Legislações mais severas, vigilância mais ampla e profunda para derrubar as mentiras. Tudo isso seria capaz de frear esse deplorável novo mundo? A resposta precisa vir da inteligência humana, e não da artificial…
Nossos pais valorizavam a verdade na educação e o caráter dos filhos, ensinando que mentira tem perna curta. Hoje, infelizmente, a mentira ganhou pernas longuíssimas, planetárias, e caminha a passos largos para uma nova ordem de desinformação em massa. Mentir virou profissão em busca de dinheiro, poder e afronta aos poderes constituídos. A tal ponto de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter adotado o termo “infodemia” para designar o fenômeno no âmbito dos esforços contra as notícias falsas durante a pandemia da Covid-19. Motivos existem de sobra.
Amparada pelas novas tecnologias, a mentira se espalha à velocidade de um vírus, auxiliada pelos algoritmos, e necessita de vacinas. Pesquisador da Universidade de Cambridge, Jon Roozenbeek desenvolveu, com colegas, alguns games capazes de ajudar usuários a criar anticorpos contra a desinformação, como mostra a revista Gama, em recente especial sobre fake news. Se “só a verdade liberta”, como tantos repetem nas próprias redes, é de se perguntar para onde caminhamos nesse mar de desconfianças e armadilhas, ainda mais quando nos aproximamos de mais um período eleitoral no qual a internet, já se sabe, teve – na eleição presidencial de 2018 – e deverá ter papel crucial nos destinos do País no próximo ano.
[bannerdfp]
Apesar do empenho das autoridades em enxugar gelo nesta guerra. Na última semana, o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF) barraram uma iniciativa do Palácio do Planalto de editar uma Medida Provisória destinada a alterar o Marco Civil da Internet e limitar a retirada de contas, perfis e conteúdo em redes sociais.
A “MP das fake news” foi considerada uma tentativa de proteger atingidos por medidas de combate à desinformação exigidas de Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e outras redes sociais, como a retirada de posts em redes sociais e cancelamento de contas. Além das fake news, temos de lidar ainda com os deepfakes, uma tecnologia que usa inteligência artificial para criar vídeos falsos, mas realistas e fortes o suficiente para se disseminar cada vez mais, de acordo com a revista Gama.
Segundo o site brasileiro Techtudo, os deepfakes conseguem fazer montagem com famosos e políticos, substituindo rostos e vozes, tornando cada vez mais difícil distinguir a verdade da mentira. E não se trata mais de falar em futuro, isto já acontece, inclusive no Brasil, tirando também o sono de pais, educadores e cientistas, preocupados com o impacto desse fenômeno nas decisões dos adultos, hoje, e, principalmente, nas novas gerações — os profissionais, pais de família, eleitores de amanhã.
Estudiosos sobre o tema já consideram que, a depender do avanço dessa nova realidade, estaria sendo criado um ambiente perfeito para o surgimento de líderes autoritários pelo mundo. “Se o público perde a confiança naquilo que escuta e observa, e a verdade se torna uma questão de opinião, o poder flui para aqueles cujas opiniões estão mais proeminentes, consolidando certas autoridades pelo caminho”, afirmaram os pesquisadores americanos Danielle Citron e Robert Chesney.
Mera coincidência com o passado? “Controle a verdade” é o título de um dos seis episódios da série documental da Netflix “Como se tornar um tirano”, focada em ditadores ferozes como Adolf Hitler (Alemanha), Saddam Hussein (Iraque), Idi Amin (Uganda), Stalin (União Soviética), Muammar Kadafi (Líbia) e a dinastia Kim (Coreia do Norte). Um “manual” para leigos, com linguagem voltada a engajar o público jovem, a série mostra como esses ditadores tomaram o poder, acabaram com seus rivais, reinaram pelo terror, controlaram a verdade, criaram uma nova sociedade e governaram quase para sempre.
Legislações mais severas, vigilância mais ampla e profunda dos meios de comunicação para derrubar as mentiras, esforço pessoal e coletivo de cidadãos conscientes acerca do poder das fake news em nos levar para trás. Tudo isso seria capaz de frear esse deplorável novo mundo? A resposta precisa vir da inteligência humana, e não da artificial…