7.8 C
Francisco Beltrão
quarta-feira, 11 de junho de 2025

Edição 8.223

11/06/2025

A caçamba de restos no país dos famintos

Pessoas disputam ossos de carne na caçamba de descarte do centro de compras, um dos pontos turísticos da capital paulista. Cena que virou uma espécie de símbolo da barbárie da fome.

“É Natal, é fim de ano, eu tenho dois filhos pequenos, cara…” Aos prantos e com essas palavras, um homem de cerca de 30 anos de idade tenta se justificar numa Delegacia de Polícia em Foz do Iguaçu, conforme vídeo que circulou recentemente na internet. Ele é um dos acusados de roubar 120 quilos de picanha e outras carnes nobres, encontrados num veículo abordado pela Polícia Militar.

Aos policiais, antes de serem enquadrados na lei por furto qualificado, eles assumiram a expropriação das carnes em supermercados da cidade e que usariam as mesmas em festas do fim de ano. Em uma região do País com maior consumo de carne e derivados, como o Sul do Brasil, o roubo frequente desses produtos é apenas um dos sintomas do quanto a mercadoria está ausente na mesa da população.

[bannerdfp]

- Publicidade -

Também há não muito tempo, virou notícia a prisão de um jovem em Dois Vizinhos por ter furtado uma peça de picanha em um estabelecimento comercial. Adivinhem para quê? Para trocar por drogas. Ou seja, os traficantes estão dando o mesmo valor – ou talvez mais – a alguns quilos de carne de primeira do que a um celular e outros eletrônicos. O fato é que o roubo de carne, cada vez mais frequente, parece dizer algo. Inclusive, os policiais receberam várias denúncias por parte de supermercados, dando conta de outros casos semelhantes, após a prisão dos acusados virar notícia. E os acusados admitiram ter praticado este tipo de furto anteriormente.

A busca desesperada pela proteína animal também foi parar no noticiário em Florianópolis (SC) por conta de um açougue que, sem dó dos famintos, avisou em uma placa: “Osso é vendido, e não dado”. O Procon autuou a empresa e determinou a doação e não a venda dos resíduos das carcaças dos animais, adequados para o descarte e não ao consumo humano. Esses flagrantes, no entanto, não são o pior retrato da fome no Brasil, uma tragédia presente de Sul a Norte.

Aparece do lado de fora do Mercadão Municipal, no Centro de São Paulo, onde pessoas disputam ossos de carne na caçamba de descarte do centro de compras, um dos pontos turísticos da capital paulista e de consumo de alimentos exóticos e de primeira qualidade. É escancarada na aglomeração de mulheres removendo a caçamba de um caminhão de lixo na tentativa de encontrar alguma comida para alimentar os filhos, como mostrou uma foto feita no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro.

Cena esta que virou uma espécie de símbolo da barbárie da fome que assola o País, a face mais cruel da desigualdade social e já desperta o debate em torno de uma questão nunca colocada em primeiro plano na sociedade brasileira: é justo prender e criminalizar pessoas que furtam alimentos para matar a fome? A inflação galopante e a crise política – um dos fatores da deterioração da economia – agravam a situação de miséria de cerca de 20 milhões de brasileiros passando 24 horas ou mais sem ter o que comer e mais da metade (55%) da população sofrendo de algum tipo de insegurança alimentar.

Mesmo sendo o Brasil um dos maiores produtores mundiais de carnes e de grãos, com extensão territorial capaz de sustentar o luxo de engordar um boi em um hectare de terra, como acontece em alguns lugares da Amazônia. Diante disso, é difícil para os ladrões de galinha – ops, de picanha – se contentarem com os pés das aves, que tiveram seus preços bastante majorados ultimamente em função da procura intensa por parte dos consumidores em busca de alternativas. E por mais que os acusados de furtar carnes nobres se lamuriem e tentem justificar o ato que praticaram – em busca específica de cortes de primeira –, sua situação não comove como a daqueles que disputam ossos e restos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques