Em 1983, acompanhei, como repórter, a transferência de dezenas de famílias de sem-terra do Sudoeste do Paraná. Francisco Beltrão, inclusive. O Incra as levou para um assentamento em Apuí, no sul do Amazonas.
O Dia da Amazônia, 5 de setembro, enfatizou o novo despertar do tema, bem diferente daquele de cinco décadas atrás, quando a maior floresta tropical do mundo foi palco de um dos maiores projetos faraônicos do regime militar.
Nos anos 1970, sob a sombra do slogan do “Brasil Grande”, os brasileiros eram conclamados a “rasgar o inferno verde” para ocupar as fronteiras do país. Era necessário “integrar para não entregar”, como se a região estivesse prestes a cair nas mãos dos inimigos, uma das muitas teorias conspiratórias envolvendo a floresta e ressuscitadas em tempos recentes. É impossível não refletir sobre a vivência com a maior floresta tropical do mundo à luz do contexto atual.
Dentre as várias vezes que estive na região, em três delas pude me aproximar dos meandros daquele território especial. Por pouco, eu e minha família não nos tornamos amazônidas. Em 1971, o irmão de meu pai pegou a mulher e onze filhos, colocou em cima de um caminhão, com comida suficiente para cerca de dez dias de viagem, entre o Oeste do Paraná e Rondônia. Meu pai só não fez o mesmo porque pensou: “O que farei no meio do mato com cinco filhas mulheres?”. Migrante gaúcho para o Paraná, abrira mão do sonho de ter sua fazendinha e permaneceu em um alqueire.
[bannerdfp]
A propaganda oficial era farta e ilusória, prometendo grandes extensões de terra – era só chegar e derrubar as árvores, fazer roça, colocar gado. “Aqui vencemos a floresta”, “A Amazônia já era”, “Chega de lendas, vamos faturar”, “Rondônia, a luta contra a selva” e por aí afora, tudo ilustrado pela estrada de chão batido que rasgou a região, a Transamazônica, vendida como “Uma pista para você encontrar a mina de ouro”.
Esse mesmo espírito no desbravamento da Amazônia predominava em 1983, quando acompanhei, como repórter, a transferência de dezenas de famílias de sem-terra do Sudoeste do Paraná. Francisco Beltrão, inclusive. O Incra as levou para um assentamento em Apuí, no sul do Amazonas. Os migrantes eram movidos pelas mesmas razões de meu tio: atrás do arco-íris tinha um “pote de ouro”, ou seja, a terra prometida.
Abandonados à própria sorte em seus lotes, a grande maioria não conseguiu ficar no assentamento, retornou ou engrossou a periferia das cidades próximas. Uma entre várias tentativas fracassadas de reforma agrária na região. Dentre as cenas que me impressionou, a quantidade imensa de toras de madeira navegando pelo rio Madeira, avistadas na imensidão das águas quando fazíamos a travessia em balsa em Humaitá. Sinais explícitos do desmatamento que à época não chamava a atenção como hoje.
Retornei à Amazônia em abril de 1996 para a cobertura do “Massacre de Eldorado de Carajás”, no Pará, onde 21 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados num confronto com a Polícia Militar durante despejo de área em disputa. A apenas 50 quilômetros de Serra Pelada, maior garimpo a céu aberto do mundo, que nos anos 1980 atraiu milhares de brasileiros em busca de enriquecimento rápido.
No massacre dos sem-terra e no garimpo, foi escancarada outra faceta da região: a violência. Em 2008, vi a inauguração de uma unidade de extração de minério de ferro no Pará. Em plena floresta, as indústrias são encravadas e, em vez de homens cobertos de lama à procura de pepitas de ouro, as máquinas de grandes conglomerados econômicos cavam a terra e dela retiram o “ouro preto”.
Diferentemente da imagem de catadores de caranguejo embrenhados em manguezais para ganhar a vida. Só de olhar para eles, perto de Bragança, senti o quanto a floresta pode ser desafiadora. Essas situações são apenas uma pequena amostra da Amazônia, com suas múltiplas facetas. Hoje, diferentemente de cinco décadas atrás, a região entra na agenda nacional com força total e para não sair tão cedo. Agora não se trata mais de “dominar o inferno verde”, mas de domar a voracidade da intervenção humana e, assim, repensar o papel do imenso verde – um inferno ou um paraíso. Tudo depende da nossa decisão.
