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Francisco Beltrão
quarta-feira, 11 de junho de 2025

Edição 8.223

11/06/2025

A “sofrência” da morte e a difícil arte de viver

O que mais mexe com minha imaginação e meus sentimentos é se as vítimas das tragédias conseguem perceber ou não a hora da morte. Nunca saberemos.

Toda vez que acontece um desastre com vítimas fatais, principalmente a queda de aeronaves, acidentes de carro e afogamentos, fico me perguntando como foram os últimos segundos da vida de quem foi levado subitamente pela tragédia. O que mais mexe com minha imaginação e meus sentimentos é se as vítimas das tragédias conseguem perceber ou não a hora da morte. Nunca saberemos. Mas flamingos morreram só de ter uma onça no mesmo espaço num parque de aves.

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As imagens dos destroços do avião que levava a mais nova e festejada estrela da música sertaneja, a “rainha da sofrência” Marília Mendonça, e as informações dando conta do choque da aeronave em cabos de energia elétrica, enquanto voava baixo, e em velocidade reduzida, indicam a possibilidade de os três passageiros, piloto e copiloto terem percebido quando o avião começou a cair. Afinal, era meio da tarde, à luz do dia, viagem curta, sem tempo para um sono. E quem lutou contra a correnteza para chegar à superfície e não conseguiu, quantos metros faltaram para sair do acidente em vida? Especulações à parte, quem ficou nunca saberá como foram vividos os últimos instantes de quem foi pego de surpresa no fim de tudo. Embora seja a única certeza da vida, morrer continua um tabu na sociedade ocidental.

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Este não é o único paradoxo neste tema: ao mesmo tempo que a morte nos ajuda a viver, impondo a urgência em nossa curta existência, evitamos pensar nesta verdade encarada como algo ruim, como indica o capuz com manto negro e foice, símbolo do falecimento. Outra contradição é o fascínio exercido pela morte violenta – vista como algo longe da realidade – em relação à morte anunciada, como analisou Dalva Yukie Matsumoto, oncologista fundadora do setor de cuidados paliativos do Hospital Servidor Público Municipal, que mantém em São Paulo dez leitos para pacientes no fim da vida. Quanto mais a tecnologia avança, mais reforça a ideia do prolongamento da nossa existência por aqui e até mesmo da eternidade. Muito diferente do tempo em que os recursos para combater a morte eram ínfimos e a finitude era aceita naturalmente.

O significado do luto se modificou igualmente, em especial nos dois últimos anos, com os acontecimentos no âmbito da pandemia mundial. Se antes havia todo um ritual de despedida, hoje não mais, mesmo nas situações de colegas que morrem de causas distanciadas da Covid-19, ficamos impedidos do adeus, que é essencial, como lembram os estudiosos, para ajudar a superar as perdas. Bem diferente dos velórios antigos que marcavam a vida das comunidades, especialmente as rurais, com suas tradições enraizadas e passadas de geração a geração. A exceção é a morte de grandes ídolos, que atropelam as atuais regras, pois seria impossível tentar evitar multidões de dar o último adeus, como se viu em Goiânia, repetindo a catarse vista no falecimento de outros nomes de peso da cena nacional em diferentes segmentos.

Como se nessa hora a proximidade e a solidariedade entre as pessoas, hoje esgarçadas, retornassem com força maior. E nesses episódios ninguém passa incólume, nem mesmo quem não se identifica ou desconhecia o personagem. O professor e historiador Leandro Karnal escreveu sobre a morte trágica de Marília Mendonça: “Falei com Marília uma única vez: carismática, mulher forte e um pouco cansada da rotina intensa. A sofrência, agora, é nossa. Passei o dia pensando não na falta que eu faria, todavia na falta que a vida me faria. A minha ausência pode ou não provocar dor, quero refletir sobre minha presença agora. Marília se foi no auge da existência e da carreira. Nós ficamos para continuar a luta de significado. Morrer é inevitável; viver bem é uma arte diária.”

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