marketing
Por uma mistura de praticidade, humildade e tradição, no Jornal de Beltrão os profissionais que desenvolvem anúncios, panfletos, capas, infográficos, diagramação de publicações como revistas e guias, são chamados de “arte-finalistas”. Em uma empresa mais dada ao glamour seriam “designers”, termo mais moderninho que raramente indica mais competência. Nesta semana, estávamos eu e meus colegas arte-finalistas em meio ao trabalho quando surgiu uma questão que chamou a atenção. Qual a diferença afinal de suco e néctar de fruta? Ninguém lembrava direito. O chute era de que no mercado das bebidas industrializadas, suco é o que tem um pouco mais de qualidade. Na falta de uma nutricionista à mão, nos socorremos com o Google: para ser considerada suco, a bebida precisa ter ao menos 50% de polpa de fruta; já o néctar pode ter bem menos polpa, de 20% a 30%, e está livre para conter aditivos – uma palavrinha bonita por trás da qual se esconde um monte de porcarias como corantes e conservantes.
Eu que tenho mania de levar as coisas pro mundo do marketing, fiquei pensando em quem foi o gênio que teve a ideia de dar àquilo que é inferior ao suco um nome que sugere algo muito melhor. Na nossa mente, suco é algo bom, saudável e tal, mas comum. Suco é algo que a gente mesmo é capaz de fazer, desde que tenha um pouco de disposição, um espremedor, ou uma daquelas centrífugas, que faz o melhor dos sucos, mas que a gente só usa na primeira semana e depois aposenta porque dá um trabalho infernal pra lavar. Mas néctar? Néctar, amigo, é matéria prima pra abelha, aquela criatura mágica, produzir mel! Néctar não é pra qualquer um. Tudo bem que o dicionário não dá tanta moral assim e, tecnicamente, classifica néctar como líquido açucarado, secretado pelas plantas através de glândulas especializadas e blá-bla-blá. Mas algum gênio do marketing – e do crime – percebeu a simbologia do néctar, que na literatura mitológica era considerado um privilégio dos deuses, um símbolo da sabedoria e da imortalidade, e batizou esse líquido, que se fosse chamado pelo nome que merece, provavelmente seria conhecido como água doce com traços de fruta, ou sei lá, semi-suco. Mas, ele não pode ser punido porque, tecnicamente, a palavra significa pouco mais que água açucarada.
Mais fruta na embalagem que no conteúdo
E nós, alertados pelas inúmeras reportagens que sentam o pau nos refrigerantes, fomos convencidos a procurar alternativas mais saudáveis. Resultado, fugimos da Coca-cola como vampiros fogem da água benta, mas, como a gente tem aquela preguiça miserável de lavar a centrífuga, o que nos pareceu prático foram as bebidas industrializadas com belas imagens de frutas nas embalagens. Mesmo que, em algumas, tenha mais fruta na embalagem do que no conteúdo, a gente acredita que está ingerindo algo bom, natural. E se o suco, ainda que industrializado, parece bom, imagina o néctar de fruta?!
Parafrasenado Verissimo
Parafraseando trechos do conto “A frase”, do Luis Fernando Veríssimo, eu diria que depois de ter essa sacada do néctar de fruta, o marqueteiro, ou seja lá quem, deve simplesmente ter ido pra casa, de onde não saiu mais. Está lá sentado, pernas cruzadas, sorriso no canto dos lábios. De vez em quando murmura sozinho: “Néctar de fruta…”. E aí atira a cabeça para trás e dá uma gargalhada. Depois descruza e recruza as pernas e bebe mais um gole de champanhe. Não precisa inventar mais nada.