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Francisco Beltrão
quarta-feira, 11 de junho de 2025

Edição 8.223

11/06/2025

Descobertas e incertezas no caminho das crianças

As crianças de ontem, sem tablet, sobreviveram e aprenderam. E as crianças do futuro, com tablet e tecnologias mil, sobreviverão sem natureza?

Uma das coisas que mais encantava na minha infância, no interior paranaense, era correr para fora de casa assim que a chuva de granizo cessasse para apanhar as pedras de gelo e vê-las derreter entre os dedos. A meus olhos, o que depois se transformou em algo tão corriqueiro, era simplesmente extraordinário. Ainda mais diante do mistério: como a chuva podia sair durinha lá das nuvens e, aqui embaixo, se transformar em água outra vez?

Outra lembrança é a cantoria dos sapos, variada em intensidade e tons. De dia, brincávamos de tentar pegar os filhotes pequeninhos enquanto nadavam nas poças de água barrenta dos açudes na chácara onde eu e minhas quatro irmãs passamos pelo menos a primeira década de nossas vidas. À noite, dormíamos ouvindo a sinfonia dos girinos, que chegava aos nossos ouvidos como quase um lamento. Estariam abandonados pela sapa e pelo sapo? As fantasias corriam soltas na imaginação.

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A natureza nos oferecia inúmeras chances para o encanto e a curiosidade aguçada. O nascimento dos pintinhos depois de algumas semanas que a galinha-choca se dedicava a esquentar os ovos. O dilema, quem veio antes, o ovo ou a galinha?, passava longe. Já tínhamos o mistério de ver uma gema e uma clara se transformarem em um novo ser vivo. Mesmo encanto provocava a chegada de um bezerrinho, de aparência tão frágil em suas primeiras horas de vida, mas exibindo sua força assim que conseguia se colocar em pé e sugar o leite do ubre da vaca. Filhotes de cachorros, de gatos, de porcos, de passarinhos em seus ninhos arquitetados com perfeição nos galhos de árvores, que também davam “crias” com frutas exuberantes após florescer.

O Dia da Criança, neste mês de outubro de 2021, em que as mudanças climáticas enchem o noticiário de previsões quase catastróficas, inclusive baseadas em eventos reais, enfatizou as lembranças do ambiente da minha infância. Presenciar e vivenciar a natureza, em suas mais variadas formas, se refazer em seu estado mais puro, é algo inesquecível. Naquele início dos anos 1960, o Paraná começava a ser desmatado e a mecanização agrícola não tinha mudado a paisagem. Portanto, as florestas, rios, fauna e vegetação ainda conservavam suas origens.

Situação semelhante, com algumas diferenças, viveram as crianças que passaram sua infância em alguma área rural de Minas Gerais, São Paulo ou de outros estados do Brasil. Conhecimentos acumulados ao longo do tempo foram transmitidos para filhos e, com muita sorte, para netos. O mais comum é encontrarmos o que aprendemos na prática, observando o desenrolar do cotidiano, enchendo as prateleiras das livrarias e dos sites de venda de livros infanto-juvenis. Ou nos desenhos animados à abundância nas telas de tevê – e dos tablets, computadores e celulares. Já virou piada o fato de meninos e meninas pensarem que os porcos são cor-de-rosa.

Tomar banho de rio, ver árvores e bichos nascerem, se desenvolverem e morrerem, à semelhança da vida humana, não faz ninguém mais ou menos feliz. Não é disso que se trata. Apenas do privilégio de ter desfrutado de um jeito de viver. Que, certamente, não é só feito de boas lembranças. Naquele tempo – e ainda hoje – o meio rural brasileiro em algumas regiões do País é desprovido de infraestrutura básica, como saneamento, postos de saúde e escolas. Trata-se também de pensar o mundo que estamos deixando para as próximas gerações. Porque as crianças de ontem, sem tablet, sobreviveram e aprenderam. E as crianças do futuro, com tablet e tecnologias mil, sobreviverão sem natureza?

Foto: Pixabay

 

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