E o Galeano? Só posso dizer que você tinha alguma razão. Li bem pouco ainda. Mas gostei como se tivesse lido a vida inteira.
Não foi um plano. Outro dia fui comprar um livro, em cima da hora, pra presente. Já era perto da 18h. E não sabia bem o que comprar. Um livro, só isso que eu sabia. A única referência era que o aniversariante estava lendo Cem anos de solidão.
Foi o que eu disse ao atendente, que começou a fazer o seu trabalho, dar indicação. Já com dois ou três livros na mão, pra fazer uma escolha, eu lembrei de algo que você me disse um dia, com doses e exagero ou generosidade: que eu escrevia parecido com o Galeano, misturando realidade e poesia. Isso, Galeano! Não pro aniversariante, mas pra mim.
Me indicou o atendente o local onde, curiosamente, Galeano e García Marquez são vizinhos. Do lado ainda havia um japonês, mas desse não lembro o nome, embora tenha ficado curioso — é preciso ter algum talento, ou atendentes muito desatentos, pra merecer vizinhos assim.
Entre o García e o japa, encontrei uma capa amarela e a promessa de quatro obras reunidas, incluindo O livro dos abraços. Me animei. Perguntar os preços. Calcular rapidamente a melhor forma de pagamento. E desta vez usar o crédito e parcelar não foi nenhuma questão de demonstrar inteligência financeira, milhas, ou qualquer outra baboseira. Era parcelar ou levar somente o livro pra presente. Ou, era ver a conta corrente, que naquele dia estava mais para carente, envergonhada, ficar no vermelho.
Faz em dez vezes? Brinquei, torcendo que o atendente, que a essa altura era o outro, o mais velho, concordasse. Ele riu e fez em três. Fazer o quê? Se me perguntar o título do presente, confesso, não lembro. Foi embalado, pelo atendente, e depois entregue, por mim, devidamente. Como tinha de ser.
E o Galeano? Só posso dizer que você tinha alguma razão. Li bem pouco ainda. Mas gostei como se tivesse lido a vida inteira. E é até estranho porque parece que ele se apropriou, com muita antecipação, da minha forma de olhar o mundo e usa as mesmas lentes que eu, às vezes são até as mesmas palavras que eu gosto de usar. Dá ciúme. Ou raiva. Mas é uma raiva boa, assim como o ciúme. Em alguns momentos, parece que estou, com todas as minhas limitações, plagiando algo que eu nunca vi, mas que já estava ali, já tinha dono, e eu, ingenuamente, achava que era meu.