livres.