jdeb
No início dos anos 90, um caderno quinzenal do Jornal de Beltrão fazia grande sucesso, sobretudo com o público jovem. Era o Trago & Prosa – nome que poderíamos atualizar hoje para algo como Cerva & Chat, Drink & Zap, ou qualquer coisa assim -, um jornalzinho que trazia piadas, fotos das meninas bonitas da cidade e região e o Dando o Toque, um quadro com recados, enviados por telefone, com declarações para aquele amor platônico da escola ou desaforos para rivais ou ex-namoradas. Bom, eu adorava o Trago & Prosa, que me parecia a melhor coisa impressa do planeta e, de repente, passei a trabalhar no Jornal de Beltrão e a contribuir com o T&P. Ninguém sabe, mas pra mim parecia um sonho, algo inimaginável: eu fazendo Trago & Prosa! Como a equipe original (Luiz Carlos Baggio, Itamar Pereira, Ivo Pegoraro, Flávio Pedron) àquela altura precisava se dedicar com mais empenho ao Jornal de Beltrão, eu e o Badger Vicari fomos assumindo no improviso os destinos do Trago. O Badá trazia uma bagagem literária poderosa, texto de qualidade e humor autoral. Eu era um pseudo-chargista, esquisitão, que entendia um quase nada de diagramação e estava acostumado às piadas prontas, no estilo Ari Toledo. Mas eu queria fazer parte daquilo. Fora as aulas de português da professora Maria Faedo, eu nunca precisara escrever. Nem gostava. Mas, pelo Trago eu estava disposto a fazer qualquer coisa. E fui me arriscando. Como era uma atividade secundária – o JdeB era a prioridade -, trabalhávamos nos fins de semana, às vezes à noite durante a semana. Se precisasse da madrugada, tudo bem, a gente encarava.
Fazer o Trago & Prosa foi o início de um longo aprendizado. Sobretudo pra mim, que detinha uma experiência profissional rasa feito o repertório do MC Guimê. Imaturo, passei a achar que o Trago era meu. Afinal eu gostava dele como ninguém e me dedicava muito para que fosse publicado. Como é que alguém poderia querer me dar alguma sugestão ou dizer o que podia ou não ser publicado? Foi o que polidamente o Luiz Carlos Baggio tentou fazer em certa oportunidade. Sentado em frente a uma máquina de escrever, na redação do JdeB (que ficava ao lado da Revesul, no prédio do Dalla Vechia), Baggio me chamou pra falar algo sobre o Trago. Não lembro o que era. Lembro que reagi com a diplomacia de um cão raivoso que vê seu demarcado território invadido. Maduro, ele digeriu a grosseria e educadamente disse algo como “ok, se você não sabe aceitar críticas, tudo bem”. Foi o famoso tapa de luva. Se não entendi completamente na hora, passei tempo pensando no que havia acontecido, na minha tremenda falta de educação. Teve muitas outras situações em que a minha infantilidade falou mais alto. Mas este foi um episódio simbólico, volta e meia, lembro dele, principalmente quando vejo alguém se achando “dono”.
Quem não aceita crítica ou sugestão, quem não deixa uma fresta para as ideias do outro não evolui. Ao contrário, afasta qualquer possibilidade de renovação, de novidade, e, inclusive de continuidade – empresas acabam por causa deste pensamento estreito. Maturidade é saber que não importa o quanto eu invista de tempo e energia em determinado projeto, setor, evento, clube, equipe, ou seja lá o que for, eu preciso ouvir opinião, crítica, nada cresce sem a luz da ideia do outro. Eu sei que é difícil admitir que alguém de fora, cliente ou colega de outro setor, tem sugestão válida. A reação inicial é mesmo soltar o cão que há dentro da gente. Mas o nome desse cão é insegurança. O que existe é o medo de que o outro tome o meu lugar, ocupe o espaço que suei pra conquistar. E aí nascem aqueles rosnados típicos: “aqui quem manda sou eu”, “isso não vai dar certo”, “devia ter falado primeiro comigo”, “cuida do teu setor que do meu eu cuido”. Infelizmente, imaturidade não tem idade. Por natureza, somos inseguros; por natureza atacamos para encobrir o que nos falta. Se ao menos formos capazes de não reagir antes de terminar de ouvir, damos um grande passo. Pode ser que depois de uns dias, ou anos, digerida a informação, percebido o resultado, a gente agradeça a quem tentou nos orientar. Obrigado, Baggio! Até hoje não sei o que queria me dizer, mas aprendi que devo escutar.